Turismo e aviação temem "perda de oportunidade" dada pela pandemia

O regulador da aviação travou a transformação da base do Montijo em aeroporto, mas o processo está longe de terminado. Segue-se a Avaliação Ambiental Estratégica a três opções - duas ainda envolvem o Montijo.

O turismo e a aviação acreditam que a pandemia, que provocou uma quebra acentuada na procura, criou uma oportunidade ao país que está a ser desperdiçada. Tanto a easyJet como o setor da hotelaria e turismo não têm dúvidas: a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa devia estar a ser feita a todo o vapor para que estivesse pronta a tempo da retoma do turismo.

Nesta semana, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) deliberou indeferir o pedido de apreciação prévia de viabilidade de construção do aeroporto complementar no Montijo, um dos pilares da expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa. O segundo pilar é a ampliação da Portela, que já tinha arrancado. Perante a decisão do regulador, o governo decidiu avançar com uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) - já prevista no Orçamento do Estado (OE) - a três hipóteses. E quer mudar a lei para que as autarquias não possam vetar o desenvolvimento de infraestruturas estratégicas.

"Não podemos é permitir que o tempo que esta reanálise vai demorar interrompa o projeto de desenvolvimento do Aeroporto Humberto Delgado", diz José Lopes, diretor da easyJet para Portugal. O gestor assume que "estamos a assistir a um desacelerar nos investimentos e isso é inadmissível".

Em 2019, o aeroporto de Lisboa acolheu cerca de 30 milhões de passageiros, bem acima da sua capacidade, o que estava a gerar uma degradação do serviço prestado, merecendo críticas de passageiros, companhias aéreas e outros agentes do turismo. Para a easyJet, estamos a perder a oportunidade de usar a pandemia a nosso favor. "Aumentar o ritmo de obras, quando há menos voos e menos impacto na operação, causando menos atrasos e condicionamentos aos passageiros, deveria ser o caminho." E aponta o dedo: "ANA, NAV e ANAC devem ser mais ágeis e avançar mais rapidamente. O governo tem o dever de o exigir."

A AAE vai agora avaliar três possibilidades: o atual cenário previsto - Portela como infraestrutura principal e o Montijo complementar -; a coexistência destes dois aeroportos com o Montijo a "gradualmente" tornar-se na infraestrutura central; e, por fim, a construção de um novo aeroporto internacional no campo de tiro de Alcochete. A avaliação não será tanto económica, mas mais ambiental. Mas levanta problemas sérios.

O economista Pedro Brinca lembra que "a questão da expansão do aeroporto da Portela vem desde os anos 60" e que se a pandemia "veio abrandar imenso a questão da necessidade imediata do aeroporto", apesar de algumas dúvidas de calendário a expectativa é que o turismo, em especial o de lazer, venha a recuperar rapidamente. "Prevê-se que esse segmento continue forte e, se Portugal mantiver o seu lugar destacado como destino preferencial do turismo mundial é normal que uma boa parte desse tráfego retome. Nesse contexto, não sendo possível a expansão do aeroporto da Portela, é normal que esta questão volte" a ganhar força, diz.

A easyJet frisa mesmo que esta avaliação "tem de ser a última". "Não podemos estar constantemente a reanalisar tudo; uma decisão final tem de ser tomada. A preocupação da easyJet com a opção Montijo está ligada ao crescimento necessário no Aeroporto Humberto Delgado. A avaliação dos três cenários não deve servir de justificação para a ANA parar investimentos urgentes fundamentais" na infraestrutura de Lisboa, diz José Lopes.

Quanto às três possibilidades que vão ser avaliadas, frisa que "é importante ter duas coisas em mente: a opção Montijo sem crescimento no Humberto Delgado não tem qualquer fundamento". E a construção de uma infraestrutura em Alcochete "demorará mais e será mais cara, para além de também depender dos investimentos urgentes no Humberto Delgado para que este continue a ser eficaz até que esta solução esteja concluída. Mas a opção deve ser analisada cuidadosamente a nível de custo-benefício. Quem vai arcar com estes custos? As companhias aéreas não estão em posição económica para que se lhes possa exigir suportar um investimento estratégico para o país."

Hotéis a bordo
A hotelaria em Portugal, que em 2020 perdeu mais de 3 mil milhões de euros em receita, vê "com preocupação" este novo volte-face em torno do aeroporto. Raul Martins, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), considera "inaceitável que uma Câmara Municipal possa impedir a construção de uma infraestrutura de interesse nacional. Esperamos que a lei seja alterada e que o Montijo seja uma realidade em breve".

Um aeroporto no Montijo deverá ser mais vantajoso para o turismo; o setor várias vezes tem dito ser contra soluções que levem à desativação da Portela, essencial para o chamado city-break. Além disso, o projeto que ia, pelo menos até aqui, avançar - Montijo como estrutura complementar - tinha benefícios que vão além de manter a Portela: fica mais perto e a acessibilidade à capital pode ser feita por barco, deixando os turistas na Baixa, ou por comboio.

"Com base nas informações de que dispomos, Alcochete em termos ambientais é pior do que o Montijo; por outro lado a decisão não pode ser tomada só por questões ambientais, temos de ver as questões económicas e de sustentabilidade da própria região. Alcochete irá custar mais 6 mil milhões do que o Montijo, é uma solução que obriga a uma construção de raiz, o que demorará vários anos. Assim que iniciarmos a retoma temos de ter uma solução pronta e que acompanhe o crescimento do Turismo", salienta o hoteleiro.

"A situação de eliminar a Portela é muito prejudicial para o turismo em geral e para a hotelaria em especial. Sendo Portugal um país periférico, não se deve agravar o tempo total de viagem e com a solução Alcochete é isso que irá acontecer. Para haver Alcochete, não pode deixar de haver Portela, solução que garante um menor tempo de viagem para quem chega a Lisboa, e o hub terá de ser em Alcochete. Todavia, também é possível constituir o hub no Montijo", conclui Raul Martins.

Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo, salientou nesta semana que "a recuperação económica do país depende do aumento da nossa capacidade aeroportuária". E questionou: "De quantas mais avaliações e estudos vamos precisar para tomar uma decisão sobre uma obra essencial que o próprio governo considera de interesse nacional e estratégico? Não podemos aceitar mais um adiamento. Temos de avançar para a solução que melhor responde em termos de custos, competitividade e rapidez a um problema que se arrasta há mais de cinco décadas."

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