Lagarde e Centeno ainda não abandonaram Medina. Compraram mil milhões em dívida até fevereiro

BCE e Banco de Portugal dizem que ainda vão conservar um valor elevado em obrigações nos seus balanços para evitar o pior nas taxas de juro. Mas benesse acaba definitivamente em 2024, avisam.

Luís Reis Ribeiro
O primeiro-ministro, António Costa (E), acompanhado pelo Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno (C), e pela presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, durante a sessão solene comemorativa do 175.º aniversário do Banco de Portugal na sede da instituíção em Lisboa, 03 de novembro de 2021. TIAGO PETINGA/LUSA © LUSA

O Banco Central Europeu (BCE) e o Banco de Portugal (BdP), que integra o Sistema Europeu de Bancos Centrais, estão a descontinuar os grandes programas de compra de ativos (sobretudo dívida pública, mas também alguma privada) lançados em 2015 contra a crise das dívidas soberanas e em 2020 contra a pandemia.

A banca central ainda tem na sua posse uma pilha considerável de dívida portuguesa: mais de 88 mil milhões de euros sob o chapéu daqueles dois grandes programas de compras. É o equivalente a quase um terço da dívida do Estado português.

No maior dos programas em curso -- o de aquisição de obrigações de dívida soberana (PSPP), anunciado em 22 de janeiro de 2015 -- houve um reforço do valor na posse do sistema de bancos centrais do euro em cerca de mil milhões de euros em janeiro e fevereiro. Os números foram revelados esta semana pelo BCE.

Apesar do aperto quantitativo (phase out nos programas e subidas de taxas de juro diretoras do BCE), no início deste ano (janeiro e fevereiro), Portugal e outros países do euro continuaram assim a beneficiar de uma ajuda substancial.

Como referido, o BCE e, sobretudo o BdP que é o agente responsável pelas operações no mercado nacional, compraram mais de mil milhões de euros em dívida pública portuguesa ao abrigo do PSPP, nos dois primeiros meses do ano.

Só neste PSPP, BCE/BdP ainda detêm na sua carteira 54,7 mil milhões de euros em OT portuguesas e outros títulos públicos de maturidades médias e longas.

É preciso lembrar que as compras líquidas de ativos sob o grande APP (onde se insere o PSPP) terminaram efetivamente "no final de junho de 2022", explica o Banco de Portugal.

No entanto, "o montante dos títulos vencidos é reinvestido na íntegra até fevereiro de 2023".

"Com início em março de 2023 e até ao fim do segundo trimestre de 2023, o Eurossistema não reinvestirá a totalidade do montante dos títulos vincendos [que chegam à maturidade}, pelo que a carteira do programa de compra de ativos diminuirá, em média, 15 mil milhões de euros por mês", avisa o banco governado por Mário Centeno.

Depois disso, logo se vê. O BCE diz que quer avaliar a situação a par e passo (mensalmente) para não provocar nenhuma escalada descontrolada nas taxas da dívida soberana.

Mas até fevereiro, o reinvestimento integral das OT que iriam amortizar até terá ajudado a travar a subida da taxa de juro média da nova dívida emitida.

Em janeiro, o custo das novas emissões da República disparou para 3,7%, mas em fevereiro terá baixado um pouco, para cerca de 3,3%, de acordo com cálculos do Dinheiro Vivo (DV) a partir de dados oficiais da agência que gere a dívida portuguesa (IGCP).

Assim, a taxa média dos primeiros dois meses deste ano até aliviou para 3,5%, indicou o IGCP no seu mais recente boletim mensal.

Como referido, o ambiente das taxas de juro da zona euro é cada vez mais apertado. As taxas diretoras do BCE estão a subir rapidamente para trazer para baixo a inflação muito elevada (ainda na casa dos 7% na zona euro, quando a meta do BCE é 2%) e os enormes programas de compras estão a minguar.

Porém, a descontinuação desses programas de compras de obrigações do tesouro (OT) está a ser feita com muito cuidado, de forma gradual e "flexível" para não provocar choques nas taxas de juro soberanas, como tem sublinhado Christine Lagarde, a presidente do BCE.

