A Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa promove nesta semana o Growth Forum 2019 - Portugal como Catalisador do Desenvolvimento Internacional. Comecemos pelo tema da conferência: como é que Portugal pode reforçar o seu papel no xadrez económico global e porque é que isso é tão importante?
É importante porque um país só tem verdadeiro desenvolvimento quando tem verdadeira ambição. Se não fizermos parte da definição do caminho do mundo, teremos de nos adaptar ao que decidem por nós. Ora nós não temos dimensão nem riqueza para darmos o passo de dizer que somos nós que damos cartas - ainda que, quando começarmos a explorar o mar, um dia possamos ganhar essa dimensão; havemos de lá chegar. Mas neste momento o que temos é uma qualidade extraordinária.
Não temos escala, temos distinção.
Temos uma qualidade única enquanto povo que se tem afirmado, uma capacidade de adaptação extraordinária – nos países mais difíceis há sempre um português que resolve tudo –, de percebermos as necessidades de todos os intervenientes em todas as circunstâncias e de fazer pontes para chegar à solução. Ultimamente isso verifica-se até em momentos importantes, como foi a presidência da Comissão Europeia (CE), como é hoje a liderança das Nações Unidas. E essas conquistas provam que é possível.
Mas tendemos a desvalorizar essas conquistas enquanto povo...
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Sim, é verdade, quase os olhamos como culpados... Durão Barroso foi o presidente da CE e passámos o tempo a explicar porque é que isso era mau… Mas é precisamente isso que temos de mudar, não podemos continuar a achar mal ter pessoas nesses cargos porque conseguiram lá chegar, que até foram apoiadas pelo governo – e nesse aspeto há algum movimento para conseguir colocá-los, mas não há estratégia. O que temos é de transformar esse movimento ocasional numa estratégia global que envolva todo o Portugal, que cada um na sua esfera faça esse trabalho. Assim vamos invadir o mundo. Porque é quando as relações são mais difíceis que somos mais úteis. É aí que temos de focar-nos, mas tem de ser ao nível das empresas, da política, das sociedades, das ONG, fazendo intervenções de apoio… sempre que haja conflitos, desentendimentos, dificuldades de organização. Devíamos descobrir as pessoas competentes que temos em cada caso e colocá-las. E devíamos todos apoiar essa estratégia. Quando o conseguirmos, estaremos na decisão dos caminhos do mundo. Não seremos nós a intervir na decisão final, serão os líderes mundiais, mas nós teremos feito o caminho para colocá-los na liderança. E quem lidera ganha.
É por isso que traz à conferência nomes relevantes a nível mundial, como Rebeca Grynspan, Duncan Wardle ou Annette Nijs?
Quisemos trazer várias valências a este encontro que achamos necessárias para assumir esta posição. Mas há a curiosidade de lá fora também nos reconhecerem essa capacidade. O que significa que temos de aumentar a nossa autoestima. Só vamos fazer esse lugar se acreditarmos que vale a pena tentar. Temos de perder o medo, como digo no meu livro (Do Medo ao Sucesso, que foi lançado nesta quinta-feira): não podemos ter medo de arriscar. Às vezes não vamos conseguir, aliás nas primeiras vezes talvez achem que nem devíamos estar ali, mas ao fim de um tempo haverá algumas situações em que fomos úteis e de repente já nos vão pedir que estejamos. É assim que se consegue ocupar espaço. Mas tem de se trabalhar muito para o conseguir. E então estaremos verdadeiramente no mundo. O que é fundamental para a nossa economia. As empresas portuguesas não vão sobreviver só no mercado português, têm de estar no mundo.
As nossas empresas já fizeram parte desse caminho com a internacionalização.
