"Temos um segmento residencial que estava com preços estratosféricos"

Para o novo presidente da APEMIP, os preços das casas estão a sofrer acertos em determinadas localizações, mas tudo aponta para que continuem a crescer. Há zonas nas principais cidades que ficarão cada vez mais longe das carteiras dos portugueses.

Apesar dos receios e incertezas, o imobiliário residencial resistiu à pandemia. Este ano, é de prever um novo aumento no volume de transações. As alterações aos vistos gold terão impacto no setor, mas não vão impedir os estrangeiros ricos de adquirir casa em Lisboa ou no Porto. Portugal continua a ser um país atrativo para esses investidores, muito mais barato que outras capitais europeias. As afirmações são de Paulo Caiado, que recentemente assumiu a presidência da APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal).

Porque assumiu a presidência da APEMIP em substituição de Luís Lima?

O presidente Luís Lima apresentou em maio a demissão por motivos pessoais. Os estatutos preveem que nestes casos assuma a presidência o vice-presidente assessor; eu era o vice-presidente assessor e, portanto, assumi a presidência com base no cumprimento estatutário. O mandato - estes órgãos sociais foram eleitos no final de 2019 - termina no final do próximo ano.

É um trabalho de continuidade?

Não. Neste momento, a APEMIP tem o objetivo de estar mais próximo dos associados. Esta direção integra vários vice-presidentes, que são empresários com diferentes experiências e vivências, que desempenham a atividade em diferentes modelos de negócio dentro da mediação imobiliária. Consideramos que é importante a pluralidade dentro da direção da APEMIP, porque deste modo poderemos ser mais úteis para o setor. O que pretendemos é estar mais próximo dos associados e dar um melhor contributo para os desafios que o setor tem em diversas frentes.

Quais foram os impactos da pandemia no setor imobiliário em Portugal?

Quando a pandemia começou, em março de 2020, todos nós tivemos dúvidas, receios. Tudo aquilo que tem a ver com dúvidas e receios tem reflexos na compra/venda de casa. Mas, mais de doze meses volvidos, o mercado numa perspetiva global, e em termos habitacionais, tem mostrado uma grande robustez e solidez. E ainda não estamos a ter o impacto positivo do investimento estrangeiro no setor, que previsivelmente iremos conhecer logo que a pandemia não tenha o significado que ainda tem. A pandemia provocou uma desaceleração no mercado de investimento comercial, mas isso não teve paralelo no mercado residencial. No residencial isso não aconteceu em 2020 e nem está a acontecer em 2021. No primeiro semestre deste ano, a retração levou a que fossem investidos cerca de 590 milhões de euros no segmento comercial. No residencial, estamos a falar de uma verba que superou os 12 mil milhões no primeiro semestre.

No segmento residencial, é de esperar um bom ano?

A minha estimativa é muito boa. Acho que vamos ter um segundo semestre melhor do que o primeiro e iremos ter um ano de 2022 melhor do que em 2021. Este primeiro semestre vivenciamo-lo ainda com muitos períodos de confinamento, com grandes limitações na mobilidade, e mesmo assim assistimos a um nível de transações e de valores muito bom. Depois do verão temos a perspetiva que a mobilidade possa aumentar, que possa existir maior movimentação de cidadãos estrangeiros, que as atividades comerciais que têm estado completamente estranguladas possam retomar os seus movimentos habituais. Neste contexto, as perspetivas são obviamente boas. Acho que vamos superar, quer em termos de volume quer em termos de número de transações, os números de 2020.

Antevê algumas dificuldades com o fim das moratórias?

Eu creio que o fim das moratórias não terá impacto significativo na generalidade do mercado. Muitas das nossas entidades financeiras irão preferir renegociar condições com os seus clientes a executar. Não prevejo a chegada de imóveis em número significativo ao mercado. Isso não seria bom para a banca.

Alguma correção

Tem-se verificado uma desaceleração no ritmo de crescimento do preço das casas. São efeitos da pandemia?

