Chama-se Value Creation Wheel (VCW) e é uma nova metodologia para a gestão que pretende ajudar as empresas a inovar e a criar valor. O projeto desenvolvido pelo investigador português Luís Filipe Lages, e já testado nos sectores da saúde e biotecnologia, será apresentado amanhã na conferência "Criar Valor na Saúde: Inovação, Transferência de Tecnologia e Internacionalização", que se realiza na Universidade Nova.
Em entrevista ao Dinheiro Vivo, Luís Filipe Lages explica o que é a VCW, como funciona em termos práticos e de que forma poderá ajudar as empresas. O professor da Nova revela ainda alguns exemplos concretos de empresas portuguesas que aplicam esta ferramenta de gestão, como a Imprensa Nacional Casa da Moeda, e enumera algumas áreas do Estado que poderiam recorrer à VCW.
Porquê a realização de uma conferência sobre inovação e criação de valor no sector da Saúde?
O sector da Saúde é um dos mais profícuos atualmente, quer em produção científica, quer em valor acrescentado na economia nacional. Tendo em conta os desafios de competitividade, nomeadamente no plano internacional, considerámos ser importante a partilha de casos práticos e de reflexão estratégica em torno desta área. Sublinho que, pela primeira vez, temos reunidos na mesma sala empresas, investigadores e meio académico a fazerem esta partilha com foco na inovação e na criação de valor.
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O que é a Value Creation Wheel?
A Value Creation Wheel é uma ferramenta de gestão que adota processos inéditos para identificar, analisar e solucionar problemas e que resulta de duas décadas de construção e testes, em cooperação com empresas, executivos, cientistas, universidades e estudantes um pouco por todo o mundo. A Value Creation Wheel evoluiu, entretanto, para um centro de partilha de conhecimento e de experiências em torno da inovação e da criação de valor. Para além de Portugal, esta metodologia tem vindo a ser aplicada ao longo dos anos por instituições presentes em vários continentes. Por exemplo, durante 2016 já estiveram envolvidas instituições da Alemanha, Áustria, Chipre, França, EUA e Portugal. Em Portugal está sob a égide da Nova SBE.
Esta nova metodologia surge porque acreditamos que o mundo ‘A.G.’ (After Google) é ao mesmo tempo plano e irregular; exige novos modelos que permitam lidar com a mudança e resolver os complexos paradoxos que se colocam atualmente à gestão. Metodologias que foram muito populares no século XX constituíram-se em torno de compromissos a preto e branco, passos autónomos e decisões lineares que não estão ajustadas ao mundo dinâmico de hoje. Vivemos numa era em que temos de pensar não só ‘dentro da caixa’ e ‘fora da caixa’, mas também ‘sem caixa’ para conseguir resolver problemas e crescer.
Em termos práticos, como funciona?
A Value Creation Wheel desenvolve-se em cinco passos, que vão desde a formulação do problema à solução, passando por um processo inovador de criação colaborativa das ideias, às quais são aplicados filtros para seleção das ideias com maior potencial. A metodologia permite encontrar soluções para desafios envolvendo stakeholders internos e externos, alavancando assim uma cultura de inovação.
No fundo, esta ferramenta torna-se tanto mais disruptiva quanto sistematiza a geração de ideias e respetivos critérios de seleção para resolver os paradoxos que se colocam às empresas de hoje - por oposição aos problemas lineares que caracterizavam a gestão no século XX. A Value Creation Wheel liberta o processo da criação de ideias dos fatores tradicionalmente inibidores, tais como hierarquias ou aplicação prematura de filtros. Isto é, institui um processo criativo totalmente livre de barreiras, remetendo para momento posterior a filtragem dessas mesmas ideias.
Em que sentido e de que forma poderá ajudar as empresas?
