"Diminuição significativa das rendas pode provocar efeito dominó" na banca

Peter Wilhelm, European Council of Shopping Places (ECSP), dá conta do potencial impacto da redução das rendas dos centros comerciais.

Uma redução demasiado acentuada nas rendas dos shoppings pode provocar um efeito dominó na economia se atingir os bancos, avisa Peter Wilhelm, European Council of Shopping Places (ECSP).

Pela Europa, no toca às medidas adotadas no que toca às rendas - a fonte de rendimento dos centros comerciais - na maioria dos países, "foram resultado de acordos entre proprietários e lojistas, e incluíram também propostas dos Governos", diz o responsável da associação. "A medida agora aprovada em Portugal é bastante abrangente em comparação com o que temos visto até agora noutros países europeus", diz ainda referindo-se à proposta do PCP aprovada no Parlamento em que permite aos lojistas pagar apenas a renda variável até março de 2021. "Corre o risco de ser muito prejudicial para os proprietários, bem de impactar negativamente todo o ecossistema desta indústria, particularmente os bancos".

Em Portugal, o sector dá emprego, direto e indirecto, a mais de 300 mil pessoas. Na Europa, a indústria emprega mais de 6,3 milhões de pessoas na União Europeia, "incluindo um número significativo de trabalhadores jovens e pouco qualificados". "Gera um volume de negócios anual de mais de 750 mil milhões de euros e paga milhares de milhões de IVA todos os anos. O nosso sector representa quase 160 milhões de m² de área útil, cobrindo uma grande variedade de formatos comerciais e de retalho em todos os países da UE, aproximadamente da dimensão da cidade de Bruxelas", refere Peter Whihelm.

Em Portugal, o Parlamento aprovou um diploma que permite aos retalhistas pagar o aluguer apenas de acordo com as vendas até março de 2021. Este tipo de medida está a ser implementado noutros mercados europeus?

Quase todos os países europeus estão a tomar medidas diferentes. Por vezes, mesmo dentro de cada país há diferenças entre regiões/entidades estatais (por exemplo, a Bélgica). As medidas podem ser geralmente divididas nas seguintes categorias: o diferimentos ou descontos nas rendas. Na maioria dos casos, isto cobre a renda devida em abril - maio/junho de 2020; moratória de rescisões de arrendamento por parte dos senhorios por um período de tempo fixo; redução da renda combinado com a extensão do período de arrendamento; ou compensação temporária do valor das rendas pelo Governo.

Na maioria dos países, as medidas adotadas foram resultado de acordos entre proprietários e lojistas, e incluíram também propostas dos Governos. Por exemplo, na Suécia, o Governo compensará até 50% dos descontos de aluguer acordados entre proprietários e lojistas, na condição de os senhorios concederem descontos até 50% e o montante total de apoio a um lojista não exceder os €800 mil.

A medida agora aprovada em Portugal é bastante abrangente em comparação com o que temos visto até agora noutros países europeus. Adicionalmente, corre o risco de ser muito prejudicial para os proprietários, bem de impactar negativamente todo o ecossistema desta indústria, particularmente os bancos, outros investidores do sector e os próprios lojistas. Uma diminuição significativa das rendas dos centros comerciais acarreta pode provocar um “efeito dominó”, tal como se verificou na crise financeira global em 2007/08, se o stress no sector for transmitido para o sector bancário. Um colapso do sector imobiliário de retalho português teria um impacto imediato e terrível nos balanços dos investidores portugueses e também europeus (institucionais) que investiram billiões de euros em imobiliário de retalho no país.

Não será financeiramente possível que sejam os proprietários a assumir a totalidade dos encargos e custos relacionados com esta crise. O ECSP considera que os esforços devem ser repartidos, encontrando soluções equilibradas, de preferência em estreita cooperação entre todas as partes e tendo em conta os contextos locais e de cada Centro e lojista. Em particular, os retalhistas/arrendatários mais pequenos e com negócios familiares devem ser apoiados sempre que possível.

Na nossa opinião, a União Europeia deveria considerar a criação de um fundo específico de apoio ao sector retalhista integrado no plano de ação de recuperação, dado o número de postos de trabalho e o montante de investimentos futuros em risco na crise atual. O ECSP comunicou estes argumentos à Comissão Europeia, que concorda com a nossa visão de partilha de esforços entre todas as partes.

Há um estudo de caso mais sólido ao nível das medidas propostas feitas por cada país? O que recomenda o ESCP?

Neste momento, é demasiado cedo para dizer qual foi o país que adotou a melhor abordagem. O que nos parece evidente é que a abordagem deve ser, como defendi acima, de diálogo, cooperação e equilíbrio, de modo a repartir esforços e a garantir a sustentabilidade de todos os elementos desta cadeia de valor.

O ECSP continuará a trabalhar em estreita colaboração com os seus membros e outras partes interessadas para acompanhar a situação. Se, num determinado momento, acharmos que é o momento certo para desenvolver um estudo de caso sólido que possa ajudar os nossos membros e o sector, não hesitaremos em fazê-lo.

