O presidente da Comissão Europeia e os trabalhadores, o presidente francês, os partidos políticos. São várias as vozes que já se levantaram contra a contratação de Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, para os quadros da Goldman Sachs, onde assumirá funções de consultor no âmbito do Brexit.
Desde que o assunto foi noticiado, no início de julho, que a contratação tem causado mal-estar. O clima de tensão tem-se agudizado nos últimos dias — depois de ter sido conhecido que a Comissão Europeia iria passar a receber Barroso como um lobista — e escalou esta manhã com a notícia do El Mundo, que garantia que Barroso iria receber uma pensão vitalícia de 18 mil euros por mês.
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, tem sido o principal porta-voz do mal-estar que a contratação de Barroso para uma empresa privada tem gerado e decidiu mesmo submeter a contratação a uma comissão de ética.

Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia Fotografia: Leonel de Castro/Global Imagens
O responsável ordenou mesmo que Barroso deixe de ser tratado em Bruxelas como ex-presidente da Comissão Europeia, perdendo os privilégios. Barroso “será recebido na Comissão não como antigo presidente mas como representante de um interesse e será sujeito às mesmas regras [que os outros]”, referiu o atual presidente da Comissão Europeia, foi noticiado pelo Financial Times.
Juncker estará também a examinar o contrato de trabalho de Barroso e já deu instruções à sua equipa para que o seu antecessor – que ocupou o cargo durante dez anos, entre 2004 e 2014, e ex-primeiro-ministro português entre 2002 e 2004 – seja tratado em Bruxelas como qualquer outro lobista.
A provedora de justiça europeia, Emily O’Reilly, pediu na semana passada esclarecimentos sobre a posição da Comissão Europeia em relação à escolha de Barroso para o Goldman Sachs. O presidente da comissão terá evocado o Artigo 245 do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que obriga ao “total respeito pelos princípios de discrição e integridade” pela parte de comissários e ex-comissários.
Bruxelas já respondeu a este pedido dizendo que os contactos entre Barroso e a equipa que negociará o Brexit serão “inscritos no regime de transparência”.
Barroso reage contra Bruxelas
A tensão já levou o próprio Durão Barroso a reagir, considerando que a Comissão Europeia está a ser “discriminatória” e “inconsistente”.
Numa carta a que o Financial Times teve acesso Durão Barroso diz que “tem sido entendido que o mero facto de estar a trabalhar para o Goldman Sachs levanta questões de integridade. Embora respeite que todos têm direito à sua opinião, as regras são claras e devem ser respeitadas. Estes protestos não têm qualquer base nem qualquer mérito. São discriminatórios para mim e para o Goldman Sachs.”
A contratação ocorreu 18 meses depois do fim do tempo de Barroso na liderança da Comissão Europeia, cumprindo as regras definidas, mas é a escolha do Goldman Sachs que está a levantar polémica. O banco foi uma das entidades com maior responsabilidade na crise do subprime, segundo a visão de vários governantes, incluindo de François Hollande.
O presidente francês considerou que era “moralmente inaceitável” ter Barroso na Goldman Sachs num momento em que o sector financeiro foi abalado pelo Brexit. Esta terça-feira afirmou que apoiava “inteiramente a iniciativa” de submeter a contratação ao comité de ética.
“Quando sabemos que o Goldman Sachs foi uma das causas das dificuldades com que nos deparámos” na altura da crise de 2008 “isso justifica um procedimento como o que Juncker acaba de lançar”.
Também o secretário de Estado francês dos Assuntos Europeus já tinha pedido a Durão Barroso para não aceitar o cargo.
Funcionários da Comissão Europeia “chocados”
A contratação também gerou polémica junto dos trabalhadores da Comissão Europeia, com os funcionários a mostrarem-se “chocados” com a contratação do ex-presidente, temendo que a decisão “venha a provocar danos no projeto europeu” e considerando-a “moralmente repreensível”.
Numa carta aberta, citada pelo Público, os funcionários são duros com Barroso, dizendo que o Goldman Sachs foi um “dos bancos mais envolvidos na crise do subprime e, em particular, na crise da dívida grega”.
A abertura do inquérito pelo Comité de Ética não foi suficiente para tranquilizar os trabalhadores, que dizem que “esta notícia chega dois meses depois de a informação se ter tornado pública e surge como consequência da forte pressão política e da opinião pública ocorrida nas últimas semanas”.
Os funcionários lançaram mesmo uma petição online que, desde julho, já foi subscrita por mais de 140 mil pessoas.
Governo à margem da polémica
Já o Governo português prefere manter-se à margem da polémica. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, afirmou que a decisão de Juncker “é uma questão que não diz respeito ao Governo português”.
“A Comissão respeita certos padrões de comportamento na sua relação com os interlocutores. A decisão tomada é uma decisão tomada pela entidade competente, o presidente da Comissão [Jean-Claude Juncker] e, portanto, ao Governo português, essa questão não diz respeito”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros, citado pela Lusa.
Partidos já reagiram
Por cá, à esquerda e à direita a reação dos partidos não tardou. Enquanto o PCP considerou que Barroso na Goldman Sachs era um exemplo de “uma enorme promiscuidade” entre o poder político e económico, o Bloco de Esquerda considerou que a decisão de Juncker legitima o cargo na Goldman Sachs.
Catarina Martins, coordenadora do Bloco, afirmou que “Juncker acaba por assumir que Durão Barroso pode ocupar o cargo e isto, parecendo uma medida dura, acaba por ser uma medida que legitima algo que para nós é inaceitável, que é o facto de o presidente da Comissão Europeia ir trabalhar para um dos maiores bancos de investimento internacionais”.
O PSD, pela voz de Luís Montenegro, considerou que a decisão era um “espetáculo que não abona nada em favor das instituições europeias. Creio que é um assunto que não merece ser mais ampliado do que o que é pela força das intervenções dos principais protagonistas das organizações europeias”.
Já o CDS defendeu que era “normalíssimo” retirar os privilégios a Durão Barroso, disse Nuno Melo à Renascença. “Qualquer cidadão que represente um entidade muito menos significativa que a Goldman Sachs para interagir com deputados do Parlamento Europeu tem de se declarar como lobista”, diz Nuno Melo.
Melo lembra, contudo, que “em Bruxelas o lobbing é uma atividade altamente regulamentada, por razão da necessidade de transparência no exercício da ação politica, coisa que, de resto, o próprio José Manuel Durão Barroso bem saberá”.
Os eurodeputados também defendem a decisão de Juncker oficializar o estatuto de lobista, que “já toda a gente reconhecia a Durão Barroso”, disse a eurodeputada do Bloco Marisa Matias, citada pelo Público. Marisa Matias lamenta, porém, que a reação só tenha surgido depois do pedido de esclarecimento da provedora. Juncker “tira a passadeira vermelha a Barroso mas não questiona o essencial: a necessidade de mudar o regimento e proibir qualquer situação que permita a promiscuidade entre negócios e política”.
O socialista Carlos Zorrinho concorda: “Como é que um presidente da Comissão se deixa desgraduar desta maneira? É como se Cristiano Ronaldo aceitasse agora ser fiscal de linha – e ter que exercer essas funções”, disse, citado pelo Público.
Em sentido oposto está Duarte Marques, eurodeputado pelo PSD, que defende que não faz sentido considerar Barroso um lobista.