- Comentar
Perguntar a uma pessoa que trabalha numa pequena empresa como estão a correr as coisas pode originar uma variedade de respostas. Por um lado, o trabalho numa pequena organização pode ser agradável, excitante e criativo. Por outro, é frequentemente solitário, agitado e stressante.
Relacionados
As perguntas que não tem de responder numa entrevista de trabalho
Aproveitar as pessoas para obter uma energia mais limpa e económica
85% dos portugueses querem carreiras com mais significado e consideram mudança profissional
Para Ella Arensman, há algo na natureza das pequenas e médias empresas (PME), qualquer que seja o setor, que torna os seus funcionários vulneráveis quando se trata de bem-estar psicológico e emocional. Ao contrário das empresas maiores, as PME carecem frequentemente de apoio dedicado nesta área.
Pequenas empresas, grandes testes
Arensman é professora de Saúde Mental pública na Universidade College Cork, na Irlanda, e coordenadora do projeto MENTUPP, financiado pela UE, que começou em 2020 e decorre durante este ano. Com parceiros de toda a Europa, a iniciativa é pioneira numa nova abordagem para ajudar as PME a enfrentar os problemas de saúde mental dos trabalhadores, incluindo a depressão.
"Esperamos que o projeto MENTUPP possa apoiar as pessoas na sua saúde mental", afirmou a Professora Arensman. "Assim, talvez a progressão da depressão possa ser revertida."
A UE acolhe cerca de 23 milhões de PME, definidas como empresas que possuem menos de 250 trabalhadores e um volume de negócios anual que não ultrapassa os 50 milhões de euros. Desde empresas de construção e transportadoras a cafés e cabeleireiros, estas constituem mais de 90 % das empresas da UE.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
Durante quatro décadas, a Professora Arensman liderou o trabalho internacional em automutilação, suicídio, depressão, ansiedade, abuso de substâncias e o estigma em torno da saúde mental no trabalho.
Observou uma tendência crescente nestes desafios enfrentados pelos trabalhadores, com graves consequências para os próprios indivíduos e para a sociedade em geral.
Atualmente, a depressão e a ansiedade são os problemas psicológicos e emocionais mais prevalecentes no local de trabalho. Um em cada cinco trabalhadores relata problemas de saúde mental.
O problema foi agravado pela pandemia de Covid-19 que eclodiu em 2020. Se acrescentarmos a atual crise do custo de vida causada pela elevada inflação, o resultado é uma tempestade perfeita para a saúde mental.
O custo de arrastamento para a economia devido à perda de produtividade e ao absentismo é impressionante. De acordo com estimativas globais da Organização Mundial da Saúde, perdem-se anualmente 1 bilião de dólares (cerca de 940 mil milhões de euros) de produtividade no local de trabalho, devido à depressão e à ansiedade. Neste contexto, a atenção a nível da UE está agora centrada na intervenção, que é onde o projeto MENTUPP tem um papel a desempenhar.
Três setores vulneráveis
O projeto fornece um recurso online gratuito para os funcionários das PME. O objetivo é colmatar uma lacuna no apoio ao bem-estar em três setores onde os trabalhadores são considerados particularmente vulneráveis: construção, saúde e tecnologias da informação.
Em 2019, a Professora Arensman publicou um estudo sobre os fatores de risco relacionados com o trabalho e associados ao suicídio. Desde então, tem estado numa missão para melhorar o apoio.
"Percebi que era necessário efetuar muito mais trabalho antes que as pessoas entrassem nestas crises suicidas", afirmou a Professora Arensman.
A equipa do projeto MENTUPP está a inspirar-se num programa de prevenção do suicídio, desenvolvido na Austrália, para ajudar os trabalhadores da construção civil a falarem sobre ansiedade, depressão e pensamentos suicidas.
Durante a última década, a "Mates in Construction" (MIC) tem desafiado os estigmas relativos à saúde mental e aumentado a consciencialização para as técnicas de promoção do bem-estar num setor tradicionalmente dominado por homens, onde tais conversas podem ser difíceis de fomentar.
A Professora Arensman considera que o trabalho da organização MIC é «excecional» no que diz respeito à quebra de barreiras e ao aumento do número de trabalhadores com acesso a apoio.
