Economista, apresentador do Manhattan Connection (Globo News), colunista da Isto É e presidente da Ricam Consultoria, Ricardo Amorim é considerado um dos maiores influenciadores do Brasil em temas económicos. Em entrevista ao Dinheiro Vivo, fala sobre o momento que o seu país está a viver, as oportunidades que oferece - inclusivamente a Portugal - e a necessidade de distinguir governo e economia, por se tratar de realidades bem diferentes.
Que retrato económico faz do seu país, quase um ano depois da eleição de Jair Bolsonaro?
Bolsonaro foi eleito com grandes expectativas de uma parcela significativa dos brasileiros e diria que do ponto de vista económico houve, no início do seu mandato, uma grande deceção. A coordenação política do governo foi – e em alguns sentidos continua – bastante desencontrada e por consequência a expectativa de avanço de grandes reformas inicialmente foi muito má.
Com a aprovação, na primeira votação, da reforma da previdência – a primeira e mais importante condição para outras medidas económicas que têm de acontecer – isso mudou. As expectativas positivas voltaram, pelo menos do ponto de vista económico, apesar de o governo continuar a criar uma série de mini-crises políticas e discussões de assuntos que não são prioritários mas acabam por ocupar grande parte da discussão na opinião pública.
Certo é que as medidas importantes têm avançado, como é caso da reforma da previdência, uma reforma tributária que está a avançar no congresso, uma simplificação de negócios no Brasil e o próprio acordo comercial do Mercosul com a União Europeia (UE).
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Como têm evoluído os principais indicadores económicos e sobretudo o sentimento dos empresários?
Após as eleições, o sentimento do empresário e dos consumidores melhorou muito e as expectativas eram bastante altas. Quando foram frustradas, como expliquei antes, houve uma quebra de confiança quer pelos empresários dos vários setores quer pelos consumidores. Mais recentemente, após a aprovação da reforma da previdência, ela voltou a aumentar e isso deve fazer acelerar a economia no final deste ano e início do próximo. Sobretudo após a aprovação final da reforma, que está a acontecer agora, que também vai criar condições para uma maior queda da taxa de juros - que já está no nível mais baixo da história e deverá cair ainda mais, o que ajudará a economia brasileira.
Há um maior otimismo sobre o desenvolvimento do país?
Com a retoma da economia brasileira, há vários setores com oportunidades significativas de negócios, em particular alguns que passaram momentos muito difíceis nos últimos anos, quando tanto a confiança como o crédito secaram no Brasil. Com o retorno de ambos, esses setores devem ter desempenhos bem mais fortes. Partem de níveis agora muito baixos, mas isso também significa que os investimentos nesses setores estão muito mais baratos, portanto mais atraentes para o investidor estrangeiro.
Que áreas prevê que sejam mais promissoras para investir?
Imobiliário, construção e automóvel são exemplos. Mas também outros que sofreram menos durante a crise e que tinham um desempenho bastante positivo antes e devem continuar assim, como os serviços voltados para a população de renda média – incluindo educação e saúde. Também o agronegócio tem muito bom desempenho. O Brasil tem uma disponibilidade de terra e de água ainda muito significativa, e isso possibilita pensar ainda numa expansão muito grande dos níveis atuais de produção e exportação.
Nem todos veem o Brasil com tanta força... Acha que há uma perceção errada sobre a evolução económica do Brasil, um erro na interpretação por quem está de fora?
O que eu acho que dificulta a análise da situação brasileira atual, não só pelos estrangeiros mas também pelos brasileiros, é que há uma dicotomia entre as ações políticas do governo e o que está ser feito pela equipa económica. Do lado político, há muita confusão, conflitos desnecessários, brigas culturais - na maioria do lado errado - e isso cria uma imagem muito má em relação ao governo do Brasil e até ao país. Mas na economia, a equipe do governo tem toda a clareza do diagnóstico do problema brasileiro - que passa por um Estado muito grande e custoso -, e vem adotando medidas muito rapidamente para consertar isso. Começa com a previdência, que reduz os gastos do governo, e a partir daí cria condições para uma reforma tributária que simplifique os impostos sem ter de aumentá-los, e com a redução da burocracia para facilitar fazer negócios no Brasil.
