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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) pede diálogo social e coordenação internacional para um quadro regulatório que garanta os direitos fundamentais dos trabalhadores das plataformas digitais, o efetivo pagamento de impostos e garantias de práticas concorrenciais justas, com um conjunto de 15 recomendações nesta terça-feira, ao publicar o relatório anual de 2021 sobre Perspetivas Sociais e de Emprego Mundiais.
O documento, que se dedica a analisar o papel das plataformas digitais no mundo do trabalho num momento em que vários países adotam abordagens diversas a esta realidade, constata que o número de plataformas - nos transportes, entregas, e outros serviços executados online ou em localização específica - quintuplicou na última década, com investimentos que superam 118 mil milhões de dólares e receitas que em 2019 atingiram 52 mil milhões de dólares. Porém, "metade dos trabalhadores das plataformas digitais ganham menos de dois dólares por hora", refere a OIT.
"Todos os trabalhadores, independentemente da relação de trabalho, devem ser capazes de exercer os seus direitos fundamentais no trabalho", afirma Guy Ryder, o diretor-geral da organização, na apresentação do documento que foi produzido com recurso a entrevistas a 70 empresas e a um universo de 12 mil trabalhadores em uma centena de países.
"Este novo modelo de negócio permite às plataformas organizarem o trabalho sem terem de investir em ativos ou contratar trabalhadores. Ao invés, fazem a mediação entre trabalhadores que desempenham tarefas e clientes, e gerem o processo completo com algoritmos", descreve o relatório, juntando que "os trabalhadores frequentemente encontram dificuldades em encontrar trabalho bem pago suficiente para obterem um rendimento decente, criando-se o perigo de haver pobreza no trabalho".
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Muitos trabalhadores "não têm acesso a proteção social, o que é particularmente preocupante numa pandemia". "São frequentemente incapazes de se envolverem em negociação coletiva que lhes permita ver estas e outras situações resolvidas".
Numa altura em que os tribunais em vários países - como EUA, Espanha ou Reino Unido - têm vindo a apreciar casos e a decidir sobre a classificação das relações de trabalho nas plataformas, determinando nalguns casos garantias como um salário mínimo, o direito a férias ou a baixas por doença, a OIT pede uma abordagem comum que assegure que o estatuto dos trabalhadores é corretamente classificado de acordo com a legislação de cada país.
"Não é surpreendente que muita da litigância e muito dos debates legais a respeito do trabalho em plataformas digitais se virem para esta questão. Para os trabalhadores das plataformas, o emprego é a porta de acesso a uma panóplia de direitos. Para muitas plataformas, pode ser uma enorme ameaça ao seu modelo de negócio", refere o relatório.
Algoritmos sem fiscalização
Mas, há mais questões que se levantam e uma delas é a falta de transparência dos algoritmos utilizados pelas empresas na alocação do trabalho ou dos serviços a clientes, que põem direitos dos trabalhadores em causa, assim como as regras de concorrência, segundo a OIT.
"Se uma tarefa de trabalhador é rejeitada ou a sua conta desativada, ou se recebem uma avaliação baixa do algoritmo, os trabalhadores são frequentemente incapazes de descobrir a razão de tais ações ou sanções, ou como poderão melhorar o seu desempenho. Aceder ao código-fonte subjacente a um algoritmo é a única maneira de inspecionar de forma a saber se o algoritmo produz resultados discriminatórios ou anticoncorrenciais", defende a organização liderada por Guy Ryder.
Contudo, atualmente, vários acordos comerciais impedem a transferência destes códigos, com a OIT a considerar que o impedimento de acesso às bases dos algoritmos "tem implicações potenciais graves para a perseguição de objetivos legítimos de interesse público tais como combater a discriminação ou proteger consumidores e trabalhadores".
O relatório nota que alguns países estão já a dar passos no sentido de assegurar obrigações para quem desenvolve os algoritmos, da Austrália, à China, Estados Unidos, passando por Japão e Singapura, e incluindo também a União Europeia. "Além disso, os governos devem considerar adotar políticas públicas que favoreçam o uso de tecnologias de open source e permitir a fiscalização dos algoritmos", defende.
Ainda outras questões levantadas pela OIT são o direito à negociação coletiva, que em muitos países - incluindo Portugal - está vedado aos trabalhadores das plataformas digitais classificados como trabalhadores independentes, e falta de proteção social associada à ausência de um contrato de trabalho, que se tem evidenciado mais no curso da atual pandemia, com muitos trabalhadores a descoberto dos sistemas de Segurança Social.
Sobre estas e outras matérias, a OIT retoma o seu repto de centenário. Pelos 100 anos da organização, em 2019, deixou apelo a garantias de trabalho decente para quem trabalha ao serviço das plataformas. Algo que, com demora e interpretações díspares, os governos têm vindo a abordar. No caso português, a questão está a ser discutida com os parceiros sociais no âmbito do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, processo com resultados e calendário incerto no qual o governo admite reforçar os mecanismos de presunção de relação laboral previstos na lei a pensar nas plataformas digitais.
15 recomendações da OIT
- Garantir concorrência justa e criar um ambiente que promova empresas sustentáveis;
- Exigir e promover termos de relacionamento e disposições contratuais transparentes e claros para trabalhadores e empresas, tal como refletidos nas leis laborais e direitos do consumidor;
- Garantir que há uma classificação correta das relações de emprego dos trabalhadores e de acordo com os sistemas de classificação nacionais;
- Garantir a transparência das avaliações e rankings de trabalhadores e empresas que usam as plataformas digitais, sejam com base na Internet, com serviço prestado em localização específica ou comércio eletrónico;
-Garantir a transparência e responsabilidade dos algoritmos para os trabalhadores e para as empresas;
-Proteger os dados pessoais e de trabalho dos trabalhadores, assim como os dados das empresas e das atividades que desenvolvem nas plataformas;
-Trabalhar para garantir que os trabalhadores independentes das plataformas gozam do direito à negociação coletiva - por exemplo, através de uma harmonização das leis laborais e leis da concorrência (para evitar o risco de a negociação ser equiparada a cartelização, uma vez que são considerados com estando em negócio por conta própria);
- Reafirmar que as regras de segurança e saúde no trabalho e as regras contra a discriminação se aplicam às plataformas de trabalho e aos seus trabalhadores;
-Garantir proteção social adequada a todos os trabalhadores, incluindo trabalhadores das plataformas , estendendo e adaptando os quadros legais sempre que necessário;
- Garantir processos de desvinculação justos para os trabalhadores das plataformas;
- Garantir acesso a mecanismos independentes de resolução de disputas;
- Garantir que os trabalhadores das plataformas conseguem ter acesso aos tribunais da jurisdição em que estão situados se assim o desejarem;
- Garantir proteção salarial, pagamentos justos e regras quanto a períodos de trabalho;
- Permitir que os trabalhadores das plataformas alternem livremente entre plataformas, incluindo com a facilitação da portabilidade dos dados dos trabalhadores - por exemplo, avaliações;
- Procurar taxar efetivamente a economia digital, incluindo plataformas, clientes e trabalhadores, assim como as transações que realizam entre si.