Um relatório de 2020 da MIC e da Universidade de Melbourne concluiu que, desde que o programa «Mates» foi introduzido, as taxas de suicídio entre os trabalhadores da construção civil em toda a Austrália diminuíram quase 8%, aproximando o nível da média masculina em muitos estados australianos.
Atualmente, a Professora Arensman está a testar o próprio sistema de apoio online do projeto MENTUPP. Este oferece centenas de materiais baseados em provas, desde sugestões para não estigmatizar conversas sobre saúde mental no local de trabalho até ao aumento do bem-estar dos trabalhadores das PME.
Dicas personalizadas
Em Barcelona, Espanha, a psicóloga clínica Beatriz Olaya detetou problemas de saúde mental semelhantes enfrentados pelos trabalhadores das PME.
"Quando visitámos estas pequenas empresas, percebemos que existia uma enorme necessidade", afirmou a psicóloga. "As pessoas precisam de apoio psicológico e muitas vezes não sabem como ter acesso ao mesmo." Beatriz Olaya coordena um projeto financiado pela UE, denominado EMPOWER, que aborda questões semelhantes às do projeto MENTUPP e que também teve início no ano de 2020. A decorrer até meados de 2024, o projeto EMPOWER trata-se de uma plataforma de saúde eletrónica que inclui um sítio Web, uma aplicação, um vídeo online e recursos de texto.
Após o registo no sítio Web ou na aplicação, procede-se ao preenchimento de uma série de questionários que ajudam a equipa do projeto a obter detalhes sobre os atuais níveis de stress, depressão, ansiedade, sono e fatores de risco psicossocial.
A partir daí, o sistema EMPOWER cria uma série de dicas personalizadas para ajudar as pessoas a sentirem-se melhor. Existe também apoio para aqueles que se encontram de baixa por doença devido a problemas de saúde mental.
Ao iniciar sessão todos os dias, o utilizador é convidado a indicar como se sente, antes de ser guiado através de técnicas psicológicas para ajudar a levantar o ânimo ou a manter a pessoa no caminho certo. As técnicas incluem exercícios de respiração e relaxamento, e tarefas diárias comuns de definição de objetivos para aumentar a motivação.
"Se decidir correr duas vezes por semana, ao estabelecer este novo hábito para melhorar o seu humor, a aplicação irá lembrá-lo e recompensá-lo", afirmou Olaya.
Algumas das dicas baseiam-se na terapia cognitivo-comportamental, que ensina técnicas para lidar com as dificuldades, centrando-se em como os pensamentos, crenças e atitudes afetam os sentimentos e as ações.
Olaya e a sua equipa desenvolveram o projeto EMPOWER em conjunto com empresas da Finlândia, Polónia, Espanha e Reino Unido. As versões multilingues da aplicação estão atualmente a ser testadas por mais de 600 pessoas nos quatro países.
"Queremos mostrar que é de baixo custo e eficaz", afirmou a psicóloga.
Sinais de esperança
Relativamente ao projeto MENTUPP, o seu sistema de apoio também inclui uma aplicação e o pacote completo está ainda a ser testado. Os resultados deverão ser apresentados no final deste ano.
A professora Arensman espera que mais melhorias e aperfeiçoamentos sejam efetuados antes que o sistema possa ser implantado de forma muito mais ampla. Num sinal preliminar positivo, a professora recordou como uma pequena empresa de construção irlandesa, que utilizou o pacote, foi mais capaz de apoiar o bem-estar mental de um dos seus trabalhadores.
"Disseram-nos que, se não tivessem tido acesso a estes recursos, não teriam identificado os sinais de alerta", afirmou a professora Arensman. "Com estes recursos, puderam identificar melhor o que estava a acontecer e intervir."
O feedback de outros utilizadores nos países parceiros do projeto MENTUPP tem sido igualmente encorajador. A professora Arensman espera que o projeto prove ser tão eficaz como o programa 'Mates', na Austrália, relativamente à redução da automutilação e do suicídio e ao aumento da satisfação e produtividade no trabalho.
"Ainda não chegamos lá, mas esperamos chegar muito em breve", afirmou.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.