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Conseguir licenciamento para o imobiliário continua a ser um dos maiores dramas do setor?
Mais do que um drama do setor é um drama nacional, porque cada ano a mais num licenciamento é menos uma casa e encarece as que existem. Melhorar o licenciamento tem de ser um desígnio nacional. Um apartamento de 100m2 numa grande cidade, por cada ano que passa, vai custar mais 500€/m2. Se pensar que um licenciamento pode demorar mais de três anos, são mais 100 mil euros. É bom que as pessoas entendam isto.
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E as pessoas não dirão que essas não são as casas que podem comprar?
Estou a falar de T2 de 100m2 em Lisboa, não de casas de luxo. As de alto segmento aguentam. O tempo é importante porque a maioria dos investidores imobiliários dispõe os capitais com base em tempos e quanto mais demoram a reaver o investimento mais vão passar isso para o preço. Se conseguirmos reduzir tempos vamos ter mais casas e mais baratas.
É por isso que os preços sobem?
Sobem porque há muita procura por vários tipos de pessoas e pouca ou nenhuma oferta. No ano passado, 80% das transações imobiliárias aconteceram no mercado dos usados. Falta muita construção nova. Há grande apetite pela mobilidade habitacional - as pessoas crescem, casam-se, têm filhos, tem de haver mobilidade - e isso leva a enorme procura de habitação. Mas das 200 mil casas transacionadas no ano passado só 20% foram do mercado de construção nova e reabilitação. Temos de ter mais oferta. A nível de políticas públicas, há anos que se fala em habitação, fez-se pacotes legislativos e não se resolveu nada porque não se encara o problema.
Qual foi o erro de abordagem?
Quis-se resolver o problema diminuindo a procura - e por isso atacou-se os vistos gold, os residentes não habituais, etc. Criou-se um clima hostil ao investimento estrangeiro. E nada aconteceu. Portanto, temos é de trabalhar do lado da oferta, criar mais casas para as pessoas. É a lei da oferta e da procura. Os preços vão nivelar. Enquanto presidente da APPII digo-o, fazemos esse compromisso de trabalhar para criar mais habitação à classe média - não social, que esse é o papel do Estado, nomeadamente com os fundos do PRR, mas nesta que é a maior fatia de cidadãos e a que menos encontra casas no mercado. Com o PRR, veremos se se cumpre as metas nas mais baixas, mas os preços da construção serão um problema.
A inflação está a impactar muito nesses preços?
Há desafios, sim. Fazendo o histórico, nós viemos da crise financeira de 2008; criámos um ciclo positivo com o imobiliário a crescer em média 20% ao ano em volume de investimento e número de transações; atravessámos a pandemia como um dos únicos setores que não pararam e continuámos a crescer e a merecer o interesse de investidores internacionais. Em 2021 chegámos a ultrapassar volumes de investimento do pré-pandemia: tivemos recordes em 2020 e 2021 em transações e volume de investimentos. E agora deparamo-nos com a guerra, uma alteração geopolítica brutal com efeitos no mercado, que agravou problemas. Os licenciamentos não melhoraram, a bruta carga fiscal em matéria habitacional não diminuiu e há temas novos. O preço da construção já vinha subindo com a dificuldades de abastecimentos e materiais da pandemia e hoje galopa, sem fim à vista.
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Os preços já são proibitivos?
Eu digo-o muitas vezes: nós não conseguimos fazer habitação para os portugueses. Os portugueses não vão conseguir ter casa para viver, porque a construção de uma casa tem várias parcelas e para um português há um teto que podem pagar. Quando avançamos com um projeto temos de ver se é economicamente viável, se o seu target consegue pagar, e é fácil perceber que não logo nas primeiras parcelas: começa nos terrenos ou edifícios a reabilitar, que chegam ao mercado a preços exorbitantes (e não é só em Lisboa e Porto, mas em todo o litoral), depois temos o custo da construção e passa-se logo o limite.
Estamos a falar de classe média.
Sim, é o que mais nos preocupa. E convém esmiuçar o custo da construção. A ausência de mão-de-obra é um fator: estima-se que faltam 80 mil trabalhadores no setor; muitos saíram na crise financeira - teremos perdido 300 mil, dos 900 mil - e não regressam porque temos um problema de baixos salários e eles não veem interesse. A fileira da construção precisa de ser dignificada. Depois tem o aumento das matérias-primas: muitos projetos, não estando parados, estão suspensos a ver o que traz o futuro. O setor tem estado unido, tem-se procurado encaixar estes aumentos solidariamente e até nas vendas tem-se procurado de alguma forma rever os preços...
Teme que possa impor-se limites?