Não me parece correto falar-se em desaceleração. Esse é um resultado de um apanhado médio. O que acontece é que temos eventualmente um segmento residencial que estava com preços estratosféricos e que estão a ter algum reacerto nos valores. Isso não está a acontecer com os imóveis fora do cocuruto de Lisboa ou do Porto. A correção está a ser feita nas grandes cidades do país, onde os valores estavam a atingir patamares muito surpreendentes. Esse reajuste nos valores é que dá esse valor de desaceleração, que não reflete a realidade de modo transversal.

Fala-se muito no preço excessivo das casas em Portugal, inacessíveis à maioria dos portugueses. Como se resolve este problema?

Os imóveis estão de facto com valores muito pouco acessíveis para a generalidade das pessoas quando pensamos em determinadas localizações. Mas isso acontece em Madrid, Paris, Barcelona, acontece em tantas cidades europeias. Está a acontecer em Portugal e vai continuar. É muito difícil para um jovem francês de classe média comprar um apartamento no centro de Paris. Posso mesmo dizer que é impossível. O que está a acontecer em Portugal e eventualmente irá acentuar-se é que estas localizações mais apetecíveis alcancem valores inacessíveis para a generalidade das pessoas. Só acessíveis ao segmento alto e a investidores estrangeiros. Estes valores de seis, sete, nove mil euros o metro quadrado a que assistimos nalguns projetos são para nós surpreendentes, mas nas capitais europeias que referi os valores praticados são três, quatro vezes superiores. Os preços das casas vão continuar a aumentar.

Os promotores procuram edificar soluções que o mercado seja capaz de escoar. Está-se a constatar que há uma grande necessidade de soluções imobiliárias para quem não pode pagar 400, 500 mil euros por um apartamento. E já estamos a começar a assistir a uma edificação de soluções que irão apresentar preços mais acessíveis do que aqueles que são praticados nos centros de Lisboa, do Porto ou de Coimbra. Por outro lado, estamos a assistir - e a pandemia teve um efeito de acelerador desse fenómeno - das pessoas se questionarem sobre o imperativo ou não de viverem no centro de uma grande cidade. E eventualmente percebem que conseguem conciliar a sua atividade profissional com uma casa noutro local. A realidade é que quando falamos nos valores altamente inacessíveis estamos a falar de algumas localizações específicas. Agora, o mercado imobiliário é caracterizado por reposição lenta.

Portugal continua atrativo ao investimento estrangeiro?

Continua. De facto, a pandemia não fez desaparecer todos os aspetos que motivaram a que tantos investidores estrangeiros tivessem Portugal na sua mira. O nosso clima não teve nenhuma alteração significativa com a pandemia, a nossa rede viária, o nível de segurança, etc. Todos esses fatores atrativos que levaram a que tantos investidores estrangeiros escolhessem Portugal obviamente que não só se mantêm como poderão até crescer. Assim haja o devido cuidado para que o nosso país seja um país que tantas pessoas do mundo gostem de viver.

Os promotores têm apostado muito no segmento de luxo na região de Lisboa e mais recentemente no Porto. Há risco de não conseguirem colocar esses imóveis?

Creio que não. Um promotor quando avança para um projeto tem um fator risco associado, mas aquilo que verificamos é que depois de 2011 a generalidade da banca tornou-se muito mais prudente na concessão de crédito, nomeadamente para estes projetos. De facto, eles carecem de análise, de indicadores que preveem a capacidade destas soluções serem escoadas. Não tenho qualquer dúvida de que amanhã se os promotores sentirem que o risco de edificarem determinadas soluções no segmento de luxo é alto e que simultaneamente há mercado para soluções de construção mais acessíveis alterem a estratégia.

Regras desajustadas

As regras para a obtenção de vistos gold mudam em janeiro de 2022. Prevê um forte impacto no setor?

