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O poder de compra dos trabalhadores portugueses medido através dos salários médios reais por empregado (portanto, já descontando o impacto da inflação) está virtualmente estagnado há duas décadas ou mais, indicam cálculos do Dinheiro Vivo (DV) a partir de dados da Comissão Europeia (CE).
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É a herança de vários anos de estagnação, recessões, crises sucessivas e do programa de ajustamento com que o país se defrontou agora, perante a nova crise inflacionista e energética que deflagrou em março de 2022 e continua.
Ainda assim, mesmo com este passado de esmagamento do poder de compra, o ministro das Finanças, Fernando Medina, à margem da reunião do Conselho dos Ministros das Finanças da União Europeia (Ecofin), em Bruxelas, preferiu focar-se nas questões de curto prazo.
O governante do PS defendeu que "a nossa política salarial é a política adequada para responder à necessidade de assegurar o poder de compra durante o ano de 2023, sem com isso contribuir para um aumento das tensões inflacionistas".
Os dados de mais curto prazo da Comissão Europeia também indiciam que não será bem assim. Mesmo com todas as medidas e apoios, o salário médio real por trabalhador em Portugal perdeu poder de compra em 2022.
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Não ficou entre os piores casos (em Espanha, a perda média terá chegado a 5%, segundo os dados de Bruxelas), mas, ainda assim, os trabalhadores portugueses viram o seu poder de compra recuar 1,3% no ano passado, uma perda que não vai ser recuperada este ano, a confirmarem-se as previsões da CE, que apontam para um ganho real médio per capita de apenas 0,4%.
Ou seja, esse ganho médio de 0,4% fica em linha com o magro histórico de progressão salarial que se verifica desde o início do milénio ou desde que o euro entrou em circulação.
Além desta herança de estagnação, que contribui para agravar desigualdades e pobreza, Portugal surge nos rankings como um dos países da Europa que menos progrediram em duas décadas.
O salário real per capita (por trabalhador) aumentou uns marginais 0,3%, em média, entre 2002 e 2022. Pior só os casos de Bélgica (0,2%), Áustria (0,2%), Espanha (-0,1%), Itália (-0,2%) e Grécia (-0,4%), mostram os mesmos cálculos do DV a partir da base de dados divulgada em novembro no âmbito das previsões da Comissão.

Ecofin endossa pedidos da Comissão
Ontem, o Jornal de Negócios recordou que a CE recomendou a 22 de novembro que é preciso fazer alguma coisa para puxar mais pelo poder de compra, sobretudo dos trabalhadores menos abonados ou mais pobres. É uma forma de tentar deter o avanço referido da pobreza e das desigualdades, de promover uma sociedade "mais inclusiva", como profere o discurso oficial europeu e nacional.
Ontem, o Ecofin concordou em endossar essa mensagem que a CE avançou há dois meses, no âmbito do novo ciclo de avaliações de políticas do semestre europeu.
Assim, os ministros também consideram que o crescimento dos salários em 2022 ficou "bem abaixo da inflação" e que em 2023 os ordenados não devem conseguir acompanhar a subida prevista nos preços. A inflação europeia terá ficado em 8,5% em 2022 e este ano deve baixar, mas, ainda assim, a projeção aponta para mais de 6%.
Portanto, o Ecofin concluiu que é preciso fazer alguma coisa. "A evolução salarial precisa de um equilíbrio cuidadoso para proteger o poder de compra dos trabalhadores por conta de outrem - com ênfase nos trabalhadores de baixos salários -, mas evitando que os salários alimentem a inflação e que se aprofundem os diferenciais de competitividade na Zona Euro".
Os governos nacionais devem "apoiar uma evolução salarial que atenue a perda de poder de compra" de quem trabalha, sobretudo dos que ganham menos, insiste o Conselho Ecofin.
Para Medina, "a política que definimos do ponto de vista salarial e de rendimentos tem hoje uma capacidade de resposta que é efetiva e soma-se a isso tudo o que fazemos do ponto de vista fiscal e de apoio à mitigação do aumento dos preços".
PR arrefece expectativas
Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República (PR), também tentou refrear a onda salarial. "Para uma inflação, em média, perto dos 8% no final do ano passado, houve aumentos salariais acima de 7% e nalguns casos superiores a 8%", mas "o patronato explicou-me que noutros domínios isso já era mais complicado", como nos casos da "agricultura, alguns domínios do comércio", disse, citado pela Lusa.