Sim, foram elas que conduziram grande parte da solução da crise e porque deram esse primeiro passo, mas daí a sermos reconhecidos como elemento fundamental vai levar tempo. E é esse o caminho a seguir, em todas as envolventes, porque é fundamental dar às nossas empresas a vantagem para permitir à economia portuguesa recuperar. É esse um objetivo da CCIP: criar meios para a economia portuguesa dar as melhores condições às nossas empresas e conseguir influência suficiente sobre as instituições portuguesas para que acreditem que podemos mudar para melhor. É também isso que queremos com o Growth Forum, entregar ao país uma nova ambição que nos coloque muito acima do que somos hoje. É um objetivo significativo, mas só um país com uma grande ambição consegue chegar longe.
A CCIP tem assumido vários desafios nessa matéria: colocámos o mar no mapa da economia ao fazer aquele debate do hipercluster da economia do mar quando todos diziam que isso não seria possível, por exemplo. Hoje, todos os partidos têm no seu programa praticamente aquilo que Ernâni Lopes escreveu então. Fizemo-lo na justiça económica, conseguindo que governos colocassem algumas das nossas propostas – ainda não chegámos ao que queríamos, mas demos passos. E agora estamos a entregar ao país o que consideramos mais importante: uma ambição que inclua todos os portugueses e que nos coloque numa dimensão completamente diferente. Será um excelente trabalho para as empresas e um enorme serviço ao país. E o crescimento da riqueza tem a vantagem enorme que é a redistribuição pelos portugueses. Temos de acabar com a miserabilidade da vida dos portugueses, com a forma como temos vivido nos últimos anos, naquele discurso do "somos pobres, não podemos sair daqui". Isso é mentira. Somos ricos em competências e de temos usá-las para trazer riqueza. É essa a grande mensagem que queremos dar. Felizmente temos uma direção com peso político e social muito forte e interventiva e que permite conseguir resultados.
A diplomacia económica tem nisso um papel importantíssimo.
Fundamental.
O seu livro também passa essa mensagem?
Sim, as duas coisas estão completamente ligadas. Tudo tem que ver com o projeto da CCIP. O próprio livro tem a minha visão e o projeto da câmara de comércio também: fizemos um trabalho com a rede de câmaras de comércio, complementar à AICEP mas que funciona extraordinariamente. E conseguimos cumprir o desejo antigo dessa rede de ser reconhecida pelo governo português. Em cinco anos fizemos essa transformação, o que mostra a competência da CCIP mas também a nossa dedicação a estes temas e as pessoas que temos com capacidade de influenciar. O nosso principal papel é promover uma sociedade civil mais forte, mais participativa e que não vai atrás mas antes força o Estado a ir para onde vamos. E esse é também o objetivo do Growth Forum, transmitir ao Estado português uma nova ambição, essa vontade de ir muito mais longe e assumir o compromisso que os portugueses merecem. E a CCIP está completamente disponível para ajudar.
Fazem falta acordos alargados, nomeadamente em áreas como a justiça, o fisco, a educação? Devíamos exigir aos políticos que se entendessem?
Já temos feito trabalho a esse nível e também no livro volto a fazer propostas nesse sentido, dirigidas às empresas mas que se aplicam a toda a sociedade. As empresas não têm de ser palco de luta social, têm de funcionar como equipas que, em conjunto, levam os projetos por diante. Deve envolver-se os trabalhadores na gestão, de forma que contribuam também para aumentar a capacidade de conseguir mais riqueza. O mesmo vale para a sociedade toda. Se todos se envolverem, potenciamos a capacidade de conseguir melhores resultados e daí em diante ter mais riqueza para distribuir pela população. A guerra política baseada na contradição do que faz o outro é um erro total. Temos de estabelecer objetivos comuns para o país a longo prazo e depois podemos pensar em soluções diferentes para lá chegarmos, mas os objetivos tinham de ser comuns porque o país não merece estar constantemente a ser retalhado para não chegar a parte alguma. Somos 10 milhões de pessoas: juntos, podíamos muito – e separados estragamos tanto... É claro que é preciso criar muito mais entendimento, mais união, mesmo que haja ideias diferentes para os atingir, que os objetivos sejam os que queremos promover, porque não nos desenvolvemos se não for assim.
