Bel considera Portugal um país de "crescimento acelerado"

Dona da marca Terra Mostra investe 10 milhões até 2018 no lançamento de um produto inovador, um leite de pastagem

A multinacional francesa Bel considera Portugal um país de "crescimento acelerado", de acordo com declarações da diretora-geral, Ana Cláudia Sá, ao Dinheiro Vivo, no âmbito do lançamento de um novo leite de pastagem, produzido a partir dos Açores para todo o país.

Depois de ter feito várias aquisições em Portugal, a empresa pretende continuar a investir, mas nas unidades do grupo. É nesse conceito que se enquadra o novo produto. A Bel Portugal criou há um ano o programa “Leite de vacas felizes” para a sua marca Terra Nostra, nos Açores, e o resultado chega agora ao mercado nacional, num investimento total de 10 milhões de euros até 2018.

Eugénio Câmara é um dos 34 produtores açorianos, da Ilha de São Miguel, cuja exploração está habilitada para produzir leite de pastagem certificado de acordo com 200 parâmetros, uma inovação que chega agora ao consumidor.

Pastagem 365 dias por ano

Explica porque decidiu aderir ao programa: “Tinha praticamente todas as infraestruturas para entrar, só foram necessários alguns pormenores de registos”. Reconhece que a mais-valia é o pagamento adicional que a Bel faz como compensação pelo cumprimento do “caderno de encargos”, onde constam as especificações que a multinacional francesa concebeu ao fim de quatro anos de estudos, para obter “o melhor leite do mundo”, um leite de pastagem nos 365 dias do ano.

Só a Nova Zelândia é que pode competir nos 365 dias, mas, mesmo assim, segundo José António Teixeira, professor universitário, o valor nutricional do leite de pastagem obtido nos Açores é superior, ficando igualmente acima do irlandês e do holandês, na escala mundial que apresentou na sessão de lançamento promovida pela Bel.

Preço pago acima do mercado

Então, a mais-valia reside na margem de 10% paga ao produtor aderente, acima do valor praticado no mercado. Neste momento, Eugénio Câmara diz serem cerca de dois cêntimos a mais por litro, o que dá um total de 32 cêntimos, quando o valor médio na ilha está nos 27 cêntimos por litro.

Apesar do novo enquadramento lhe permitir viver do leite, e da carne como subproduto, nota que o valor pago “ainda não repôs aquele que era praticado até antes das quotas acabarem” – as quotas leiteiras acabaram a 30 de abril de 2015 em toda a União Europeia, um dos fatores apontados para o excedente no mercado e consequente baixa de preços e perda de rendimento do produtor.

“Antes pagavam a 37 cêntimos. Houve uma desvalorização de vinte e tal por cento, e o acréscimo agora é só de 10%”, explica Eugénio Câmara, com esperança de que “a valorização se venha a aproximar do que existia antes”.

Mesmo sem a reposição do rendimento anterior, José Rita, presidente da Federação Agrícola dos Açores, considera que o programa da Bel “vai permitir que o setor do leite não morra nos Açores”. E assegura: “Queremos abraçar este projeto”. Um acolhimento igualmente partilhado pelas autoridades locais e nacionais presentes no evento, que não pouparam elogios ao projeto.

Universo

Há 2700 produtores de leite nos Açores, 450 dos quais trabalham com a Bel, mas só 34 destes estão certificados para o programa “Leite de vacas felizes”. O arquipélago assegura 30% da produção nacional e tem a sua economia assente na agricultura. No continente, há 5800 produtores, depois de já terem sido 80 mil, há 20 anos.

Solução contra excedentes

Ana Cláudia Sá, diretora-geral da Bel Portugal, justificou o programa das vacas felizes precisamente como a solução encontrada pela empresa para fazer face ao excesso de produção e à queda generalizada dos preços.

O excedente produtivo vê-se nisto: “ Num ano, em 2015, a União Europeia produziu 152 milhões de toneladas de leite, ultrapassando a meta que era esperada alcançar em cinco ou 10 anos, segundo um estudo de 2013”, assinalou Paulo Costa Leite, diretor-geral da Associação Nacional da Indústria de Laticínios.

Por outro lado, Ana Cláudia Sá assinala que “80% do mercado do leite é indiferenciado e de pouco valor, mas as previsões da União Europeia apontam para um crescimento do consumo de leite em cerca de 2% ao ano, até 2025, o que dá cerca de 1,5 toneladas por ano”. No contexto que descreveu, reportou que a empresa se questionou: “O que é que o consumidor quer e o que é que está a crescer?”

Propostas cada vez mais naturais e amigas do ambiente, mais preocupação com a saúde e com o bem-estar animal, e produtos ricos do ponto de vista nutricional foram algumas das respostas que elencou e nas quais se basearam para a elaboração do programa. A empresa escolheu a marca Terra Nostra “por estar há 60 anos no mercado e ser consumida por 46% dos lares portugueses”.

Daí, a elaboração das 200 regras internas às quais o produtor aderente do programa tem de seguir, num cumprimento auditado pela empresa SGS.

“Para aderir, sabemos que temos de preservar a natureza e aprender a linguagem das vacas”, disse outro dos produtores certificados, num depoimento gravado.

Uma das regras é que o leite é refrigerado apenas 24 horas desde a recolha, com entrada direta na fábrica, numa linha criada em exclusivo para este tipo de leite, num investimento de cinco milhões de euros, e que também foi inaugurada no âmbito do lançamento do novo produto.

Neste momento, estão a ser recolhidos 60 mil litros por dia, devendo atingir os 27 milhões de litros no final do ano inteiro.

O conceito não será replicado no continente, porque “não há pastagens disponíveis”, justifica Ana Cláudia Sá. “Há um projeto de bem-estar animal, mas a produção de leite é intensiva”. É o que se passa com o leite usado na unidade da Bel em Vale de Cambra, para produzir o queijo Limiano e o Pastor.

Também poderia ser leite biológico, mas não é: “Há leite biológico de pastagem, mas é muito mais exigente. Analisámos essa hipótese e continuamos a estudar o assunto, mas não para agora”, assegura Ana Cláudia. A diferença é que, no programa da Terra Nostra, é autorizado o melhoramento das pastagens e tolerado o uso de até 14% de rações convencionais na alimentação animal.

Preço indicativo e uma nova imagem

Com a prática introduzida, a empresa considera estar a levar ao mercado um produto com qualidade acima do leite vulgar e quis diferenciar essa aposta em duas vertentes: remunerá-lo a um preço superior, ainda “acessível”, e a abaixo dos leites funcionais ou enriquecidos, daí a recomendação para ser vendido a 77 cêntimos por litro nas lojas. Por outro lado, haveria que comprometer a marca Terra Nostra com a identidade do novo produto e, daí, a mudança da imagem, deixando para trás o amarelo e o vermelho, as cores do queijo – um mercado onde é líder nacional – para se apresentar em tom verde, “uma marca verde”, a remeter para a natureza.

A exportação não está posta de parte, no entanto, não é prioridade da multinacional. Ana Cláudia reconhece: “O leite de pastagem tem vocação exportadora, mas é um assunto ainda em análise no grupo. Estamos a estudar quais os destinos, porque há mercados que valorizam muito o leite português”.

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