Economia em câmara lenta (pelo menos) até ao verão

Lojas abrem, mas apoio tem de manter-se. Só um terço dos clientes diz voltar ao ginásio em junho. "Luta será em outubro", diz o chef Sobral.

Abrir os restaurantes com apenas metade da lotação não é algo que Vítor Sobral antecipe como preocupante. “Adorava ter essa preocupação. Alguém acha que isto vai estar cheio? Haver fila à porta era bom, mas não acredito”, diz o chef dono do grupo Quina.

Conforme anunciou o primeiro-ministro nesta quinta-feira, os restaurantes só vão reabrir a partir de 18 de maio, estando fora do lote de espaços comerciais que a partir de segunda-feira abrem portas ao público, mesmo com limitações. “Vamos ter o comércio aberto, mas vamos ter de usar máscara”, explicou António Costa, sublinhando que há que assegurar a saúde pública. Critério que deveria ter norteado a decisão de reabertura das lojas de retalho, defende a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED). “O critério devia ser abertura em segurança e não a dimensão da loja”, defende Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da associação que representa cadeias como Ikea, Worten, Fnac, Forever ou a C&A.

Já nesta segunda-feira, só lojas de rua até 200m2 poderão reabrir, seguindo-se daqui a 15 dias as lojas (ou partes de loja) até 400 m2, e estando prevista a reabertura das de maior dimensão e em centros comerciais só a partir de 1 de junho.

“A checklist de boas práticas do retalho alimentar devia ser transposta para o especializado”, considera o diretor-geral da APED. “Esperamos que nos próximos 15 dias, as boas práticas consigam provar que podemos abrir mais espaços, incluindo nos centros comerciais.” Na próxima semana, a APED vai reunir-se com a Associação Portuguesa de Centros Comerciais para definir um manual de boas práticas, à semelhança do que foi feito para os restaurantes, e aguarda reunião com a DGS.

Dos 163 associados da APED, cerca de 100 trabalham no retalho especializado. “Tem sido um processo muito doloroso, está quase tudo em lay-off”, conta Lobo Xavier. E segunda-feira muito poucas lojas desta área poderão reabrir. Entre 2200 lojas, menos de metade (1070) tem até 200 m2. “Cerca de 70% não irão reabrir já, pois estão em centros ou galerias comerciais. E na segunda fase duplica-se a área mas estas continuam a estar impedidas de abrir, apesar de cabeleireiros e stands automóveis nesses mesmos espaços poderem funcionar.” A APED critica o que considera uma “discriminatória” duplicidade de critérios.

Enquanto mantém portas fechadas, o retalho vive da venda online – “completamente residual e que não sustenta uma atividade”, garante Gonçalo Lobo Xavier. No ano passado, esta fatia representava 8% das vendas do retalho especializado. “Agora tem crescido até seis vezes mais, mas é ainda insuficiente para manter negócios.”

Custos e restrições

Maior otimismo atravessa o retalho alimentar. Os super e hipermercados nunca fecharam, apesar da redução de clientes por m2. Agora em vez de quatro clientes por cada 100 m2, poderão receber cinco, permitindo “outro tipo de fluidez”, resultado dos “investimentos para tornar as lojas mais eficientes, aumentando a rentabilidade dos negócios e mantendo os elevados padrões de segurança”, como instalação de acrílicos, gel desinfetante ou equipamento de proteção para os colaboradores. Estes investimentos, juntamente, com os prémios pagos em março, fizeram subir os custos das cadeias em 15% nesse mês. “Agora, o aumento nos custos é de 2% a 3% ao mês, com layouts, sinalética, etc. Cada dia que passa é mais um que prejudica muito estes negócios, a manutenção de postos de trabalho e o relançamento da economia, que não pode esperar mais.”

A McDonald’s já tem tudo pronto para abrir as salas dia 18. “Vamos reabrir os restaurantes de acordo com as indicações do governo e seguindo todas as recomendações da DGS. Enquanto nos mantemos focados no McDrive e McDelivery, para garantir a máxima segurança de clientes e colaboradores, temos aproveitado para preparar com o máximo cuidado a reabertura”, afiança fonte oficial da cadeia. “Reforçámos muitos dos processos de higiene e segurança alimentar que sempre aplicámos e introduzir algumas medidas adicionais.”

Vítor Sobral não tem dúvidas: “É mais seguro ir a um restaurante, onde as pessoas circulam com máscara, os empregados usam todos máscara, do que a um supermercado, com as pessoas a tocar em tudo.” O Guia de Boas Práticas - Reabertura dos Estabelecimentos de Restauração e/ou Bebidas, no qual se promove um conjunto de medidas a aplicar à restauração, já foi partilhado com o governo, que está a fechar o tema com a AHRESP, mas o uso de máscara, a redução da lotação a 50% e o funcionamento até às 23.00 são já restrições conhecidas para restaurantes, cafés e pastelarias.

