Centeno. "Pagámos estradas onde nunca andamos e estádios vazios. Foi tudo investimento público"

Governador do Banco de Portugal arrasou com a falta de cuidado e exigência nos investimentos públicos feitos no passado, como os estádios do Euro 2004. É por isso que hoje os projetos demoram mais a arrancar.

Parte dos atrasos excessivos no arranque de muitos investimentos públicos é explicada pelo maior "cuidado" e pela maior "exigência" que hoje existe na aplicação do financiamento dos projetos face ao que acontecia no passado, defendeu Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal (BdP), num debate que decorreu em Lisboa, esta quinta-feira (25 de maio).

Centeno insistiu que é preciso acelerar mais na execução dos fundos, mas pediu cautela para não se cometerem alguns erros graves do passado.

"Precisamos de perceber que, por exemplo, em Portugal, acabámos por pagar estradas onde nunca vamos andar, e isso foi investimento público", "temos estádios [de futebol] que estão vazios, e isso é investimento público", atirou o governador do banco central durante uma mesa redonda da "conferência sobre investimento e financiamento da resiliência e renovação da Europa".

No painel estavam Centeno, Pablo Hernández de Cos, governador do Banco de Espanha (BdE), Ricardo Mourinho Félix, um dos vice-presidentes do Banco Europeu de Investimento (BEI), e Debora Revoltella, economista-chefe do BEI.

Centeno não disse, mas com "estádios" estaria a referir-se ao projeto dos 10 estádios construídos para receber o Campeonato Europeu de Futebol de 2004.

Vários destes equipamentos estão hoje praticamente abandonados, vazios, tendo custado 600 ou 700 milhões de euros, segundo contas feitas na altura. Esse dinheiro, que hoje vale muito mais, foi todo às custas dos contribuintes, dos impostos, do aumento de dívida ou de cortes na despesa, para compensar a ruína financeira dos estádios.

"Hoje somos muito mais exigentes"

"Portanto, isso tornou-nos muito mais seletivos, muito mais exigentes, relativamente ao que deve ser o investimento público", continuou Centeno.

E o que hoje temos é que "precisamos de planear com muito cuidado, implementar, executar o investimento público e é por isso demora tanto, já sem contar com comissões parlamentares, e que pode ter um pequeno custo em termos de tempo", admitiu o governador.

Mas o ex-ministro das Finanças insistiu que "sermos exigentes com o investimento, como somos atualmente, é um desenvolvimento muito bom".

Além disso, "precisamos de usar os fundos europeus, olhando cuidadosamente para o horizonte de implementação destes fundos. Era muito óbvio, desde o começo, que isto iria acontecer".

Centeno sublinhou ainda aquilo que para si representa o esforço de unidade e solidariedade europeia que no seu entender está na base da atual geração de fundos europeus.

"Isto é ainda mais importante para a Europa como um todo porque estes fundos representam a primeira vez que a Europa emitiu um ativo comum, supranacional, um ativo seguro, em euros, para financiar a recuperação das economias", destacou o economista.

"Mas isto representa muito mais que o dinheiro que está dedicado a estes fundos. Tem um significado muito importante para a resiliência da zona euro, sobretudo nestes tempos difíceis, porque temos uma guerra na Europa, porque há países da zona euro que são vizinhos da Ucrânia e que estão a enfrentar de perto este cenário guerra", discorreu o governador.

Recorde-se que, em 2021, a União Europeia inaugurou as emissões conjunta de dívida para financiar o novo quadro de fundos europeus, o programa Next Generation EU. Este "mecanismo extraordinário de emissão de dívida colocará à disposição dos Estados-Membros 800 mil milhões de euros".

No centro deste enorme envelope estão os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR). Segundo fonte da UE, "esta é uma peça central na resposta europeia à crise provocada pela pandemia covid-19", à qual, entretanto, acresceu uma outra e nova crise, em 2022, a da guerra, energia e inflação.

Mas é preciso acelerar

Agora, insistiu Mário Centeno, "na perspetiva de Portugal, precisamos de acelerar o mais possível a execução dos fundos, sem demoras"

O ex-governante do primeiro executivo de António Costa recordou que "infelizmente, em Portugal, 80% do investimento total do setor público continua a ser financiado por impostos e não por fundos europeus". "Isto é algo que, há já algum tempo, defendo que devia mudar", declarou no debate.

De resto, Centeno admitiu que "todos os dias é positivamente surpreendido" por indicadores sobre a economia portuguesa e lembrou que "nos últimos anos, Portugal convergiu com a Europa através do investimento e das exportações".

Portanto, "o ciclo do investimento em Portugal é crucial para definir o que vai ser o futuro da recuperação e do potencial da economia".

Deixou um aviso, em todo o caso. "Se o consumo continuar a crescer mais do que o investimento é um problema".

Ricardo Mourinho Félix, que nessa altura foi secretário de Estado do então ministro das Finanças, Mário Centeno, defendeu que, mais do que o valor dos projetos financiados pelo BEI, é "a qualidade que conta" e "garantir que esses investimentos servem as pessoas".

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