O ano passado foi de recordes para a hotelaria nacional: recebeu mais de 20,5 milhões de hóspedes. E neste ano o cenário está bem encaminhado. Só até setembro, ficaram na hotelaria lusa mais de 16,5 milhões de turistas - de acordo com os últimos dados do INE -, um valor ligeiramente acima do registado nos primeiros nove meses de 2017, e que permitem especular que este ano pode vir a ser ainda melhor. Mas será que este crescimento é sustentável?
O presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) não tem dúvidas de que o destino Portugal está a ir na direção de uma “atmosfera de fim de ciclo”. Não é algo, defende Pedro Costa Ferreira ao Dinheiro Vivo, inesperado ou necessariamente negativo. “Quando falamos de um final de ciclo não me parece que seja surpreendente ou que algo tenha falhado. E pode não ser negativo. Mas é impensável manter um ciclo de crescimento por dez anos - ainda por cima de crescimento agressivo . Este fim de ciclo pode ser positivo se for esmorecendo e criar um espaço de consolidação. Parece-me importante. Esses são os próximos tempos.”
As causas para este final de ciclo são sobretudo os travões ao crescimento que enfrentam os principais motores da aceleração dos últimos anos: o aeroporto de Lisboa - a principal porta de entrada no país - estará a atingir a sua capacidade máxima, as companhias aéreas low-cost estão a atingir quotas de mercado maduras não devendo ter margem para fortes crescimentos e o alojamento local enfrenta também limitações.
“Neste momento, temos um fator desagradável que não terá resolução no espaço de quatro anos: o aeroporto . A nossa dependência do transporte aéreo na atração de turistas é arrasadora e não ter a principal porta de entrada a poder crescer é, em si mesmo, arrasador. Dá-me a ideia de que temos de preocupar-nos com medidas de aumento do gasto por turista, uma vez que, por uns tempos, vamos ter mais dificuldade em crescer em número de turistas.”
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias

Hóspedes e dormidas em Portugal por país de origem. Fonte: INE
Mas nem todos fazem este retrato do setor. Adolfo Mesquita Nunes nota que “Portugal teve anos de crescimento - em vários indicadores - de dois dígitos, num movimento que, como é evidente, não poderia manter-se num contexto em que os nossos principais concorrentes voltaram à carga e com preços muito competitivos”.
Depois de alguns anos de interrupção - provocada por várias causas, incluindo insegurança -, vários destinos no norte de África - como a Tunísia e o Egito - estão a voltar a captar muitos turistas estrangeiros, acabando por “roubar” alguns a Portugal. “A questão que se coloca quando falamos em fim de ciclo é: vamos voltar aos níveis de turismo que tínhamos antes do nosso crescimento ou, pelo contrário, vamos estabilizar nesta posição e continuar a crescer de forma sustentável.”
O antigo secretário de Estado do Turismo do governo de Pedro Passos Coelho não acredita que Portugal regresse aos níveis de turismo registados no início da década. Em 2013 a hotelaria nacional recebeu cerca de 14,3 milhões de pessoas (dados do INE) tendo dado um salto para os 17,3 milhões de turistas em 2015.
Leia aqui: Mesquita Nunes diz que nova lei do Alojamento Local é “desastrosa”
“Recuso a ideia de que Portugal vai voltar aos índices de turismo que tinha antes do seu crescimento e isso significa que aquilo que conquistámos nos últimos anos vamos manter e ainda vamos crescer mais do que isso. É também importante registar que o principal indicador para o qual temos de olhar é o das receitas. Com o mesmo número de dormidas que o ano passado estamos a ter receitas muito superiores, o que significa que estamos a qualificar a oferta.”
O Turismo de Portugal também não acredita que o país esteja a viver o fim de um ciclo. Luís Araújo não esconde que há mudanças e que o setor “todos os dias tem de se reinventar enquanto destino”, não só para fazer face aos mercados da bacia do Mediterrâneo mas também aos novos destinos que surgem e aos serviços e ofertas que outros vão apresentando.
“Percebo que se fale em fim de ciclo na perspetiva de ter havido um crescimento muito grande devido a uma série de fatores externos, mas muito devido também aos fatores internos e é disso que as pessoas não falam.” Os últimos anos dotaram o setor de uma “capacidade de receber, uma qualidade no atendimento, uma capacidade de ultrapassar a expectativa de quem nos visita que, muitas vezes, não reconhecemos e devíamos puxar mais por isso”.
Se, por um lado, há uma quebra no principal mercado emissor para Portugal - o Reino Unido -, a verdade é que há outros que estão a crescer, como é o caso do Brasil, Estados Unidos e Canadá.
“Tivemos em 2017 o dobro de notícias e artigos que tivemos em 2016 sobre o país. Neste ano, só em setembro, já tínhamos o mesmo número do que em 2017. Há uma curiosidade crescente sobre o país mas isso também é alimentado pela qualidade do produto e dos serviços”, disse Luís Araújo. Contudo, o momento não é de baixar os braços. É sim, acredita o líder do Turismo de Portugal, de apostar na qualificação dos recursos humanos no setor e também na fidelização dos turistas. “Temos de criar essa fidelização com os clientes.”
600 pessoas no congresso
Terminou neste sábado o 44.º Congresso Nacional da Associação das Agências de Viagens e Turismo (APAVT). Depois de o debate ter sido feito em Macau em 2017, neste ano o setor rumou à ilha açoriana de São Miguel para debater quais os desafios de crescimento que o setor enfrenta. Marcaram presença mais de 600 pessoas.
Durante os últimos três dias foram debatidas várias questões, nomeadamente em que fase o turismo em Portugal vai entrar, num momento em que o seu principal mercado emissor está em queda e a concorrência de destinos que estiveram adormecidos começa a surgir. O problema do aeroporto de Lisboa também não foi esquecido.