As bitcoins entraram na rota dos multimilionários e, agora, estão a chegar à compra e venda de casas. Lá fora, trocar imóveis por moeda virtual já é uma realidade em vários países; por cá começam a surgir os primeiros negócios.
Não é preciso ir muito longe. A 30 minutos de Lisboa, em plena Serra da Arrábida, procura-se dono para uma moradia de tipologia T6. Com 1500 metros quadrados, piscina privativa, quatro quartos, quatro casas de banho e ainda dois lugares de garagem, este imóvel de Azeitão é anunciado como uma “luxuosa vivenda” que goza de espaço verde e envolve um campo de golfe com 18 buracos, court de ténis e vários restaurantes. Preço: “975 mil euros ou o equivalente em bitcoins”.
O anúncio surge na página de uma imobiliária australiana especializada em comercialização de imóveis com esta moeda virtual. “Estamos aqui para promover a utilização de bitcoins em transações imobiliárias. Ao vender a sua propriedade, o comprador paga na moeda virtual bitcoin, e o vendedor recebe dólares, euros, etc”, explica a promotora na sua página web.
Em fóruns especializados, alguns portugueses anónimos, também já se oferecem para vender as imóveis a estrangeiros, em troca de bitcoins. Nestas páginas, os vendedores promovem os golden visa e as políticas fiscais mais generosas para os residentes não-habituais. Os interlocutores surgem de várias pontas do mundo, da Rússia à China. Há inclusive um português que admite já ter vendido a sua casa neste novo modelo da blockchain.
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Nas várias imobiliárias portuguesas contactadas pelo Dinheiro Vivo ainda não se fecharam negócios. Mas os profissionais assumem que já têm sido sondados em relação a esta possibilidade, ainda que admitam que a entrada das novas regras de prevenção ao branqueamento de capitais (em agosto) não facilite a compra numa moeda cuja origem do dinheiro não consegue ser rastreada.
“Em Portugal temos de ter em atenção a lei de branqueamento de capitais onde a mediação imobiliária tem um papel muito importante. Somos obrigados a reportar toda a informação e é um entrave grande à entrada deste tipo de transacções”, assume Ricardo Sousa, CEO da Century 21. “Na verdade, temos evitado estudar estas oportunidades apesar de ser marginal e quando surge ser mais num plano informal”, referiu ao Dinheiro Vivo.
Nem a Remax, Era, Porta da Frente/Christie’s ou Worx foram confrontadas, para já, com esta realidade.
João Pedro Pereira, da comissão Executiva da Era Portugal salienta, de qualquer forma, que “a bitcoin é um produto de risco, um investimento altamente especulativo, que não está regulamentado pelo Banco de Portugal”, o que coloca o euro como a única moeda efetivamente admitida para compras e vendas.
“Pessoalmente acredito que as bitcoins ainda estão numa lógica muito especulativa que cria riscos acrescidos para quem quer transacionar num mercado como o imobiliário, que é físico, tangível, de património”, adianta, por sua vez, Ricardo Sousa, da Century 21.
Luís Lima, presidente da APEMIP, a associação que representa o setor, ainda não tem os números de 2017 completamente fechados. Diz, porém, que “até novembro não há dados que indiquem o fecho de nenhuma transação desta natureza em Portugal”, através imobiliárias registadas. O tema, destaca, “já começa a surgir, mas a procura ainda não é muita. Fala-se - e a partir do momento em que começa a falar-se rapidamente se torna real”, destaca.
Como fazer quanto à Lei de Branqueamento de Capitais, que obriga à comunicação dos valores e origem do capital? “A bitcoin não é uma moeda e se o banco de Portugal nos diz que não é uma moeda, efetivamente o preço não é pago em numerário. Agora nada impede que exista uma permuta”, adianta Jorge Silva, bastonário da Ordem dos Notários, ao Dinheiro Vivo.
O que significa? “Assim como eu posso trocar uma casa por outra casa, um carro ou um barco, nada impede que possa trocar bitcoins por uma casa”. Isto é: o negócio passa a ser classificado como uma permuta em vez de uma compra em numerário. “Posso dizer que se vierem ao meu cartório eu faço o registo”, completou o responsável.