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O tecido empresarial português mostra sinais de recuperação face ao período pré-pandemia, pelo menos, no que toca à criação de empresas. Segundo dados da Informa D&B, entre janeiro e outubro foram registadas 40 529 novas sociedades, uma subida de 16% face a igual período em 2021, mas ainda 4% abaixo dos números de 2020. O levantamento da consultora aponta "crescimentos muito significativos" no setor dos transportes (+123%), com o subsetor do transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros a contabilizar 74,7% das 3503 novas constituições.
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Entre as atividades incluídas no CAE 49320 encontram-se os serviços prestados pelos táxis, animação turística e operadores TVDE. Porém, esta realidade traz um sabor agridoce à Associação Nacional Movimento TVDE (ANM-TVDE), que olha para a existência de mais empresários com preocupação. "Temos estado preocupados com este crescimento porque o setor devia ser sustentável", aponta Victor Soares ao Dinheiro Vivo. O presidente da assembleia-geral atribui parte do aumento a empresas do turismo que, depois do embate pandémico e da redução temporária do fluxo turístico, começaram a entrar na forma de transporte de passageiros e a "solicitar licença TVDE" ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT).
"Duplicação" de viagens
Nuno Inácio, responsável de ride-hailing da Bolt em Portugal, o pós-pandemia trouxe "a recuperação da atividade" a grande velocidade em aplicações como a Bolt. "De momento, verificamos um crescimento no número de motoristas a operar na nossa plataforma na casa dos 30% quando comparado o período pré-pandémico", revela. Aliás, em relação ao final de 2019, a empresa regista mesmo "uma duplicação no número de viagens". Embora não adiante valores, Bruno Borges, general manager da FreeNow, confirma também que "a procura cresceu muito" e que isso tem tornado "este setor ainda mais atrativo ao investimento".
Para a ANM-TVDE, o problema está na forma como o aumento de empresas acontece e com a falta de mecanismos que permitam garantir o equilíbrio entre a procura e a oferta neste mercado. "Neste momento, como as plataformas não dão qualquer informação sobre a necessidade ou não de novos veículos e não existem restrições à entrada, não temos uma noção real dos veículos que andam na rua", explica Victor Soares. O dirigente pede mais regulação e a aproximação a um modelo semelhante ao que existe nos táxis, em que as licenças são limitadas para assegurar a viabilidade da atividade.
"Está tudo desregulado"
"Outro ponto importante é que um veículo TVDE esteja licenciado para tal no IMT e não apenas o motorista ou a empresa", acrescenta. "Está tudo desregulado. Queremos ter dados concretos e não conseguimos", lamenta, confirmando que a associação já apresentou esta proposta ao IMT e ao grupo parlamentar do PS. Os representantes do setor continuam a aguardar resposta.
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A questão das licenças é, na verdade, uma luta antiga dos taxistas, que desde a proliferação das plataformas de TVDE pediram regras na atribuição. "A ANTRAL defendeu que eles deviam ter contingentes e não aceitaram. As licenças dos TVDE devem ir a concurso público como vão as dos táxis", defende Florêncio Almeida.
O presidente da ANTRAL considera que "aquilo é um setor que não tem controlo" e repete a crítica antiga sobre a identificação dos veículos TVDE, que na sua perspetiva deve ser mais clara. Hoje com uma visão mais próxima do que no passado, Victor Soares concorda que, "para dignificar o setor", os veículos devem ser identificados, "como noutros países, com uma matrícula de outra cor ou um algarismo".
Táxis em declínio
Questionado sobre o aumento de novas empresas no transporte ocasional de passageiros, Florêncio Almeida atribui o crescimento "aos TVDE e animação turística, mas não ao setor do táxi". Afirma que, entre os taxistas, "tem havido um decréscimo das empresas", em parte por desistência da atividade e pelos desafios que esta enfrenta. Em causa está, exemplifica, a falta de trabalhadores. "Hoje há centenas de carros parados em Lisboa porque não há mão-de-obra", diz. Por outro lado, o custo de 700 euros e as 125 horas de formação a que os taxistas estão obrigados para ingressar na profissão contrastam com o que é pedido a profissionais das plataformas digitais.
E, mais uma vez, a posição da ANM-TVDE não destoa muito da defendida pela ANTRAL. "As escolas de condução estão a emitir autorizações para o IMT de pessoas que não têm as qualificações que a lei exige", refere Victor Soares sobre o que diz ser um crescente número de motoristas que "não falam português". Apesar de muitas vezes estarem em lados opostos da barricada, há algo em que os dois representantes concordam a 100%: é preciso garantir mais fiscalização por parte do IMT às licenças TVDE.