Os transportes públicos vão ter uma nova lei em Portugal a partir de terça-feira, dia 3 de dezembro. E os moradores dos locais mais isolados vão ser os mais beneficiados. O transporte flexível ou a pedido vai passar a estar regulamentado graças à descentralização de competências do Estado para as autoridades regionais ou municipais. Mas estas mudanças só vão ficar completas daqui a dois anos.
“O transporte flexível é um serviço que tem vindo a emergir e que funciona sobretudo em zonas de baixa densidade de população e de horário que não faz sentido aderirem ao transporte de massas por falta de viabilidade comercial”, assinala Rosário Macário, professora do Instituto Superior Técnico. “Esta opção ajuda sobretudo idosos em exclusão ou em risco de exclusão.”
Ilustração: Vítor Higgs/Animação: Nuno Santos
Em Portugal, este serviço arrancou em janeiro de 2013 na região do Médio Tejo, com um projeto-piloto que abrangeu cinco freguesias do concelho de Mação. Um miniautocarro e quatro táxis permitiam às pessoas chegar à vila e à estação de comboios de Abrantes. Esta experiência evoluiu, nos anos seguintes, e passou a incluir 11 dos 13 concelhos desta comunidade intermunicipal.
Os residentes, para acederem a este serviço, fazem uma reserva por telefone na véspera da viagem, que fica depois registada numa plataforma. No final do dia, o sistema cria as rotas de forma automática. No dia da viagem, os veículos só param nos locais com reservas. Cada bilhete custa entre um e dois euros e há ainda bilhetes pré-comprados a partir de sete euros.
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Os municípios, a nível financeiro, compensam os operadores de transporte pelo défice causado por este serviço e que ficam definidos através de contratos de serviço público.
A região do Médio Tejo, com este modelo, tornou-se a referência do transporte flexível em Portugal e levou ao nascimento de outros projetos deste género nos municípios de Mafra e Figueira da Foz. O próprio Estado, através do Fundo para o Serviço Público de Transportes, vai apoiar 12 projetos avaliados em 936,5 mil euros e que vão ter uma comparticipação pública superior a 70% (680 mil euros), apurou o Dinheiro Vivo.
Cávado, Oeste, Alto Alentejo, Algarve, Beiras e Serra da Estrela, Beira Baixa, Tâmega e Sousa, Viseu Dão-Lafões, Lezíria do Tejo, Douro e Terras de Trás-os-Montes são as regiões que vão ter projetos apoiados. Na região de Coimbra, os concelhos de Góis e Pampilhosa da Serra vão testar este serviço.
Concursos atrasados
Além de reduzir a exclusão social, o transporte flexível “pode ser um alimentador do transporte regular”, que vai passar a ser gerido a nível regional por autoridades de transportes intermunicipais ou metropolitanas.
Cada uma destas entidades vai ter de fazer um concurso público para escolher o operador de transportes rodoviário, passando a haver um regime de concorrência regulada neste setor. A região do Algarve foi a única que já fechou o concurso público internacional, que foi ganho pela EVA Transportes, do grupo Barraqueiro.
O processo deveria ficar concluído nas restantes regiões também até à próxima terça-feira, mas ainda há muito trabalho a fazer.
“Não há experiência, não há histórico nem documentação. É a complexidade de um concurso novo”, justifica Carlos Humberto de Carvalho, primeiro-secretário da Área Metropolitana de Lisboa.
A região do Alentejo Litoral lembra que a autoridade de transportes “pode optar pelo ajuste direto ou prorrogação do contrato em vigor, exercendo de um prazo não superior a dois anos para a conclusão do procedimento concursal”. Ou seja, a revolução nos transportes só entrará totalmente em marcha no final de 2021.
Por agora, as regiões vão ter de enviar todos os documentos necessários para o concurso público e que vão ser enviados à AMT - Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, que depois poderá enviar algumas sugestões.
Apenas as regiões de Lisboa, Porto, Lezíria do Tejo, Alentejo Litoral e Coimbra já terão enviado todos os documentos, registou o Dinheiro Vivo junto das comunidades intermunicipais.
Apesar de a descentralização dos transportes “facilitar a coordenação da rede de transportes”, Rosário Macário alerta para a “falta de preparação técnica prévia e falta de capacidade financeira de algumas regiões. No limite, o Estado poderá ser chamado para reforçar o orçamento das regiões”.
Serviços mínimos para cumprir no contrato
Os locais com mais de 40 habitantes devem ter acesso a transporte flexível ou a serviço regular sempre que a procura o justifique. Estes transportes devem garantir ligação à sede de concelho e aos principais equipamentos e serviços públicos de forma direta ou com transbordos. Também deve haver ligação entre as sedes de concelho dentro de cada região.
Nas cidades com mais de 50 mil habitantes têm de ser garantidas duas viagens por hora nos períodos de ponta da manhã e a da tarde; fora desses períodos, tem de haver uma circulação por hora. Quem tiver menos de 50 mil habitantes tem de avaliar as necessidades de deslocações “caso a caso” para assegurar “uma adequada satisfação das necessidades das populações”.
Nos locais com mais de 40 habitantes deve haver uma ligação entre um local e a sede do concelho no período da manhã; no período de ponta da tarde deve haver uma circulação entre a sede do concelho e o local; deve haver uma ligação entre as sedes de concelho das regiões no período da manhã e da tarde.
Nas viagens urbanas, o tempo de espera não pode ultrapassar os 15 minutos. Na sede de concelho, não pode haver mais do que um transbordo e não se pode esperar mais do que meia hora. Entre um local e uma sede de concelho só pode haver uma mudança e o tempo de espera tem de ser abaixo dos 15 minutos.
Os utentes dos autocarros têm de ter informação do percurso, de paragens, interfaces, horários e pontos de acesso. Os horários e as rotas devem ser de fácil leitura e os passageiros têm de ficar a par dos seus direitos e deveres e das obrigações dos operadores.