Anúncio no Facebook, fake news, burla feita. O que Facebook e Google fazem para evitar fraudes

Anúncios para fake news que tentam fraudes com criptomoedas falsas estão a crescer - há mais queixas.

A história é antiga, mesmo que as tecnologias sejam novas: a receita milagrosa para ganhar dinheiro (promovida sob a forma de anúncio online), o segredo de poucos revelado por uma personalidade no que parece uma oportunidade única (destacada em notícia falsa com aspeto de site de media conhecido) e uma ligação para a tal receita milagrosa (normalmente de criptomoedas como bitcoin) que requer o pagamento antecipado de 250 euros ou dólares.

Há três anos que é fácil encontrar esquemas fraudulentos destes em publicidade no Facebook e Google, o duopólio de publicidade online a nível mundial (mais de 86% do bolo) e o motivo pelo qual a Austrália impôs novas leis para obrigar à partilha dessas receitas. Pequenos ou grandes, quem quer chegar rapidamente e online a um público local ou global dificilmente passa sem os gigantes - incluindo esquema de fraude.

Em novembro de 2019, o DV noticiava com pormenor um esquema semelhante ao descrito. Com a pandemia e "cada vez mais pessoas na net, aumentaram as fraudes online", admite André Gouveia, analista financeiro da Deco Proteste. Já neste mês, este tipo de anúncios no Facebook parece ter disparado. Em pouco mais de uma semana, o DV investigou em Portugal cinco destes anúncios que terão chegado a milhares de pessoas. O esquema é sempre o mesmo e na maioria dos casos tenta que as pessoas invistam num site chamado Bitcoin Revolution - "uma fraude que já denunciámos", diz André Gouveia.

Fomos tentar perceber com Facebook e Google o que têm feito para evitar os anúncios, mas antes, os detalhes: dos cinco anúncios que vimos no Facebook, todos tinham em destaque a imagem de João Soares no programa de Ricardo Araújo Pereira Isto é Gozar com Quem Trabalha. O título do anúncio, sob a forma de link, surge em variações de: "João revelou como ganha durante a crise, todos podem conseguir com um pequeno investimento". Ao carregar, somos levados para uma página que parece de um jornal como Público.pt ou Eco.pt (o aspeto é igual, embora o URL não tenha nada que ver). O texto remete para a tal receita milagrosa que "será atingida" com compra de bitcoin. Basta abrir conta e contribuir com 250 euros.

"O normal é as pessoas perderem esses 250 euros, mas há quem perca muito mais [e também há roubo de dados e identidade (contas) em algumas situações]", admite André Gouveia, que até outubro recebia uma queixa de fraude destas por mês, agora são duas por semana.

O analista não tem dúvidas: "As criptomoedas são a fachada perfeita para fraudes, porque há pouca regulação (em Portugal não há nenhuma, embora o Banco de Portugal esteja a começar permitir o registo de entidades que queiram comercializar criptomoeda)". Daí que confiar em quem está do outro lado de um serviço destes é como "uma roleta russa, pode ser legítimo ou não", "deve-se seguir quem tem reputação no mercado e em meios legítimos, mas até isso é complicado pelas fake news".

A advogada Cláudia Fernandes Martins concorda e admite que pela sua complexidade "investir em criptomoedas não devia estar aberto a todos" porque "quem não tenha conhecimentos dificilmente consegue entender os termos e condições" e separa os serviços legítimos dos fraudulentos.

Esquema envolve páginas no Facebook de pseudo revistas

Em todos os cinco anúncios que investigámos há características comuns. Todos são criados por páginas que tentam passar por sites de notícias em áreas temáticas: MusicIngs (notícias de música clássica), Graphic24x7 (grafismo e design); InteractiveTrends (gaming), 99Planner (casamentos), EventIent (eventos). Todos dizem ser revistas, têm ligações para uma página no Shopify dedicada ao tema (menos um, o MusicIngs.com) onde estão estão poucos conteúdos (cinco notícias bastam, quase todas em inglês) e claramente cópias de outros sites sem qualquer critério ou coerência.

São páginas com pouco mais de um mês, com cinco a 10 posts no total e nenhuma tem publicado o post com foto de João Soares que se torna no anúncio com notícia falsa.

Olhando para a biblioteca de anúncios do Facebook, podemos ver que o primeiro anúncio costuma ser para promover a página (daí que várias tenham mais de dois mil seguidores), a se segue o tal anúncio com a notícia falsa - num dos casos o anúncio visto nem sequer aparece na biblioteca de anúncios (Evenlent).

As páginas destes sites do Shopify têm moradas que parecem falsas, mas alguns sites estão registados na Rússia ou Ucrânia e os esquemas já chegaram à Índia e Austrália.

O que diz o Shopify? O DV questionou o gigante do e-commerce canadiano e rival da Amazon, Shopify, sobre este tipo de estratégias que usam os blogs do Shopify para simular revistas, algo que já dura há dois anos. A empresa admite que tem uma área de blogs que quem cria conta (para eventualmente ter uma loja online) pode ter, mas que como alguns destes sites de alegadas revistas que mencionámos não coloca no Shopify os sites de possível venda de criptomoedas falsas não têm meio de atuação, "porque a atividade não decorre na plataforma". Ainda assim, é possível reportar atividades suspeitas neste link.

