Lagarde junta-se a Bruxelas e exige fim imediato dos apoios públicos contra a crise

BCE antecipa ano difícil para muitas famílias. Subiu de forma musculada as taxas de juro e diz que vai continuar, o que irá agravar ainda mais as prestações ao banco. Apoios públicos têm de acabar "sem demora", ainda este ano, avisou Lagarde.

Os apoios do governo às famílias e empresas por causa da crise energética e inflacionista têm de ser terminados imediatamente, mas as taxas de juro subiram de forma significativa ontem e vão continuar a aumentar muito e durante um longo período, talvez dois anos até a inflação regressar a 2%, disse ontem, quinta-feira (dia 16), Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE).

O recado do BCE aos governos da zona euro é, no fundo, um apoio inequívoco às mais recentes orientações da Comissão Europeia (CE), que na semana passada veio exigir aos Estados-Membros da União Europeia o fim dos apoios contra a crise, e ainda este ano, porque em 2024 regressa em plano o Pacto de Estabilidade e toda a disciplina sobre as contas públicas, visando especialmente a dos Estados mais endividados, como Portugal.

O BCE exige o mesmo porque quer ver todos os governos a seguirem as regras do Pacto, mas também porque considera que algumas das medidas geram inflação e dificulta-lhe o trabalho até chegar à meta de 2%. Atualmente, a inflação da zona euro está nos 8%, um pouco acima até.

Ao mesmo tempo que ficam sem apoios, as famílias e as empresas mais endividadas já estão a enfrentar um aumento muito pronunciado nas prestações bancárias, um aperto que vai continuar, segundo o BCE.

O supervisor de Frankfurt também ficou pouco impressionado com os solavancos no setor bancário e com o caso Credit Suisse e decidiu avançar na mesma com um aumento grande das suas taxas de juro diretoras (mais 0,5 pontos percentuais), como era sua "intenção".

Lagarde reconheceu as "tensões" nos mercados, mas considerou que não são suficientes para alterar a rota se subida das taxas de juro.

O encarecimento do dinheiro do banco central transmite-se diretamente às taxas de juro de mercado, designadamente às Euribor e, logo, corrói os orçamentos familiares e empresariais (sobretudo das empresas mais pequenas e dependentes dos bancos), que ficam com prestações de crédito muito maiores. Há casos em que estas obrigações mensais já quase duplicaram face à era dos juros baixos, que acabou no início de 2022 e com guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Acabar com apoios e "sem demora"

Como referido, ontem, na conferência de imprensa onde anunciou a subida forte nos juros, Lagarde deixou bem claro que os subsídios e os apoios do governo para compensar a destruição do poder de compra das famílias são para acabar.

"As medidas de apoio público para proteger a economia do impacto dos preços elevados dos produtos energéticos devem ser temporárias, direcionadas e adaptadas a preservar os incentivos a um menor consumo energético", começou por dizer a líder do banco central do euro.

"Com a descida dos preços dos produtos energéticos e a diminuição dos riscos em torno do aprovisionamento energético, é importante começar a descontinuar essas medidas sem demora e de forma concertada", atirou.

A antiga chefe máxima do Fundo Monetário Internacional (FMI) deixou ainda um género de ameaça: "As medidas que não sigam estes princípios podem intensificar as pressões inflacionistas a médio prazo, exigindo uma resposta mais forte da política monetária." Que é como quem diz, o BCE vai sentir-se pressionado a subir ainda mais os juros do que se espera atualmente.

"Como referem as orientações emitidas pela Comissão Europeia em 8 de março de 2023, as políticas orçamentais devem visar a consecução de uma economia mais produtiva e a redução gradual da elevada dívida pública", acrescentou.

Taxas de juro cavalgam

As taxas de juro centrais da zona euro vão continuar a subir com muita força, apesar de problemas no setor bancário que emergiram na Europa, com o Credit Suisse a despenhar-se em bolsa esta semana e a ser amparado no último minuto.

A taxa normal de refinanciamento para os bancos aumenta para 3,5%, o valor mais alto desde o tempo da falência do Lehman Brothers, em outubro de 2008, o banco que empurrou o mundo para uma crise financeira gigantesca.

A taxa de facilidade de depósitos, que é a mais usada na prática pelos bancos comerciais no acesso a fundos do BCE, subiu para 3%, também o valor mais alto em quase 15 anos.

O BCE não acompanhou os apelos de muitos observadores e economistas, que pediram subidas mais leves dos juros, e segue em frente no seu programa agressivo de combate à inflação muito alta.

Lagarde disse que o BCE está atento ao que se passa nos mercados e que se for preciso lançará linhas de ajuda aos bancos da zona euro.

Mas, se não ocorrerem acidentes de percurso, "temos ainda um longo caminho a percorrer" na subida das taxas, reiterou a banqueira central do euro. "Projeta-se que a inflação permaneça demasiado elevada durante demasiado tempo", justificou Lagarde.

Cenário macro revisto é menos desfavorável

O staff de economistas do BCE prevê agora "que a inflação [total] se situe, em média, em 5,3% em 2023, 2,9% em 2024 e 2,1% em 2025".

Mas há um problema adicional. O BCE está mais preocupado agora com a inflação subjacente (sem alimentos e energia).

A chefe do BCE referiu que "as pressões subjacentes sobre os preços permanecem fortes" e que "a inflação excluindo preços dos produtos energéticos e alimentares continuou a subir em fevereiro e os nossos especialistas esperam que seja, em média, de 4,6% em 2023, um valor mais elevado do que o avançado nas projeções de dezembro [4,2%]".

Já as projeções de referência para o crescimento económico real em 2023 "foram revistas em alta para 1%, em resultado da descida dos preços dos produtos energéticos e da maior resiliência da economia à conjuntura internacional difícil". Em dezembro, a projeção de expansão económica para este ano na zona euro era metade (0,5%).

Bancos do euro estão bem, diz o BCE

"A exposição dos bancos da zona euro ao Credit Suisse é bastante limitada e não há concentração de risco em qualquer banco específico", garantiu Luis de Guindos, o vice-presidente do BCE, na mesma conferência, em Frankfurt.

O BCE "está a acompanhar de perto as atuais tensões no mercado [setor bancário e financeiro] e pronto a responder conforme necessário, no sentido de preservar a estabilidade de preços e financeira", mas "o setor bancário da zona euro é resiliente, tem posições de capital e liquidez fortes", reforçou Lagarde.

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