Os dados pessoais (Big Data) já foram considerados o petróleo do século XXI. Apesar de poderem trazer grandes benefícios, o que o escândalo da Cambridge Analytica pôs a nu foram os perigos dos dados caírem nas mãos erradas. Foi precisamente isso que levou Mark Zuckerberg ao Senado norte-americano na terça-feira e à Câmara de Representantes ontem.
O jovem CEO do Facebook de 33 anos – cuja audição na terça-feira até fez subir o valor de mercado da rede social – admitiu ontem que os seus dados pessoais também foram recolhidos pela consultora política de análise de dados Cambridge Analytica (o seu CEO abandonou ontem o cargo), ou seja, ele é um dos 87 milhões de utilizadores afetados. Zuckerberg revelou também que as alterações que o Facebook está a fazer na sua plataforma europeia para cumprir o Regulamento Geral da Proteção de Dados europeu (o RGPD entra em vigor a 25 de maio) vão ser usadas em todo o mundo.
E o que é que o RGPD significa?
“Vem permitir que os utilizadores (os titulares dos dados) tenham uma maior consciência sobre o tema da segurança dos seus dados”, explica a advogada sénior da Macedo Vitorino & Associados, Cláudia Fernandes Martins. Ou seja, no caso de uma rede social como o Facebook, terá de estar claro e de acesso fácil as definições de segurança e que aplicações acedem aos nossos dados na plataforma. Zuckerberg anunciou, entretanto, que haverá em breve um novo botão na página principal para aceder a estes dados de forma mais simples, cumprindo assim o RGPD.
A RGPD reforça, assim, “os direitos dos utilizadores quando partilham os seus dados pessoais” e obriga as empresas a “comprovar que estão a cumprir com as regras de proteção de dados”, o que poderia “ter ajudado a que este caso tivesse tomado as proporções que tomou”, explica Cláudia Fernandes Martins.
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O maior desafio do RGPD para as empresas em geral e, em particular, para as redes sociais será o de “assegurar aos seus utilizadores que os seus dados apenas serão utilizados para as finalidades para que foram recolhidos e para as quais os utilizadores deram o seu consentimento”. As empresas terão de comprovar que “os utilizadores efetivamente conseguem, se quiserem, que os dados partilhados deixem de ser utilizados”, mas isso “será um dos grandes desafios do novo regulamento".
Quem não cumprir o novo regulamento europeu pode ter de pagar coimas até aos 20 milhões de euros ou 4% do volume de negócios anual a nível mundial. Tendo em conta o atual contexto, de rápida evolução tecnológica e de globalização, em que há um aumento significativo da recolha e partilha dos dados pelas redes sociais, Cláudia Fernandes Martins acredita que “não é de esperar que venham a ser consideradas circunstâncias atenuantes para mitigar essas violações”, ou seja, as multas vão ser avultadas.
Voltando às audições nos Estados Unidos, Zuckerberg disponibilizou-se em trabalhar com o Senado em novas leis semelhantes à RGPD europeia, embora indique que os pormenores numa lei desse género podem fazer a diferença e que a sua missão continua a ser pôr o mundo todo em contacto. A advogada especialista em direito societário e comercial Cláudia Fernandes Martins acha difícil que repliquem a legislação europeia nos Estados Unidos, embora existam questões transversais na proteção de dados. “A dificuldade estará sobretudo no cumprimento efetivo das medidas que vierem a ser propostas e de dar garantias efetivas aos cidadãos da proteção dos seus dados pessoais”, diz a especialista.
Outro especialista da área, Daniel Reis, sócio coordenador da equipa de telecomunicação e tecnologia de informação da PLMJ, não acredita que os EUA imitem a Europa. "O RGPD é muito exigente e constitui um desafio para todas as empresas, não só para as redes sociais", até porque "o risco das redes sociais é elevado porque tratam enormes volumes de dados e o seu modelo de negócio é monetizar o comportamento dos seus utilizadores". Qual é então o grande desafio para o Facebook? "Será sempre o de cumprir o princípio da transparência: explicar aos seus utilizadores exatamente o que fazem com os seus dados pessoais", explica Daniel Reis.
Até ao momento não se sabe quantos dos 2,1 mil milhões de utilizadores o Facebook já perdeu desde a polémica (que chegou a custar 80 mil milhões em valor de mercado à empresa), certo é que personalidades como o empreendedor Elon Musk e o fundador da Apple Steve Wozniak, entre outros, aderiram ao movimento #deletefacebook.
Zuckerberg teve mais dificuldades em ambas as audições às perguntas sobre outras empresas que possam ter recolhido dados, remetendo sempre para um inquérito que está a ser feito internamente e cujos resultados ainda não são conhecidos. Também se deu mal com as acusações a monopólio e não conseguiu nomear sequer um concorrente direto do Facebook.
Deco Proteste viu abertura para compensações aos utilizadores
Já na Europa, algumas associações de consumidores, incluindo a portuguesa Deco Proteste, estiveram ontem de manhã reunidas com os responsáveis do Facebook na Europa e encontraram abertura da empresa para “estudar uma forma de compensação às pessoas afetadas” – só em Portugal foram 68 mil e na Europa mais de dois milhões.
Rita Rodrigues, das relações institucionais da Deco Proteste, disse ao DN que pode não ser uma compensação financeira, mas que a rede social está disponível para dialogar e fez um compromisso em salvaguardar, no futuro, os dados dos utilizadores. “O RGPD, que tem de estar totalmente implementado nas empresas na Europa até dia 25 de maio, é uma conquista para os consumidores e responde de forma clara a esta necessidade de esclarecer o consumidor para que fim estão a recolher os dados”, indica Rita Rodrigues, que deixa um conselho aos utilizadores de redes sociais: “têm de estar atentos com que aplicações partilham os seus dados e devem exigir uma compensação se se sentirem enganados”.
Daniel Reis, da PLMJ tem um conselho semelhante: "os utilizadores devem ter cuidado com a informação que partilham e não partilhar informação se não souberem o que será feito com essa informação".
Entretanto, a Comissão Nacional de Proteção de Dados vai ser ouvida em breve no Parlamento português a propósito da polémica em torno do Facebook.