 

 

A pandemia de Covid-19 encerrou os centros comerciais e os estabelecimentos retalhistas em toda a Europa. Quais são as perdas estimadas para o sector?

Ainda é cedo para prever em detalhe as possíveis perdas para o sector este ano. O impacto é e será, evidentemente, diferente em cada país. Naturalmente, este contexto tem sido mais difícil para as pequenas empresas e, muitas vezes, para as empresas familiares. A maioria dos países europeus reabriram os seus centros comerciais e já regista uma recuperação destes estabelecimentos. No entanto, o contexto de pandemia mantém-se. A evolução desses números será determinante para a retoma.

A economia está a reabrir lentamente à medida que pandemia estiver mais ou menos controlada. Para o sector, qual é o quadro geral até agora? Que tipo de medidas foram exigidas pelos Governos e autoridades sanitárias para permitir que os centros comerciais abrissem?

As medidas variam de país para país, mas geralmente centraram-se no distanciamento social, no uso de máscaras faciais (esta medida não é obrigatória em todos os países), num número reduzido de pessoas em espaços comerciais e no aumento das medidas sanitárias, por exemplo, através do fornecimento gratuito de gel desinfetante de mãos na entrada de centros comerciais / lojas. Obviamente, as medidas de distanciamento social têm sido particularmente difíceis para o sector de Food&Beverage ou para o segmento da restauração, que é tão popular em Portugal.

Que tipo de investimento é que as novas medidas sanitárias exigiram do sector? Existe um valor estimado?

Ainda não existem números agregados sobre os custos estimados para a indústria. Contudo, é evidente que os investimentos em medidas sanitárias têm sido significativos. Para além destes custos diretos, existem relevantes custos indiretos e é ainda necessário contemplar as consequências destas medidas sanitárias, que provavelmente serão muito mais significativas do que os custos sanitários reais em si. As medidas sanitárias significam que menos pessoas são autorizadas a ir às lojas, aos restaurantes, aos bares e aos centros comerciais. Neste sentido, menos clientes geralmente significa menos vendas, algo que é naturalmente particularmente difícil para o sector de Food&Beverage e para os negócios pequenos e/ou familiares que já estão a ter dificuldades.

 

 

No Reino Unido, estima-se uma diminuição de 30% das rendas para o próximo ano. Serão os centros comerciais obrigados a diminuir as rendas a fim de manter as lojas no local? Em média, qual é a estimativa global para o mercado europeu?

É importante ter presente que os centros comerciais, bem como o restante sector do imobiliário comercial, fazem parte de um ecossistema maior, que inclui lojistas, mas também investidores e os seus acionistas. Por conseguinte, uma diminuição significativa dos rendimentos de arrendamento para os proprietários não tem apenas um impacto negativo para os proprietários. Como disse anteriormente, não será financeiramente possível para a nossa indústria assumir todo o fardo e custo que esta crise terá para os nossos lojistas. Isto não só teria efeitos altamente prejudiciais para todo o sector, como para os nossos arrendatários e as comunidades em que operamos: representa um risco real de um “efeito dominó” como o que se verificou na crise financeira global de 2007/08, se o stress do nosso sector for transferido para o sector bancário.

Que tipo de impacto poderá esta situação ter no valor dos ativos? Tornar-se-ão os centros comerciais menos atraentes para investir?

Assistimos recentemente a uma reavaliação muito exagerada dos grandes REIT cotados, que perderam 50% ou mais do seu valor na bolsa só em março, embora não tenham perdido 50% do seu rendimento durante o mesmo período. Muitos ainda possuem ativos fantásticos e com bom desempenho e, de facto, podem ter-se tornado mais atrativos para investir no próximo período.

Como é que a indústria está a lidar com esta potencial perda?

O impacto é diferente em cada país e é demasiado cedo para dizer e/ou facultar estimativas deste tipo para o próximo ano, particularmente a um nível/escala europeia.

Quais são os principais desafios a superar em 2020 e quais são, na sua opinião, os desafios previstos para os próximos anos?

A palavra mais importante aqui é "partilha", pois é evidente que simplesmente não podemos assumir sozinhos todo o fardo. Isto significa que temos de continuar a colaborar com os nossos lojistas, investidores e com as nossas autoridades a fim de encontrarmos soluções equilibradas e também para garantir que o nosso sector possa beneficiar de quaisquer medidas de apoio implementadas s nível regional, nacional e europeu.

Não é segredo que a atual crise tem lugar num momento em que a indústria retalhista já enfrenta enormes desafios, nomeadamente devido ao contínuo aumento do comércio eletrónico e à mudança de hábitos de consumo. Confrontado com estes novos paradigmas, o nosso sector já investiu significativamente para converter ou reestruturar espaços puramente comerciais em "centros de utilização mista", acrescentando muitas outras atividades (entretenimento, cultura, serviços de saúde, atividades sociais, instalações desportivas e serviços públicos), para os transformar em verdadeiros "polos de socialização". A crise do Covid-19 poderá acelerar estes desenvolvimentos, e trata, seguramente, novos desafios e oportunidades.

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