A procura de viagens aéreas hipersónicas e movidas a hidrogénio

O transporte aéreo é um dos principais contribuidores para a crise climática, pelo que, nos bastidores, os cientistas estão a conceber aviões mais limpos e mais rápidos.

Foi isso que o projeto STRATOFLY, financiado pela UE, propôs: o avião Mach 8, um avião hipersónico que pode atingir pelo menos 9 500 quilómetros por hora, ou seja, cerca de oito vezes a velocidade do som.

"Vai ser um verdadeiro desafio", disse Nicole Viola, que coordenou o STRATOFLY e é professora na Universidade Politécnica de Turim, em Itália. "Talvez ainda não estejamos preparados para o Mach 8 neste momento. Mas estou certa de que verei um avião hipersónico durante a minha vida".

Uma iniciativa de três anos que começou em 2018, a STRATOFLY concebeu um protótipo de um avião hipersónico movido a hidrogénio com capacidade para transportar 300 passageiros.

Ideias ambiciosas como esta estão a entrar no mundo da aviação civil. Estão a ser exploradas novas conceções, tecnologias e combustíveis para fazer com que os aviões voem mais depressa, mais alto e com uma menor pegada ambiental.

Embora estas tecnologias possam demorar décadas a entrar em serviço, é importante sonhar em grande agora, segundo os cientistas.

Não tão depressa

A conceção do STRATOFLY foi acompanhada de muitos desafios tecnológicos. Mas um dos maiores problemas não foi tanto criar um avião que pudesse voar depressa, mas sim conceber um que também pudesse voar devagar. "O desafio não está na fase hipersónica", refereViola.

O avião hipersónico que Viola e os seus colegas sonharam não só teria de voar a altas velocidades, mas também de descolar e aterrar a velocidades muito mais baixas.

Isso coloca grandes desafios de conceção. Um motor capaz de atingir velocidades hipersónicas, por exemplo, não é a melhor opção para velocidades mais baixas. Um motor hipersónico também precisa de uma entrada enorme para "inspirar" ar, que é misturado com hidrogénio.

"À medida que a velocidade aumenta, a entrada de ar também aumenta", disse Viola.

Mas a uma velocidade mais baixa, é necessário puxar menos ar para o motor. Isto exige aos cientistas compromissos de conceção.

O avião de 94 metros contém uma enorme entrada de ar no nariz, com portas deslizantes para regular a entrada de ar. Desde a descolagem até uma velocidade de cerca de 5 000 quilómetros por hora, seis motores mais pequenos fazem todo o trabalho. Acima dessa velocidade, um enorme motor que se estende ao longo da cauda impulsiona o avião para a frente.

Regresso ao futuro

A proposta STRATOFLY é apenas um conceito concebido para demonstrar o que poderia ser um avião hipersónico. Permite aos investigadores testar e refletir sobre novas tecnologias que poderão levar décadas até uma construção com êxito.

Atualmente, a indústria da aviação pode estar a regressar aos aviões supersónicos como o famoso Concorde, que esteve ao serviço durante mais de 30 anos antes de ser retirado em 2003. Utilizado pela Air France e pela British Airways, o Concorde era mais conhecido pelas suas rotas Paris-Nova Iorque e Londres-Nova Iorque, com tempos de viagem de três a três horas e meia.

A empresa americana Boom Aerospace já assinou contratos de conceção supersónica com a United Airlines e a American Airlines.

E o voo hipersónico está a atrair atenções fora da aviação civil. A indústria espacial está atenta a esta tecnologia para construir naves que possam descolar como um avião, um desenvolvimento que poderia reduzir a necessidade de dispendiosos lançamentos de foguetões.

"A hipersónica está algures entre a aviação e o espaço", afirma. "Por isso, eventualmente, veremos um desses domínios adotar a tecnologia".

Desanuviar o ar

Se este tipo de voos a alta velocidade vier a ser possível, um dos objetivos conexos é limitar o impacto ambiental. Atualmente, a aviação é responsável por cerca de 2,5% das emissões globais de CO2, uma percentagem que corre o risco de aumentar com voos mais rápidos.

O hidrogénio pode ser a solução, de acordo com o Professor Bobby Sethi da Universidade de Cranfield, no Reino Unido.

"Há muito tempo que investigamos o hidrogénio para a aviação", afirmou Sethi. "Os custos, no entanto, há muito que diminuíram o entusiasmo. Mas a sua introdução é uma questão de quando, e não se". Coordenou o projeto ENABLEH2, financiado pela UE, que analisou o potencial do hidrogénio na aviação durante quatro anos, até novembro último.

De acordo com Sethi, o hidrogénio tem muito que se lhe diga.

É um dos elementos mais abundantes na Terra e, se for produzido com energia renovável, não emite CO2. Além disso, a investigação ENABLEH2 demonstrou que os sistemas de combustão de hidrogénio produzem menos emissões de NOx, outro gás com efeito de estufa, do que o querosene.

Além disso, os aviões movidos a hidrogénio podem percorrer distâncias mais longas do que os aviões eletrificados, que provavelmente só serão utilizados para voos de curto e médio curso.

Rotas de transição

Mas depois há os custos. O hidrogénio comporta-se de forma diferente do combustível de aviação normal, pelo que os aviões e alguns aeroportos teriam de ser completamente redesenhados - uma transição que poderia demorar cerca de 20 a 30 anos, segundo Sethi.

"Poderíamos redesenhar tecnicamente um avião existente, como um Airbus A380, para utilizar hidrogénio", afirmou. "Mas seria necessário instalar reservatórios de hidrogénio no avião. Não podemos simplesmente armazenar o combustível nas asas, como se faz atualmente, e isso faz com que o modelo não seja competitivo em relação aos modelos existentes de combustível convencional ou de combustíveis de aviação sustentáveis".

É por isso que a maioria das previsões aponta para um período intermédio em que a indústria utilizará combustíveis de aviação sustentáveis (SAF), alternativos geralmente produzidos a partir de fontes como a biomassa ou os resíduos e que produzem menos CO2 ao longo do ciclo de vida em comparação com o combustível normal para aviões.

De acordo com Sethi, seria melhor "focarmo-nos na captura de carbono das emissões da aviação no período intermédio e investir agressivamente no hidrogénio para reduzir o tempo de transição".

Independentemente do caminho seguido, a chave para Sethi é um futuro sustentável e a longo prazo para o sector.

"A aviação tem enormes benefícios sociais e económicos", afirmou. "Reduziu drasticamente os tempos de transporte em todo o mundo e tem sido um motor de crescimento económico através, por exemplo, do turismo. Não podemos deixar que isso seja destruído".

A investigação neste artigo foi financiada pela UE. Este artigo foi originalmente publicado na ​​​​​​Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.

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