Certo é que o ano passado uma investigação do The Guardian sobre o mesmo tema no Reino Unido e Austrália dá casos de pessoas que perderam 80 mil euros, seguiu o rasto destes sites até Moscovo, sem conseguir mais informação além disso - quem paga os 250 euros costuma receber telefonema de alguém na Holanda a pedir que coloquem mais dinheiro.

Há relatos semelhantes da Índia, onde através do mesmo tipo de esquemas ficaram com dados dos cartões de crédito e acesso às páginas de Facebook pessoais de quem cai na esparrela (um dos esquemas descoberto por uma empresa de cibersegurança permitiu ver que os golpistas conseguiram dados pessoais de 13,5 milhões de pessoas, num total de 5,5 Gb).

Ser anunciante é fácil, gigantes reagem

O quão fácil é fazer anúncios no Facebook? Do que vimos, bem fácil. Basta ter uma página há pouco tempo, criar conta empresarial e um meio de pagamento. Estes cinco anúncios violam, ainda assim, cerca de cinco regras da rede social, que são cada vez mais apertadas, ao ponto de proibirem anúncios com decotes, pessoas de boxers, limitarem temas sociais e menção a características pessoais, religião ou política.

Os anúncios com criptomoedas também estão banidos desde 2018, mas as notícias falsas ajudam a escapar aos algoritmos que controlam os anúncios. Uma semana depois de denunciarmos as páginas no botão que existe para o efeito elas ainda estavam ativas (tal como os anúncios), mas um dia depois de contactarmos o Facebook Iberia, foram removidas.

O Facebook não respondeu a várias das nossas questões sobre os anunciantes (e a facilidade de fazer anúncios), admitiu apenas ser uma missão que "leva a sério" com "sistemas" para detetar maus atores "que vão sendo aperfeiçoados", sem nunca especificar que mudanças foram feitas em 2020.

Ainda assim, a empresa encoraja "todos a reportarem estes anúncios nos três pontos no topo do anúncio".

Entretanto, o Facebook foi tema de capa esta semana do MIT Technology Review, com a publicação a dizer que "o Facebook está viciado na disseminação de desinformação" porque combatê-lo "contraria os desejos de crescimento constante de Zuckerberg".

Google aplica regras para anunciantes políticos a toda a plataforma

A Google fez mudanças, mas admite que não há soluções a toda a prova. A empresa explicou ao DV que fez "várias alterações" em 2020 para tentar limitar estes anúncios para notícias falsas que em 2019 surgiam inclusive em sites de meios noticiosos.

As alterações que começaram em abril de 2020 passam por expandir os critérios apertados para anúncios políticos a todos, limitando "quem pode fazer anúncios" com "novos programas de verificação da identidade dos anunciantes para impedir maus atores logo no início".

Dados pessoais, documentos da empresa e informação concreta sobre o país onde operam tem de estar presente e os anúncios a partir deste verão passam a ter informação concreta de quem os faz ou quem os pagou. "Removemos em 2019 mais de 51,9 milhões de anúncios sensacionalistas como estes [num total de 2,7 mil milhões de anúncios "maus" removidos, cinco mil por minuto]", diz-nos a porta-voz da empresa.

Desde 2018 que não são permitidos anúncios de criptomoedas, mas "neste jogo de gato e rato os golpistas estão sempre a mudar estratégias para escapar aos nossos sistemas".

Dando o exemplo da biblioteca de anúncios do Facebook (algo que serviu para trazer maior transparência um ano antes das eleições presidenciais nos EUA), não é possível, por exemplo, ver de que país é o autor do anúncio, nem tão pouco que empresa o paga (até porque qualquer um cria uma página com qualquer nome ou intuito no Facebook).

Solução? Literacia mediática, digital e financeira é "fundamental"

Miguel Crespo, investigador do ISCTE admite que a literacia digital (e financeira) ajudará a que cada vez menos pessoas "caiam no engodo", mas que nos últimos tempos "vemos cada vez mais pessoas a perceberem o que é desinformação como se viu com o plano de desconfinamento falso do governo a semana passada". O professor admite que pessoas com baixa escolaridade ou com idades acima dos 45 anos são mais vulneráveis a este tipo de desinformação "porque construíram uma relação com os média de confiança plena, já que o que os jornalistas ou até apresentadores dizem já é filtrado e estes são punidos se espalharem mentiras".

Um dos melhores exemplos em literacia mediática é a Finlândia - é o país onde há menos pessoas a ser enganadas com esquemas online, de acordo com estudos recentes. Desde 2014 que os alunos a partir dos seis anos têm no currículo escolar literacia mediática (e digital).

O empreendedor português José Costa Rodrigues, que vendeu recentemente a startup Forall Phones e tem agora a imobiliária digital Relive, admite que a literacia "é fundamental para todos navegarem na era digital, empreendedores e não só. Daí que o jovem tenha agora lançado um projeto que procura combater este tipo de desinformação online. "A NewCapital é uma plataforma de educação financeira, para já gratuita, onde queremos por os principais especialistas a explicar como poupar, empreender (que vai além da parte de criar empresas) e investir sem ser enganado", diz-nos, admitindo que há muita informação crucial que teria sido importante quando estava a começar. "A nossa ideia é partilhar conhecimento crucial de CEO, economistas e demais especialistas com o público em geral", admite.

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