Isso aconteceu nas obras públicas; no setor privado jamais poderá haver essa ingerência do Estado numa relação privada, isso deitaria o setor por terra e seria caso isolado na Europa. Mantivemos conversas sobre essa matéria com o governo, porque se levantou alguma preocupação no setor, mas fomos evidentes nas conclusões.
A carga fiscal também é uma dificuldade.
Sim, basta comparar com Espanha. Um espanhol quando compra casa paga 10% de imposto; um português 30% a 50%. Por duas razões: um espanhol não tem impostos sobre a mobilidade, como o IMT e o Imposto de Selo, que já representam quase 10%; e Portugal tem um IVA suportado na construção de 23% não dedutível, ou seja, é um custo que temos de pagar logo temos de encaixar nas nossas contas. É uma particularidade portuguesa, porque em Espanha e na maioria dos países europeus o construtor consegue recuperar o IVA no preço - porque não tem IMT e tem uma taxa intermédia, resultando no total de 10% de imposto, enquanto nós temos os 10% mais os 23%, a que se somam taxas e taxinhas que sobem a carga fiscal. A própria OCDE fez a análise habitacional a Portugal e concluiu que os portugueses precisam dos rendimentos de 11 anos para comprar uma casa de 100m2. E recomendou que se revisse os impostos na mobilidade habitacional - que se acabasse com o IMT e o Imposto de Selo e se revisse o IVA. Porque isto cria entraves: os jovens não conseguem sair de casa dos pais, as famílias não conseguem comprar casa... Durante a crise financeira, muitos portugueses foram obrigados a entregar as casas ao banco e este seria o tempo de regressarem ao mercado.
Há também a questão das casas com problemas de eficiência energética...
Nós temos dos parques habitacionais com maior pobreza energética da Europa. O Pacto Ecológico Europeu pede duas coisas: mais habitação e casas mais verdes. Este tem de ser o nosso slogan nos próximos dez anos. Temos de fazer construção nova e adequada e as pessoas terão de reabilitar as suas casas, somos obrigados a isso pelas diretivas europeias. E só se consegue isso trazendo ao mercado projetos imobiliários verdes que as pessoas possam pagar. Se não, não há mais casas nem mais verdes. Temos milhares de milhões no PRR para o parque habitacional do Estado... Não é para nós, privados, é dinheiro público para entidades públicas, há de ser gerido pelo governo com as autarquias, ao abrigo do Primeiro Direito, para atribuição de casas acessíveis.
Podia ter-se ido mais longe?
Estamos a falar de milhares de casas, habitações que, fruto do aumento do custo da construção, temo que não venham a ver a luz do dia, porque a inflação impacta-nos mas também ao Estado. Faltou integrar os privados. O Estado quer fazer 26 mil casas mas isso não chega para a procura. Poderão questionar se os privados estão interessados em fazer casas que as pessoas podem pagar, e a resposta é sim. Os fundos imobiliários e os grandes investidores viraram-se todos para a habitação de classe média dos cidadãos dos seus países, porque é onde há procura. Mas é preciso que nos permitam fazê-lo. E hoje os custos de contexto não nos permitem fazê-lo a preços que as pessoas possam pagar.
O que poderia ser feito para melhorar essas condições?
É preciso reduzir os tempos de licenciamento, reduzir o tempo de entrega de uma casa ao mercado, baixar os impostos e uma solução que temos apresentado para as casas mais verdes, ao abrigo das normas europeias e enquadrado no PRR, que prevê linhas bonificadas para a habitação e combate às alterações climáticas: a criação de linhas de financiamento bonificadas através de green bonds. Porque não criar-se algo que existe em todo o mundo, linhas verdes para construir mais casas mais verdes para a classe média? Por outro lado, o mercado imobiliário em Portugal é dinâmico, atrativo, ao contrário do mercado de capitais, que precisava de algo que o alavancasse; nenhum país é competitivo com um mercado de capitais como o nosso. Ora se conseguíssemos levar o imobiliário à bolsa com a emissão privada de green bonds para habitação também traríamos competitividade ao país, além de casas.
"A OCDE concluiu que os portugueses precisam dos rendimentos de 11 anos para comprar uma casa de 100m2. E recomendou que se revisse impostos na mobilidade habitacional: que se acabasse com o IMT e o Imposto de Selo e se revisse o IVA."
Já levou essa proposta ao ministro Pedro Nuno Santos?
Já falámos muitas vezes sobre o tema. Temos uma relação muito próxima, ele tem demonstrado grande preocupação com estes temas e temos reuniões quase semanais no Ministério das Infraestruturas, nas quais sentimos preocupação genuína em procurar soluções. Temos um governo de maioria absoluta, com mais capacidade de endereçar o problema - o anterior estava muito mais preso em matérias de investimento e imobiliário, porque este é um setor maltratado pela esquerda. Agora podemos começar a trabalhar de forma eficaz e tenho sentido deste governo esse esforço.
