Inês Teotónio Pereira

Jurista

Inês Teotónio Pereira

Um país com memória de peixe

Diz-se que na política não há passado, só há futuro. Ninguém quer saber de águas passadas; águas passadas cheiram a águas paradas - cheiram mal. O que interessa é o que se segue. Senão, vejamos. Uma pessoa detém-se em Miguel Relvas num ocasional zapping televisivo e não deslinda neste novo empresário moderno e fashion aquele Relvas que sofreu bullying e foi vítima dos cartazes "Oh Relvas, vai estudar!". Este Relvas já não é o mesmo estudante. E, no entanto, parece que foi ontem que tudo aconteceu.

Inês Teotónio Pereira

O perigo dos filhos

É tramado: não existem discussões mais sangrentas entre pais do que as discussões sobre os filhos. Os filhos dividem os casais. Sabem aqueles avisos das repartições públicas sobre os perigos do álcool e do tabaco, as medidas de prevenção do cancro ou sensibilização dos utentes para a violência doméstica? Pois bem, devia existir um cartaz contemplando a problemática dos filhos, uma mensagem dirigida aos noivos em cada cartório, alertando para o perigo. "Atenção: um filho pode ser uma ameaça mais letal ao casamento do que a vizinha loira e com as medidas de modelo da Vogue que vive no 3.º esquerdo do seu prédio. Esteja atento aos sinais e viva feliz para sempre".

Inês Teotónio Pereira

O problema dos professores

O maior problema dos professores é que ninguém percebe o problema dos professores. Ninguém entende a manta de retalhos que é a legislação que regula a carreira docente. A mobilidade, a vinculação, os escalões, os modelos de colocação, a contagem do tempo de serviço, enfim, o "regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente". A única coisa que o comum dos mortais percebe é que os professores reivindicam aumentos salariais e queixam-se do excesso de burocracia. É tanta a papelada e são precisas tantas justificações, que devem ser meia dúzia os professores que têm coragem de dar más notas aos alunos. E mesmo esses, não têm tempo.

Inês Teotónio Pereira

Sobreviver às manhãs

Duas coisas que me irritam nos filmes americanos e nas telenovelas brasileiras (e que as portuguesas teimam em imitar): as manhãs harmoniosas dos paizinhos a fazerem panquecas ou ovos com bacon enquanto os filhos aparecem arranjados e lambidinhos sem que tenha sido dado um grito; as mesas dos pequenos-almoços brasileiros, onde abundam bolos fumegantes e sumos de todas as cores. Não existem fantasias maiores que aqueles dois cenários - ao pé disto qualquer filme do 007 é um facto histórico. Mas a verdade é que esta fantasia é nociva. Faz-nos mal, a nós, pais reais, que cresceram a fantasiar manhãs daquelas, filhos daqueles e mesas de pequeno-almoço assim. "Quando eu for grande vai ser assim...". Nada.

Inês Teotónio Pereira

O triunfo dos filhos

Nunca o mundo esteve tão refém de filhos como hoje. Tenho filhos dos 22 aos 9 anos e acreditem que é latente o crescimento do poder dos filhos. Tipo polvo. Orwell e Huxley pensaram em tudo, imaginaram os cenários mais tenebrosos a respeito do aprisionamento da mente, da liberdade, da ausência de discernimento dos humanos. Mas nunca pensaram que nós perdêssemos a cabeça com os filhos, ao ponto de nos escravizarmos desta forma. Que fossem as crianças, os adolescentes, que nem os sapatos sabem apertar, a mandar nisto tudo.

Inês Teotónio Pereira

Os pobres que paguem a educação

Na educação, as desigualdades aumentam: nos concelhos de grande densidade populacional, como Lisboa, Porto e Cascais, cerca de metade da população escolar frequenta o ensino particular. Estes números só podem querer dizer uma de duas coisas: ou somos um país de gente rica ou as escolas públicas não estão a servir as famílias e metade delas pagam duas vezes a educação, uma através dos impostos, outra através das propinas nas escolas privadas. É, obviamente, a segunda razão.

Inês Teotónio Pereira

O que é um secretário de Estado?

Se soubessem não se metiam nisso. Nos dias de hoje e em governos de António Costa, os secretários de Estado ocupam o último nível trófico na cadeia alimentar do poder. É péssimo ser secretário de Estado. Ser diretor-geral é coisa digna: ele manda em departamentos, tem poder efetivo sobre a administração pública, é uma figura obscura e até temível - é o bonequinho cinzento que aparece nos jornais - e eterniza-se para lá dos governos e das guerras partidárias. É o verdadeiro Boss. Já o secretário de Estado é o "chega-me isto" do ministro ou do Costa ao mesmo tempo que é o corta-fitas do diretor-geral.

Inês Teotónio Pereira

A indignidade humana na eutanásia

Sabem o que é mais chocante? É termos o novo texto da eutanásia aprovado em vésperas de Natal. Como se fosse de propósito. Legislar sobre a morte quando se celebra o Nascimento ou é maldade ou é estupidez (ou as duas). E depois é a mesquinhez do texto - cheio de palavras rasteiras e de conceitos cinzentos -, a cobardia dos deputados e dos partidos e a sonsice do desenrolar do processo. O diz que afinal não se disse, aquele "é só um bocadinho" mas acabamos com uma das leis mais indefinidas e mais definitivas, mais selvagens e mais cruéis do mundo.

Inês Teotónio Pereira

Desigualdades à PS 

Ao que parece os anos de confinamento não afetaram o ensino: foram inócuos para a aprendizagem dos nossos filhos. Casa ou escola, ensino à distância ou presencial, professores ou pais, tudo isto foi indiferente para a evolução, para a aprendizagem e para o desenvolvimento das nossas crianças. O que lá vai, lá vai e o melhor mesmo é pôr uma pedra sobre o assunto. Ninguém gosta de recordar aqueles tempos sem escola, com as crianças a saltar em cima dos sofás, a sufocar dentro de casa, sem espaço, sem tarefas, sem ânimo, sem amigos, sem estímulos, A definhar com a ajuda dos ecrãs para os pais poderem trabalhar escondidos nos quartos.

Inês Teotónio Pereira

Deixem os socialistas trabalhar

O mundo político português e as dezenas pessoas que dão importância ao pequeno mundo político português estão chocados e indignados com os socialistas do governo socialista. Estamos a falar de dois casos. O primeiro é o da nomeação de um jovem recém-licenciado em Direito e militante da Juventude Socialista para adjunto do gabinete de uma ministra socialista de um governo com maioria absoluta do Partido Socialista. O segundo é mesmo um caso à moda antiga. Está lá tudo: um pavilhão, milhares de euros, uma empresa constituída para receber o dinheiro/construir o pavilhão - mas afinal ainda não deu para o construir -,um presidente da câmara socialista que adiantou o dinheiro para as obras, amigo do primeiro-ministro socialista, e a nomeação do presidente a secretário de Estado Ajunto do primeiro-ministro.

Inês Teotónio Pereira

Os pais têm a obrigação de ser otimistas

Eu sei que não apetece, que é uma espécie de contraciclo e que está fora de moda, esta coisa do otimismo. Os filmes devem acabar mal, as utopias foram substituídas pelas distopias, o humor tem de ser negro, o pessimismo é o novo realismo e o otimismo uma mera infantilidade. Crescemos e a ingenuidade dos anos 50 já lá vai, assim como os musicais românticos, o viveram felizes para sempre, os bons que ganham invariavelmente aos maus e o amanhã que será um novo dia.