António Horta Osório falava na semana passada na necessidade de aumentarmos a produtividade e de criar apoios à natalidade como desafios essenciais. Dá a sensação de estarmos sempre a falar do mesmo... O que podemos fazer para dar esse empurrão à economia?
Trato estes dois temas em conjunto: produtividade e apoio à natalidade. Já disse e repito, esta preocupação com o Salário Mínimo Nacional (SMN) só nos traz uma situação miserável e descansa a consciência de quem tem responsabilidade de fazer melhor. É péssimo. Temos de nos preocupar em criar uma sociedade com salário digno, que é aquele que permite às pessoas terem uma vida, chegar a casa e dar aos filhos condições de vida aceitáveis, temos de lhes dar capacidade para atingirem níveis de rendimento muito superiores. Isso só é possível com mais produtividade, portanto é preciso começar a dar às pessoas remunerações baseadas na produtividade que entregam, de forma que possam ser “ricas” e a empresa, ao ganhar mais, possa pagar essa riqueza. Isto é a inversão do ciclo. Nós temos um ciclo de diminuição, em que cada vez estamos mais pobres e preocupados em defender que os trabalhadores não têm de trabalhar quando devíamos tentar aumentar a sua riqueza através de maior produtividade e distribuindo-lhes garantidamente essa riqueza – e aí o papel do Estado é importante para dar essa garantia de que o trabalhador que contribuiu para aumentar essa riqueza lhe acede. Isso funciona. Há muitos casos em Portugal em que já se aplica. As empresas de novas tecnologias, por exemplo, não vivem de outra maneira ou não reteriam quadros. É uma questão de ter coragem de começar a fazer isso. E o mal é que os empresários têm muitas vezes medo de arriscar.
E a natalidade liga-se com isso.
O salário digno vai permitir às pessoas terem capacidade de ter mais filhos. Temos de mudar culturalmente, dizer às pessoas que a família é importante e as pessoas vivem melhor porque a família é o centro social onde se criam relações de interdependência e de força. As famílias maiores têm mais força. Havendo salários dignos pode-se apostar nisso, mas não se pode pedir a alguém que ganha 600 euros para ter dois filhos. É quase criminoso pedir esse esforço.
Por outro lado ainda há muita dependência do Estado...
Porque o Estado, durante toda a vida de Portugal, alimentou isso de comandar pessoas e empresas de forma autoritária. Isso começou a vencer-se por causa da crise: como o Estado não tinha dinheiro, as empresas tiveram de procurar mercados novos e reduziram essa dependência, começaram a autonomizar-se. Hoje não há dependência excessiva a esse nível, mas há ainda caminho a fazer. Mas as pessoas continuam muito dependentes. Digo-o no meu livro e há dois exemplos interessantes. O Estado teve dois momentos muito claros onde prova que a união nacional traz uma riqueza e uma capacidade únicas – os Descobrimentos e a recuperação da independência contra os espanhóis, esta numa luta baseada numa segunda linha porque os grandes de Portugal estavam em Espanha, onde se mandava. E neste último momento criou-se uma rede para esse combate de dezenas de anos de luta.
Ao associarmo-nos, garantimos a independência -- o que mostra que temos força para conseguir chegar ao resultado quando nos unimos. Mas essa rede que criámos não permitiu a ninguém sair, a rede era isso mesmo, a garantia de que ninguém caía -- mas também ninguém podia subir, se não caíam os outros. Acontece que o Estado manteve essa rede e esse efeito, sendo cómodo para quem tem medo de arriscar porque sabe que não cairá, é terrível para o desenvolvimento. É o que temos de contrariar. E a questão da produtividade é um instrumento para isso. Premiar quem está disponível para dar mais, é destruir esta rede mas num momento em que já não precisamos dela, mas de ambição e desenvolvimento. Já não podemos ter medo de arriscar. E por isso também temos de conquistar um papel de intermediação dos interesses internacionais.