E está disponível para aceder às alterações fiscais que pede?
Sim. No próprio programa do governo, fizemos em conjunto com o ministro uma medida que passa pelo alargamento do IVA reduzido de 6% a projetos de arrendamento acessível. Foi uma mensagem muito clara do governo.
Essas rendas são para as famílias de mais baixos rendimentos...
Chega à classe média... mas não conseguimos alargar a toda a classe média porque o programa ainda não é suficientemente atrativo para abarcar mais pessoas. Esse foi um primeiro passo. Agora há que alargar à habitação acessível.
Poderia isso ajudar a resolver o problema do arrendamento?
Esse é outro desafio antigo e parte dos mesmos problemas, mas tem derivações. A primeira é ser um regime de enorme risco, nenhum investidor acredita em Portugal. O mercado build-to-rent é das maiores dinâmicas de investimento da Europa; e aqui, que há tantos investidores, ninguém quer? Não, porque a legislação é de uma instabilidade atroz - o NRAU foi alterado mais de uma vez por ano na última década. Que investidor com cabeça deposita o seu capital num projeto a 15/20 anos com esta instabilidade? Depois, a legislação é cada vez mais desequilibrada em termos de proteção: proprietário e inquilino têm de estar protegidos, mas é sempre o proprietário que é atacado. Na pandemia, houve medidas de proteção aos inquilinos mas não se pensou nos proprietários, quando a maior fatia destes são pequenos e médios que têm nas rendas a fonte de rendimento ou um complemento ao salário ou pensão. Mas tiveram de continuar a pagar IMI, AIMI, IRS ou IRC... Há um ambiente hostil em relação aos proprietários. E os investidores veem isso. Depois, acabou-se com os Fundos de Investimento Imobiliário Habitacionais, que era dos poucos benefícios ao investimento para arrendamento neste país. Além do que as políticas monetárias tornaram muito mais barato comprar do que arrendar.
"O build-to-rent tem enorme dinâmica de investimento na Europa. Aqui não, porque a legislação é de uma instabilidade atroz e só protege o inquilino. Há um ambiente hostil em relação aos proprietários."
A subida das Euribor pode puxar mais pelo arrendamento?
Poderia se as rendas baixassem, porque estão tão altas que é impossível um português arrendar no litoral. Porque também não há oferta. O Estado tem um património devoluto enormíssimo que podia trazer mais casas ao mercado, podíamos trabalhar isso em conjunto com as câmaras. Mas é preciso programas interessantes, não como o quem em 2019 se criou em Lisboa, o Programa de Renda Acessível, que lançou no total 150 habitações - e muitas já vinham de trás. É um fracasso! O novo presidente, Carlos Moedas, está muito interessado em rever este programa e temos trabalhado o tema com a vereadora Filipa Roseta.
Que outras medidas defende a APPII?
Que se acabe com o AIMI de uma vez, é um duplo imposto que levanta dúvidas constitucionais e sobrecarrega os proprietários. Não admira a informalidade que há no arrendamento, porque as pessoas acham que já pagam muitos impostos, têm sensação de estar a ser esbulhados. Também o IMI a triplicar para prédios devolutos já se viu que não resulta, é uma medida de castigo sem efeito real, não trouxe casas ao mercado. Baixar IRC e IRS fazia sentido, com contratos de arrendamento razoáveis, de cinco anos - quem é que faz contratos a 20 anos em Portugal? -, por exemplo. Portanto, baixar a carga fiscal para os proprietários trazerem as casas ao mercado e resolver a burocracia. Muitas das casas devolutas - e é outro tema em que temos trabalhado com a CML - estão assim pela burocracia no imposto sucessório.
Temos o PRR, temos uma maioria absoluta e temos metas de descarbonização. É um momento-chave para a viragem?
Acho que é ainda mais desafiante. O setor está empenhado na sustentabilidade, mas ela traz mais custos e desafios ao parque para a classe média. Até 2030, os ovos edifícios têm de ser quase neutros em carbono e neutros em 2050. Mas não vejo políticas públicas nesse sentido. Corremos o risco de chegar à meta com uma mão cheia de nada e uma grande vergonha. Um exemplo: dizem que todos os edifícios vão ter de ter energias verdes, como o solar. Mas num centro histórico não se pode pôr painéis no telhado porque a regulamentação camarária não o permite. Nem é possível instalar carregadores elétricos nos estacionamentos por questões de potência. São as casas que estão a ser feitas agora. Há um desentrosamento enorme da legislação por fazer e temos de cuidar as particularidades nacionais na transposição das diretivas europeias.