O défice público de 2022 baixou até 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), o segundo mais baixo de sempre, revelou o Instituto Nacional de Estatística (INE), esta sexta-feira, no reporte dos défices a enviar à Comissão Europeia. É preciso recuar a 2018 para encontrar um défice inferior (0,3%). Em 2019, o saldo orçamental foi positivo (0,1%) pela primeira vez na História da democracia portuguesa.
Para este ano, já com este ponto de partida muito favorável, o Ministério das Finanças mantém na mesma a meta de 0,9% de défice e de 110,8% do PIB na dívida pública, como está no Orçamento do Estado de 2023 (OE2023), indica o novo reporte sobre o procedimento dos défices excessivos e da dívida elaborado pelo INE, que foi enviado a Bruxelas para ser avaliado.
O valor do ano passado fica significativamente aquém do que foi estimado no OE, em outubro, e traduz-se numa folga enorme, num ponto de partida muito favorável ara a execução deste ano. No OE2023, a estimativa era chegar a um défice nominal de 4,4 mil milhões de euros. Afinal foi de apenas 0,9 mil milhões de euros. 944 milhões, para ser mais preciso.
O rácio da dívida pública ficou mais ou menos em linha com o que previa o governo em outubro (113,8% do PIB).
Segundo o INE, que reporta os números apurados pelo Banco de Portugal (a instituição responsável pelo cálculo da dívida na ótica do Tratado de Maastricht), "a dívida bruta das Administrações Públicas terá diminuído para 113,9% do PIB em 2022 (125,4% no ano anterior)". Ficou apenas uma décima acima do estimado há cinco meses pelas Finanças.
Assim, o peso da dívida, um dos critérios que vai ganhar mais destaque na avaliação aos países no âmbito do Pacto de Estabilidade, caiu uns expressivos 11,5 pontos percentuais do PIB no ano passado, a maior retração anual de que há registo (desde 1996), indicou o banco central esta sexta-feira, também.
Este ano, pelas previsões do governo, a redução continua, mas mais devagar: o equivalente a menos 3,2% do PIB, para os referidos 110,8%.
Folga enorme
Portanto, a diferença a favor das Finanças ascende a 3,5 mil milhões de euros. Mas a folga pode ser ainda maior se consideramos o PIB de 2022, que agora foi revisto em alta (mais 9 mil milhões de euros face a outubro). Nesse caso, a folga efetiva sobe para 3,6 mil milhões de euros.
Na altura do OE, o governo apontava para um défice 1,9% do PIB. Sabe-se agora que ficou 1,5 pontos percentuais abaixo. O ponto de partida para a execução deste ano é, assim, muito favorável.
Este reporte do INE confirma o que foi noticiado na quarta-feira, pelo Dinheiro Vivo, com base num estudo do Conselho das Finanças Públicas (CFP): que o Governo teria terminado o ano passado com uma folga de 3,2 mil milhões no défice e que até pode adiar fim de apoios para 2024, segundo o CFP, que atirou o fim das medidas para o ano que vem (cenário de políticas invariantes).
Segundo o CFP, o défice de 2022 ficaria em 0,5% do PIB (afinal foi menos) e o deste ano sobe apenas ligeiramente, para 0,6%.
Segundo o Conselho, o défice nominal de 2022 teria ficado em 1,2 mil milhões de euros (foi 944 milhões, sabe-se agora), 3,2 mil milhões de euros menos do que os 4,4 mil milhões reiterados pelo ministro das Finanças no OE2023.
O governo tem dito que os resultados de 2022, altamente inflacionados pelo ambiente de preços muito elevados (que impulsionaram a receita), são de "contas certas" e que o excesso de receita cobrada devido ao impacto inicial da crise energética e da guerra nos preços, está a ser devolvido aos cidadãos, em forma de apoios.
Medida temporária: IVA 0% sobre alguns alimentos
Por exemplo, esta sexta-feira, o ministro Fernando Medina anunciou que pretende a redução do IVA para 0% (zero) sobre "um cabaz de bens essenciais", "ainda a definir". Este IVA zero vigorará temporariamente, durante seis meses, "entre abril e outubro deste ano", disse o governante numa conferência de imprensa no Ministério das Finanças, também esta sexta-feira. A medida pode custar 410 milhões de euros, referiu.
Medina referiu que o cabaz será composto por um conjunto de alimentos, mas não deu exemplos.
O acordo está a ser negociado com supermercados, retalhistas e produtores para que estes não absorvam o corte do imposto.
Ao mesmo tempo, o governo avança com um apoio à produção de bens agrícolas, no valor de 140 milhões de euros.
Se o IVA fosse reduzido sem mais (neste caso vai haver um acordo e um apoio aos produtores agrícolas), as empresas tenderiam a capturar o alívio no impostos (como costuma acontecer, aliás aconteceu recentemente em Espanha, por exemplo), e a medida não surtiria qualquer efeito: os consumidores continuariam a pagar os preços muito elevados que vigoram em muitos bens essenciais e as empresas manteriam os mesmo níveis elevados de faturação à boleia da inflação.
Além do IVA 0% e do apoio aos agricultores, o governo diz que vai avançar com um reforço de 1% nos aumentos da função pública e novos apoios às famílias, sobretudo as mais pobres.
Medina prometeu ainda um "reforço do subsídio de refeição" no privado e no setor público a partir de abril (inclusive) e a ministra da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, acenou com um novo "apoio extraordinário às famílias mais vulneráveis".
Estas medidas vão somar aos já anunciados 900 milhões de euros do pacote habitação, que muitos duvidam que surta grande efeito. É o caso do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
No global, esta devolução prometida do resultado orçamental "melhor" do que o esperado em 2022 foi avaliada em 2,5 mil milhões de euros nesta nova vaga de apoios públicos contra os efeitos da crise inflacionista.
Receita cresce mais do dobro que a despesa
O INE explica que, "em contabilidade nacional", no ano de 2022 registou-se "um crescimento da receita (10,2%) superior ao da despesa (4,4%)". Ou seja, a receita cresceu a um ritmo que é mais do dobro do verificado na despesa.
"O aumento da receita decorreu, essencialmente, da evolução positiva da receita fiscal e contributiva, refletindo a recuperação da atividade económica e do mercado de trabalho face a 2021, ainda condicionado pelo contexto pandémico."
"As despesas das Administrações Públicas em 2022 refletem os efeitos de algumas medidas de política pública no contexto da pandemia COVID-19", embora "em grau inferior ao observado nos dois anos anteriores".
E também refletem "novas medidas de mitigação dos efeitos dos elevados preços de diversos bens e serviços, nomeadamente bens energéticos, em consequência do designado choque geopolítico".
Das várias medidas implementadas o INE destaca as seguintes: "i) complemento excecional a pensionistas e o apoio extraordinário a titulares de rendimentos e prestações sociais; ii) apoios a famílias mais carenciadas; iii) despesa com aquisição de bens e serviços do setor da saúde, destacando-se a despesa com a realização de testes COVID-19, aquisição de medicamentos, meios complementares de diagnóstico e material de consumo clínico no Serviço Nacional de Saúde; iv) despesa da Direção-Geral de Saúde com as vacinas COVID-19; v) despesas com pessoal, em particular devido aos efeitos das atualizações salariais e das valorizações remuneratórias; vi) alocação adicional de verbas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN) para redução das tarifas de eletricidade."
(atualizado às 14h00 com mais informação apresentada pelo ministro das Finanças e do reporte do INE)