Considero as alterações completamente desajustadas. Os vistos gold vão continuar a ser permitidos, mas numa mancha que desenharam. Aqueles que procuram muito, muito, os vistos gold não querem saber onde fica a casa. Esses querem é o visto e, para esses, o assunto está resolvido. Aqueles que querem muito investir em Lisboa e no Porto são ricos, vão continuar a fazê-lo. As alterações vão ter algum impacto, mas admito que possam dinamizar algumas regiões do país, não sei exatamente quais, que se possam tornar atrativas, que possam captar investimento e esse investimento vai seguramente ter repercussões diretas na economia local.

Foram os vistos gold e o regime de residentes não habituais que potenciaram o aumento do preço das casas em Lisboa e Porto?

Nas grandes cidades, como em todos os locais, os preços dos imóveis são o resultado dos fluxos de procura e de oferta. Sendo os vistos gold responsáveis por aumentar os fluxos em determinados segmentos obviamente que têm como consequência um aumento dos preços.

Ainda assim, será possível obter um visto gold através da compra de imóveis turísticos e comerciais e, neste caso, não há restrições geográficas...

Acabar com os vistos gold seria uma péssima medida. É muito importante para o nosso setor e também para a economia do país que os vistos gold não acabem. É dinheiro que entra na nossa economia, são impostos que revertem a favor do nosso Estado e é importante que não acabem.

Há risco de uma bolha imobiliária no país?

Não. Nada disso. A expressão da bolha tem uma ligação indissociável com o que aconteceu há 25/30 anos. As pessoas iam a um banco pedir um financiamento e o banco procurava também financiar-lhes as férias, os móveis... E isso ia para o valor do empréstimo da casa. E um dia quando as coisas correram mal e foi preciso vender a casa para o banco ser ressarcido chegou-se à conclusão de que a casa não valia aquilo que o banco tinha financiado. Isso não tem qualquer correlação com o que hoje se passa no mercado nem com a atividade das diferentes instituições financeiras que operam no mercado e muito bem.

A avaliação bancária tem vindo consecutivamente a aumentar...

A avaliação bancária não deve diferir de qualquer outra avaliação. A entidade que vai financiar a operação certifica-se de qual o valor que pode ser obtido com a venda do imóvel que vai servir de garantia. O que é normal é que as avaliações bancárias estejam em consonância com a realidade do que acontece no mercado.

Os imóveis não estão a ser sobrevalorizados?

Não.

Uma nova lei

A lei da mediação imobiliária vai ser alvo de revisão, possivelmente ainda este ano. Já falou com o regulador?

Não tive oportunidade de me reunir com o presidente do Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção (IMPIC). Sei que estão a trabalhar numa nova lei. Alguns aspetos já foram dados a conhecer, como a introdução de algumas exigências no acesso à profissão de angariador imobiliário, o que acho muito bem. Estamos ansiosos que a lei venha, porque realmente é importante profissionalizar o acesso à profissão de angariadores imobiliários. Há também algumas perspetivas associadas à fiscalização. A mediação imobiliária ilícita é um crime, é um dano sério. Há domínios da digitalização que esperamos sejam enquadrados na nova lei, a existência de contratos em papel que possam ser substituídos por digitais, que as assinaturas digitais possam ser mais generalizadas nestes procedimentos. São medidas expectáveis e seguramente todas elas muito bem-vindas.

Em tempos de crise, a mediação imobiliária apresenta-se muitas vezes como uma solução para quem procura emprego. Podemos todos ser mediadores?

As pessoas que estão nesta atividade precisam de ter formação com algum significado. Não é pelo facto de eu anunciar numa qualquer rede social que agora sou consultor imobiliário que me vão chamar. A APEMIP vai lançar uma formação de acesso à profissão. Haverá um exame e mediante a aprovação será atribuído um certificado. Será uma medida importante, mas não tem um valor oficial. Esperamos que o IMPIC introduza alguns requisitos no acesso à profissão.

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