O BCE e o BdP não estão a fazer novas compras nos mercados secundários, mas ainda estão a reinvestir boa parte dos títulos que adquiriram no passado, o que significa que conservam valores avultados de OT nos seus balanços. Daí as "compras líquidas" terem subido os tais mil milhões de euros em janeiro e fevereiro.

Enquanto não os despejarem (venderem de forma definitiva) nos mercados, mesmo com revestimentos parciais, ainda é possível travar um pouco a subida inexorável do custo da dívida soberana. Até fevereiro, foi o que aconteceu.

Programa da pandemia ainda pode ajudar um pouco mais

No outro grande programa (o da pandemia), surgiram as primeiras vendas definitivas de OT (cerca de 1,6 mil milhões de euros de outubro a janeiro), mas a pilha de dívida na posse do banco central ainda é significativa: segundo revelou o BCE também esta semana, no final de janeiro tinha 33,9 mil milhões de euros de dívida portuguesa neste programa.

O sistema de bancos centrais do euro desfez-se de dívida portuguesa emitida em nome do combate à pandemia, mas o prazo de reinvestimentos é bastante mais longo, o que significa que, também aqui, pode ajudar a moderar a subida da taxa de juro nos mercados secundários e nas novas emissões (mercado primário).

O Banco de Portugal refere que "em 18 de março de 2020, o conselho do BCE decidiu criar um programa de compra de ativos dos setores público e privado, o programa de compras de emergência pandémica (PEPP), com o objetivo de combater os riscos decorrentes da pandemia de covid-19".

Sendo verdade que "as compras líquidas de ativos realizadas ao abrigo do PEPP terminaram em abril de 2022", já "o montante dos títulos vencidos é reinvestido integralmente até, pelo menos, ao final de 2024".

O supervisor nacional afirma ainda que "tem estado envolvido na implementação do PSPP e do PEPP desde o respetivo início, executando compras em mercado secundário".

Várias dezenas de milhares de milhões de euros em OT portuguesas podem ficar guardadas no balanço de BCE e BdP, logo, não inundam o mercado e evita-se uma desvalorização abrupta desta dívida de médio e longo prazo (e consequente subida da taxa de juro).

Fatura dos juros dispara 33% este ano, diz Medina

É uma garantia relativamente favorável para o ministro das Finanças, Fernando Medina, que quer muito reduzir o défice, mas tem uma fatura enorme de juros para pagar neste ano e nos próximos e que dificulta sempre essa tarefa.

A fatura dos juros da dívida (despesa que vai ao saldo orçamental e que na atual conjuntura leva ao agravamento do défice), esteve a descer de forma significativa durante vários anos, sobretudo desde 2016.

Assim foi porque houve um primeiro excedente orçamental (em 2016, saldo positivo de 0,1% do PIB - produto interno bruto) e foi-se conseguindo reduzir muito o rácio da dívida. Esta dinâmica permitiu ao governo ir menos aos mercados envidar-se para financiar os défices, que acabar por reaparecer em 2020, o primeiro ano da pandemia.

No entanto, no novo ambiente inflacionista, a subida da maré nas taxas de juro foi rápida. Mesmo com o rácio da dívida a cair (menos 11,5% do PIB, a maior descida desde 1995, pelo menos, para 113,9% do PIB no final do ano passado), a despesa com juros vai cavalgar.

No mais recente reporte dos défices e da dívida feito pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o governo comunicou que este ano está a contar com uma subida do serviço da dívida superior a 33%. Em contas nacionais, diz que terá de pagar aos credores quase 6,3 mil milhões de euros. Recuou quatro anos nesta estratégia. É preciso recuar a 2019 para encontrar um valor semelhante, mostra o INE.

Para Medina, mesmo com BCE e BdP a conservarem OT na sua carteira, o rumo das taxas de juro vai ser sempre a subir (este ano) e o seu efeito "longo", podendo estender-se tal efeito até 2025.

Ao mesmo tempo, o ministro quer contas certas: manter o défice abaixo de 1% este ano e continuar a reduzir muito a dívida, ao mesmo tempo que vai anunciando novos apoios às famílias e empresas por causa do custo de vida.

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