A inovação e a criação de valor são, hoje, fatores que se revestem de uma cada vez maior complexidade, atendendo ao patamar de competitividade e a sua abrangência global. A Value Creation Wheel tanto pode ser útil para processos de decisão de curto prazo (tais como entrar em novas categorias de produtos, marcas ou modelos de negócio), como em decisões de longo prazo, como seja a preparação para décadas seguintes na estratégia da companhia. Há quem defenda que devemos ser solution-driven, focalizar no brainstorming para gerar no maior número possível de ideias/soluções (ex. metodologia design thinking), ao mesmo tempo que há quem defenda que devemos ser seletivos, exigentes, céticos e apresentar as limitações para as diferentes soluções. Ora, trabalhando em paradoxos e não em compromissos, a Value Creation Wheel acredita que tanto a geração de problemas como soluções são críticos no processo de tomada de decisão e que este deve ser aberto a vários parceiros internos e externos. Até aos filtros (i.e. critérios de seleção das ideias) serem implementados para responder a um problema/desafio específico, não existem “boas ou más” soluções.
A Value Creation Wheel é assim um processo que permite trabalhar com maior volume de ideias ou variáveis e não ficar petrificado perante o paradoxo da escolha múltipla; permite olhar simultaneamente para dentro e para fora da organização; combina planeamento com a capacidade de ajustar em permanência. Esta característica confere-lhe transversalidade empresarial e cultural.
Existem já exemplos concretos de empresas portuguesas que aplicam esta ferramenta?
Existem múltiplos exemplos, mas destaco três. A Imprensa Nacional Casa da Moeda recorreu recentemente à metodologia Value Creation Wheel para estimular uma cultura de inovação, num processo que implicou um brainstorming transversal a toda a organização, sendo as várias fases sistematizadas e das quais resultaram ideias práticas que estão já em fase de implementação. Cito ainda o caso da empresa tecnológica Deimos, que adotou a Value Creation Wheel para descobrir um novo serviço com base em dados provenientes de satélites. Na área de internacionalização tem existido vários projetos. Por exemplo, a Renova utilizou a Value Creation Wheel para descobrir o mercado internacional com mais potencial para o website myrenova.com. A Deimos utilizou a Value Creation Wheel para decidir toda a estratégia de internacionalização de um dos seus produtos tecnológicos, o MyFarm.
Na sua opinião, qual o sector que ainda não aplicou a VCW e que poderia tirar melhor partido?
Durante o período de testes e desenvolvimento, a Value Creation Wheel foi já usada para lidar com problemas, crises, desafios e paradoxos complexos em muitas áreas, tais como a indústria aeroespacial, astronomia, biotecnologia, indústria química, energia, setor da saúde e setor financeiro, ONG, turismo, entre outros. A Value Creation Wheel pode ser aplicada em muitos campos distintos, uma vez que a vida é, em si mesma, um processo de escolhas permanente. Nesse sentido, esta metodologia pode ser usada, por exemplo, para decidir como começar a procurar um avião perdido no meio do oceano. Neste contexto, vou estar nas próximas duas semanas no MIT a falar com cientistas de topo para descobrir como aplicar a Value Creation Wheel nas suas áreas. Já tenho reuniões agendadas com empreendedores e cientistas que vão desde a arquitetura, engenharia química, até à biotecnologia.
Porque não pensar nos media? Este é um sector que enfrenta múltiplas escolhas, por vezes paradoxos, e uma mudança de paradigma total, com desafio que são tudo menos lineares. Por exemplo, como encontrar novos cash-flows sem comprometer os atuais? Como estimular uma cultura de inovação sem aumentar os custos? Este é o tipo de questões que a Value Creation Wheel já enfrentou noutros sectores que lidam igualmente com cenários disruptivos.
O Estado e as empresas públicas deviam recorrer à utilização desta ferramenta? Porquê?
A Administração Pública enfrenta hoje desafios muito exigentes, nomeadamente quanto à necessidade de inovação e de eficiência num cenário de absoluta necessidade de assegurar a sustentabilidade financeira. A relação dos cidadãos com o Estado assume hoje novos contornos, não apenas tecnológicos, mas também no campo das expectativas, pelo que a mudança de paradigma é total. Poderia citar vários âmbitos, mas sublinho o apoio ao simplex, a modernização administrativa, as reformas estruturais como campos em que os desafios são claros.