Alberto João Jardim não precisa de estar muito preocupado com as consequências da descoberta de 1,7 mil milhões de euros em despesa não reportada na Madeira. É que, na pior das hipóteses, o líder do Governo Regional poderá pagar uma multa de 15 mil ou 25 mil euros.
Ou seja, 0,001% ou 0,002% das despesas omitidas desde 2004. Mais penalizador poderá ser o eventual corte das transferências do Estado para a Região Autónoma previsto na lei para casos "graves".
Ontem, o Instituto Nacional de Estatística (INE) e o Banco de Portugal revelaram que o Governo madeirense "omitiu" informação relativa às suas contas públicas. Resultado: os défices orçamentais da República relativos a 2008, 2009 e 2010 foram revistos em alta, com especial incidência no último ano, com o buraco a ascender a 915,3 milhões de euros - 0,53% do PIB nacional, que empurra o défice de 2010 para 9,6%. Em 2008, o impacto no défice será de 0,08% do PIB (140 milhões de euros) e em 2009 de 0,03% (58 milhões de euros). No total, e acrescentando a derrapagem já apurada que cai em 2011 (568 milhões), o Executivo de Jardim ocultou 1,68 mil milhões de euros em despesas. O suficiente para financiar um corte de quatro pontos na Taxa Social Única (TSU).
Este desvio nas contas resulta de anos e anos de endividamento de empresas controladas pelo Governo do Funchal para construir estradas em regime de parceria pública-privada. No sector da saúde houve problemas similares. Desde 2002, ano que que a lei passou a limitar o endividamento directo das regiões, a situação agravou-se. Para contornar os obstáculos, admite o próprio Alberto João Jardim, foram criadas várias empresas. Estas endividaram-se fortemente com o aval do Governo regional para prosseguir o plano de obras públicas (pontes e estradas). Até que o crédito começou a faltar com a eclosão da crise financeira em meados de 2007. O Banif e o BCP são os bancos mais expostos à situação.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
A gravidade da omissão, assumida por todos os responsáveis políticos (ver ao lado), levanta uma questão: pode Alberto João Jardim ser responsabilizado? Caso o Ministério Público decida avançar com uma investigação, apure responsabilidades e formule uma queixa, poderá haver base para o Tribunal de Contas identificar uma infracção financeira, bem como omissão de informação.
Caso haja culpados, existem dois tipos de consequências: a redução das transferências do Estado para a Madeira prevista na Lei de Finanças Regionais e a responsabilização pessoal dos culpados. Nesta última, as multas não passam os 15 mil euros.
Questionado pelo DN/Dinheiro Vivo, fonte oficial do Tribunal de Contas afirmou que "a última palavra caberá ao Tribunal, que se pronunciará sobre as operações e as eventuais responsabilidades". Ou seja, pode existir base para se avançar na responsabilização de alguém.
O presidente do Governo da Madeira também pode ser processado e multado ao abrigo da Lei do Sistema Estatístico Nacional. O diploma classifica como contra-ordenações graves a falta de resposta a inquéritos da autoridade estatística (INE), as respostas reiteradamente inexactas e insuficientes, a recusa no envio da informação e a resposta que induza em erro. O INE e o Banco de Portugal dizem que "a omissão de informação" detectada é "grave" e inédita.
No pior cenário, caso fosse provada a sua "responsabilidade", Jardim teria de pagar entre uma de 25 mil euros. Ainda assim, a sanção pode cair para metade caso se prove que houve apenas "negligência".
E mais: se a contra-ordenação ocorreu na Madeira, o dinheiro das multas acabará por reverter para o Governo regional, diz a lei.
Mais dívidas e incógnitasOs valores revelados ontem têm impacto nas contas dos anos anteriores, mas deixam um lastro de dívida para todos os portugueses. Segundo as contas oficiais para este problema , os portugueses herdaram 515 milhões de euros de dívida madeirense.
A consequência mais prejudicial será ao nível da reputação do País, frisaram ontem fontes de alto nível em Lisboa. Jornais como o "Financial Times" ou o "The Wall Street Journal" noticiaram negativamente o sucedido, incomodando bastante o Governo e instituições como o INE e o Banco de Portugal.
Mas ainda não se vê o fundo no buraco da Madeira. O desvio de 568 milhões de euros detectado este ano pode muito bem engordar ao longo dos próximos meses à medida que Lisboa for fazendo o levantamento das informações "omitidas" pelo Funchal. As Finanças confirmam que o exercício deste ano tem "riscos" que ainda vão ser avaliados. Os próximos anos também são uma incógnita. Com Lília Bernardes