“A minha ideia é reabrir”, admite o chef que detém a Tasca da Esquina, a Peixaria da Esquina, o Talho da Esquina, um corner no Time Out Market, três padarias e a Oficina da Esquina. Abre tudo menos o espaço no mercado – vítima da incógnita de quando poderão voltar os grandes aglomerados. Até lá, há take away e entregas em casa. “As receitas caíram para 10% a 15% de quando os restaurantes estavam abertos. Acredito que com esta abertura possamos ir aos 30%, se chegarmos a metade será muito bom.” Dos 120 colaboradores, só 14 estão a trabalhar e a reabertura não irá fazer voltar muitos mais. “O custo financeiro desta pandemia é assustador, mas mais do que as receitas já perdidas assusta-me a quebra que aí vem”, diz. A época alta da restauração vai de março a outubro. “Este ano julgo que será janeiro e fevereiro, que por norma são os meses piores. A grande luta vai ser a partir de outubro.”

Fuga para os carros

A partir de segunda, além do bilhete ou do passe validado, só com a máscara de proteção posta é que poderá apanhar o autocarro, o comboio, o metro ou o barco – e se o recusar será multado. Com lotação limitada a dois terços e veículos limpos mais vezes, várias empresas já estão prontas para retomar a oferta de transportes públicos nas condições impostas pelo governo para garantir a segurança dos portugueses no desconfinamento. Estas garantias, porém, não descansam a maioria dos portugueses, pelo que se antecipa uma fuga para o carro próprio de quem tenha de se deslocar nas próximas semanas.

“Só vai voltar ao transporte público quem não tem opção de transporte individual”, garante Pedro Barradas. “Quem puder, escolhe o carro porque o receio de contágio é maior do que o esforço pelo ambiente e isto pode prejudicar o sistema de financiamento dos transportes públicos, com a duplicação de custos operacionais”, completa o responsável de estratégia da consultora Armis ITS. “Se assim for, vamos acabar por ver o Estado obrigado a compensar as empresas de transportes.”

A especialista Rosário Macário, do Instituto Superior Técnico, concorda. “É natural que as pessoas se organizem para usar o transporte individual. Haverá maior densidade de pessoas e propensão para partilhar carros, com menores riscos.” E a baixa do preço do petróleo, com reflexo nos combustíveis, ajudará a esta tendência, que Pedro Barradas antecipa que “pode mesmo levar os portugueses a comprar automóveis em segunda-mão”.

Para travar a fuga dos utentes, CP e Fertagus vão repor já a totalidade dos comboios, exceto no Intercidades e no Alfa Pendular. O Metro do Porto garante também que vai ter uma oferta próxima do normal para cumprir todas as regras e nos autocarros a STCP assegura uma oferta nos 95%, enquanto a TST ficará pelos 60%. Na Rede Expressos, são garantidos pelo menos 15% dos horários, podendo chegar a 25% nas próximas semanas. Mas a nível nacional, a oferta de autocarros não vai ultrapassar 25%, confirma a ANTROP, associação do setor.

Convencer os passageiros a voltar a usar os transportes públicos também vai depender da perceção. “Só quando se comprovar que o transporte coletivo tem a densidade necessária é que as pessoas deverão regressar”, conclui a especialista do IST. Conter enchentes nos transportes está nas mãos das empresas. “Vamos começar a retomar a normalidade mas de forma muito progressiva. Empresas e organizações têm de pensar muito bem no reatamento de atividade. Devem estabelecer escalas de uma ou duas semanas e desfasar horários entre trabalhadores”, recomenda a psicóloga Dalila Antunes, especialista em mobilidade.

Limites e adiamentos

A pandemia vai prosseguir já sem raízes por pintar e cabelos por cortar. Cabeleireiros e barbeiros são dos primeiros espaços a admitir clientes e a publicar regras de higiene para ter a porta aberta, que incluem marcações, máscaras obrigatórias, batas e materiais descartáveis ou esterilizáveis e toalhas lavadas a mais de 60º. O protocolo ainda é sujeito a revisão da DGS antes de ser assinado este sábado, em São Bento.

Para trás, ficaram 20% a 30% dos negócios, que não voltam a abrir, diz Miguel Garcia, presidente da Associação Portuguesa de Barbearias, Cabeleireiros e Institutos de Beleza (APBCIB). Entre os que regressam, permanece o medo e em grande medida a dependência dos apoios do lay-off simplificado que deu oxigénio nas últimas semanas, com até um terço dos funcionários a continuar em casa. “Quando recomeçarmos, ou o Estado continua a apoiar ou metade vai cair”, antecipa Miguel Garcia , para quem a primeira semana de atividade será lotada mas o futuro continua incerto.