E tudo isso é o que o Brasil precisa, além de um amplo programa de privatizações, reduzindo o peso do Estado e aumentando a liberdade para a iniciativa privada. É importante separar o que são as dificuldades reais do ponto de vista da coordenação política de uma agenda económica correta e que já começa a dar resultados.
Fora do Brasil, há uma grande apetência para procurar novos mercados, nomeadamente na Europa, ou os Estados Unidos continuam a ser um destino preferencial de investimento brasileiro?
Recentemente, o Brasil viveu a crise económica mais dura, longa e profunda da sua história, contraindo 9% em termos acumulados, o que não aconteceu nos últimos 120 anos no Brasil. Isso levou muita gente a sair e levar os seus investimentos para fora. Nesse sentido, Estados Unidos e Portugal foram os dois principais destinos de investimentos. Acredito que isso ajudará a fortalecer as relações económicas entre os países, particularmente com o Brasil a fortalecer-se economicamente nos próximos anos. Já com uma presença maior de brasileiros nesses países, é provável que o comércio de produtos e serviços entre Brasil e EUA e Portugal cresça bastante e crie oportunidades.
Que papel pode ter Portugal enquanto destino de investimento brasileiro, mas também enquanto porta de entrada para a Europa e facilitador de alcance de outros continentes, como o africano?
Portugal é a porta natural de entrada para os investimentos brasileiros na Europa, por várias razões. A mais óbvia, o idioma, que facilita os negócios, mas também pela proximidade de legislação. Tem ainda a proximidade física maior. Mas além de ser a porta natural para a Europa, em função da força, importância e presença (histórica e atual) de negócios de Portugal no continente africano – onde o Brasil ainda tem uma quantidade de negócios relativamente limitada e pode ser essa a entrada ideal para aumentar os negócios.
A captação de talento, não só pelas empresas mas nomeadamente nas universidades, através de programas específicos e parcerias com escolas internacionais, é algo que poderia ser mais explorado na relação Portugal/Brasil – mesmo por questões demográficas e de falta de mão-de-obra especializada?
Portugal foi capaz de fazer uma revolução na sua educação em poucas décadas e isso é algo que o Brasil ainda não fez. O Brasil tem uma necessidade brutal de mão-de-obra qualificada e Portugal pode ser fonte disso, mas principalmente de formação de gente que pode trabalhar quer aqui quer aí. Então acredito que sim, há oportunidades de intercâmbio muito significativas no campo educacional, em particular na tecnologia - mas não só.
De que forma as eleições legislativas aqui foram vistas desse lado do Atlântico?
Mais uma vez aqui, há que separar a expectativa da comunidade de negócios brasileira do que são as expectativas do governo do Brasil. Sobre a primeira, estamos abertos a negócios com Portugal com qualquer governo, nesse aspeto não há grande preocupação. Os empresários querem negócios, esteja quem estiver no governo. Agora, do ponto de vista do governo, há uma clara preferência por governos de direita, o que significa que o governo brasileiro é muito mais alinhado com alguns do que outros e por consequência tem-se aproximado mais de países cujos governos têm linha políticas mais parecidas com a do de Bolsonaro...
Mas acredita que Lisboa se pode abrir mais a parcerias e atrair mais investimento brasileiro? De que forma?
A criação de legislação específica com condições especiais, facilitando os tramites burocráticos e todo o negócio de brasileiros em Portugal, pode ajudar no processo – mais do que os investimentos que já há no imobiliário, por exemplo – para que esse investimento seja mais significativo. Acho isso importante, é um caminho que deve ser seguido por Portugal.
Quais são ainda as grandes barreiras a uma relação económica ainda mais próxima entre os nossos dois países?
A economia brasileira historicamente foi sempre muito fechada, em parte por sermos um país grande, tanto económica como geograficamente. Sempre nos fechámos ao comércio externo e este governo tem uma agenda para mudar isso, para abrir mais o Brasil ao mundo. Sendo Portugal a porta natural para mercados importantíssimos, sobretudo na Europa, creio que pode beneficiar disso, sobretudo se aumentar a relação e se aproximar mais comercialmente do Brasil, mas também no fluxo de capitais e investimentos. Seria extremamente benéfico para ambos.