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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) defendeu ontem que os países devem trabalhar para garantir o direito à negociação coletiva dos trabalhadores das plataformas digitais como Uber, Glovo ou outras, independentemente de terem ou não uma relação de trabalho reconhecida com estas empresas.
O repto foi lançado no relatório anual da organização sobre tendências no mundo do trabalho, que amplia a mensagem da OIT pelo seu centenário, em 2019: os trabalhadores ao serviço de "apps" e serviços digitais têm de ver garantido exercício de direitos fundamentais no trabalho, da proteção social às remunerações mínimas, passando pela previsibilidade dos tempos de trabalho.
Essas garantias, refere a OIT, não estão asseguradas ainda após uma década de proliferação de plataformas - quintuplicaram desde 2010 - com receitas globais que em 2019 superavam os 52 mil milhões de dólares, mas com metade dos trabalhadores desta economia a receberem "menos de dois dólares por dia", segundo o documento.

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Segundo a OIT, há países que já asseguram a liberdade de associação sindical e acesso a negociação coletiva dos trabalhadores, mesmo se considerados trabalhadores por conta própria. São os casos de Canadá, Irlanda, Japão e Espanha. Em Portugal, por enquanto, há ambiguidade.
As centrais sindicais conhecem apenas um sector onde há trabalhadores de plataformas sindicalizados, os transportes. Com a pandemia, a quebra na atividade e novas regras de tarifas aplicadas pelas empresas que detêm os aplicativos - Uber. Freenow e Bolt - o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos (STRUP) tem vindo a filiar motoristas "quase diariamente", indica Paulo Machado, dirigente da estrutura afeta à CGTP.
Um "buzinão" pela fiscalização
"É relativamente recente. Foi uma situação que a pandemia veio deixar a descoberto. Estes trabalhadores tiveram a necessidade de se organizar", refere o responsável do STRUP, que amanhã, quinta-feira, realiza um "buzinão" frente ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática contra a falta de fiscalização das relações entre motoristas e plataformas. É o ministério de Matos Fernandes que tem a tutela TVDE.
No STRUP, só entram no entanto motoristas sem viatura e que sejam considerados efetivamente trabalhadores, com relação de emprego reconhecida ou a prestar serviços. "Enquanto se considerar que têm efetivamente uma situação de trabalho, podem ser sindicalizados", diz Machado.
Mas e os outros? Para esses, muitas vezes, aplica-se a "rábula da Olívia patroa, Olívia empregada", aponta Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, central que não conta ainda com qualquer sindicalizado de plataformas digitais.
"Não temos dúvidas de que tem de haver negociação coletiva. Pelo menos, para aqueles que são trabalhadores por conta de outrem. Para os outros, também pode haver negociação coletiva por extensão", entende.
Contudo, no sector do transporte individual de passageiros há apenas, até hoje, um acordo coletivo para os táxis. E, mesmo esse, ultrapassado, defende o STRUP.
Negociar com quem?
Porém, se a ideia seria negociar tarifas, períodos de trabalho, afetação de trabalho e outras matérias que têm como contraparte as plataformas digitais, as únicas relações de emprego reconhecidas hoje são as que existem entre alguns operadores de TVDE, com a propriedade dos carros e licenças, e motoristas.
"Da parte dos trabalhadores, há quem possa negociar. Agora, temos de saber quem é a outra parte", diz Sérgio Monte, que na Concertação Social participa nas negociações para o Futuro Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho. O dirigente da UGT acredita que os trabalhos do governo para regular a situação dos trabalhadores das plataformas a partir deste documento trarão mudanças, mas o processo é longo, e segue atrasado pela pandemia.

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