Os cabeleiros, como todo o pequeno comércio de proximidade, vão abrir às 10.00 - a ideia é tirar pessoas dos transportes públicos à hora de ponta. E nas lojas de roupa pode ainda haver necessidade de regras mais apertadas no uso de provadores e limpeza da roupa, admite João Vieira Lopes, presidente da Confederação de Comércio e Serviços (CCP). “O governo tem a preocupação, que nos parece correta, de começar por abrir lojas que não provoquem grandes aglomerações ou deslocações. E há que começar por algum lado.”

Hélder Pedro concorda: os stands automóveis poderão não chamar muita gente, nesta fase de rendimentos reduzidos, mas mais vale mostrar que se está lá, defende o secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP, que lembra a fatia que o automóvel representa nas receitas fiscais do país.

“Não haverá grande procura, infelizmente, mas é um sinal que temos de dar”, defende, repetindo o apelo para incentivos ao abate de veículos para ajudar à procura.

Quinze dias depois do pequeno comércio, abrirão as creches, mas também aqui há falência e a Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP) está preocupada com a possível falta de procura e os casos de famílias que não vão saldar mensalidades. Para as famílias em apuros, assegura, a presidente, Susana Batista, vai ser encontrada uma solução de pagamentos, da mesma forma que se conseguiu dar descontos aos utentes com a redução de salários.

Sem certezas sobre as praias apesar de se prever a abertura da época balnear para junho, as empresas de eventos e animação turística, onde se incluem concessionárias de praias, a reabertura ainda “não passa pela cabeça”. Mas os empresários querem ser ouvidos, num momento em que o governo discute com autarquias e capitanias como vai ser o regresso ao mar. “Devíamos ter um papel muito mais ativo”, defende António Marques Vidal, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Congresso, Animação Turística e Eventos (APECATE). A associação rejeita soluções administrativas para lidar com uma diversidade de atividades que vai das excursões pelas serras à organização de eventos empresariais. “Não faz sentido a visão policial mas antes a responsabilização.”

Com reabertura marcada também para 1 de junho, os cinemas estão ainda a avaliar as condições do regresso. “A NOS Cinemas tem vindo a avaliar continuamente a evolução da situação e respeitará todas as orientações e medidas indicadas pela DGS e pelo governo”, confirmam os responsáveis, que asseguram que a reabertura de salas estará “dependente da salvaguarda da segurança de clientes e colaboradores, bem como da disponibilidade de filmes e do necessário equilíbrio económico”.

Evitar piscinas e balneários

Como será o verão em piscinas e ginásios? Ultralimitado. Balneários serão espaços a evitar, o setor dos ginásios antecipa perdas de 70% e piscinas, quanto menos pessoas servirem (e por horários), melhor. “A cloronização da água é suficiente para eliminar o vírus”, garante Gustavo Tato Borges, vice-presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública; “o sal não chega para fazer a desinfeção correta da água”. Ainda assim, “os vírus não sobrevivem em grandes quantidades de água”.

O maior problema de piscinas públicas e ginásios está relacionado com os próprios espaços, que aumentam a proximidade física. “Balneários ou ginásios serão sempre espaços com dose de risco, porque é difícil manter distância e evitar tocar em puxadores, maçanetas, interruptores ou manetes de chuveiro”, diz. As regras oficiais só serão divulgadas pela DGS nas próximas semanas, mas o cientista é claro: nas piscinas é preciso cautela, os balneários “são de evitar por completo”.

O que dificulta a realidade destes negócios. Os ginásios esperam um verão com menos de 70% de receitas, e só um terço dos clientes acredita que vai voltar em junho. José Carlos Reis, presidente da AGAP (Associação de Ginásios e Academias de Portugal, com 1100 dos 1300 ginásios do país), espera resposta da DGS à lista de regras possíveis para a reabertura. Que incluem uma pessoa por cada 4m2, marcação das idas ao ginásio, utilização dos equipamentos a metade, proibição de exercícios a dois e balneários a 50% com acesso vedado aos chuveiros e muito gel desinfetante. Há esperança na resiliência do setor, mas “o próximo ano será difícil”, pelo menos “até haver confiança total”. E para ajudar a passar essas dificuldades pedem “IVA a 6% e benefícios no IRS”. Juan del Rio, CEO do VivaGym Group (Fitness Hut e VivaGym), concorda: terá de haver uma reorganização que inclua distanciamento social e higiene. Em Espanha a atividade vai arrancar com os balneários fechados.

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