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Apesar das expetativas otimistas quanto às receitas do turismo este ano, Bernardo Trindade, recém-eleito presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), alerta para a necessidade de mais apoios às empresas. O também antigo secretário de Estado do Turismo diz que o setor está disponível para contribuir para a retoma económica mas que, para isso, é necessária uma boa saúde financeira das empresas. E pede mais apoios a fundo perdido em vez de linhas de crédito que "acrescentam mais dívida a um balanço frágil".
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A época alta está à porta. O verão vai superar os valores pré-pandemia no turismo?
Estamos numa fase de muita expetativa. Depois dos anos excecionais até 2019, nos quais atingimos, pela primeira vez, no setor do turismo, 19 mil milhões de euros em receitas, tivemos um lockdown. Fechámos em 2021, por causa da pandemia, o que afetou a hotelaria e o turismo que dependem da mobilidade para terem os seus clientes. Este ano estamos a sentir confiança neste regresso. Fizemos, no início de 2022, uma previsão para atingir 15 mil milhões de euros de receitas mas, nos dois meses já fechados, segundo o Banco de Portugal (BdP), a quebra é apenas de 12%. Tivemos uma Páscoa que correu bem e estamos a ter, na generalidade do país, números muito encorajadores do ponto de vista das reservas. Não quero estar a ser muito otimista mas penso que é justo que possamos ser moderadamente otimistas em sede de receitas.
Face ao otimismo que refere, que valor será possível somar a esta estimativa de 15 mil milhões de euros?
Neste momento não quero fazer grandes previsões. Até porque estamos em maio e vamos ter um contributo muito significativo do verão, na generalidade das regiões do país. As informações que temos, do inquérito que fazemos junto dos nossos associados, apontam para uma recuperação. Do ponto de vista das receitas é um sinal encorajador.
Os mercados emissores tradicionais, como o Reino Unido, a Alemanha ou a França, continuarão a assumir o protagonismo ou haverá mudanças?
A Madeira, por exemplo, era muito servida por esses mercados tradicionais e, durante a pandemia, teve oportunidade de receber novos mercados como a República Checa ou a Polónia. O que estamos a sentir este ano é, felizmente, o regresso dos mercados que mantiveram sempre com Portugal uma relação de grande confiança, como o Reino Unido, os Estados Unidos ou o Brasil.
Relativamente a investimentos, quantos hotéis novos vão abrir portas este ano?
Esse é um balanço que temos de ir acompanhando. Não nos iludamos; enfrentámos dois anos muitíssimo difíceis e, obviamente, muitas decisões de investimento tiveram de aguardar. Temos de perceber em que medida é que esta recuperação é sustentável. A atividade turística é de muito capital intensivo. Não tenho uma resposta mas sei que há um conjunto de intenções de investimento. Agora é preciso acompanhar e ver se elas se vão materializar.
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A inflação e o consequente aumento dos preços da energia, matérias-primas e dos serviços podem beliscar, de alguma forma, a operação da hotelaria nos próximos meses?
Estamos confrontados com uma inflação generalizada dos custos de produção como a eletricidade, o gás e a cadeia alimentar. As unidades hoteleiras também são servidas por um conjunto vasto de prestadores de serviços e todos atualizaram os preços para cima. Estamos a sentir confiança na receita mas estamos confrontados com uma espiral de aumentos da despesa que, no fim do dia, leva-nos a avaliar bem a rentabilidade da nossa operação e olhar para as questões de novos investimentos. A gestão de uma unidade hoteleira pressupõe, permanentemente, um olhar muito cuidado em relação aos investimentos que são necessários para mantê-la.
Essa avaliação vai acabar por recair no aumento do preço por noite?
É natural que, numa economia de mercado em que a generalidade dos fatores de produção está mais cara, possamos refletir no cliente esse preço de venda. É evidente que não é um processo imediato, depende muito das regiões onde se inserem esses investimentos e da própria saúde financeira da empresa. Diria que com o caminho que percorremos até aqui, é legítimo que possamos passar algum desse efeito para o preço final.
Portugal pode beneficiar da fama de destino seguro para atrair mais turistas?
Podemos beneficiar em função de um caminho que percorremos até agora. Sabemos hoje que por causa da pandemia a generalidade da população quer sair do seu país e fazer férias. Portugal aparece como um destino muito interessante para ser visitado. Havia uma enorme expectativa até 2019. Não perdemos nada do que tínhamos, reforçámos os bons motivos pelos quais somos visitados, e desse ponto de vista, podemos ser otimistas.
O governo anunciou o reforço da Linha de Apoio ao Turismo com mais 150 milhões de euros, através do Banco de Fomento. É suficiente?
Numa situação de partida, que era frágil ao nível da capitalização das empresas, o surgimento do Banco de Fomento, ágil e com capacidade de resposta às solicitações das empresas, é um aspeto que saudamos e que queremos muito acarinhar. Há uma outra dimensão, que tem a ver com um histórico de linhas de crédito que têm de, necessariamente, sofrer uma evolução. Já foi dado um primeiro sinal, por altura da covid, com a linha Apoiar, que tinha uma componente de conversão a fundo perdido. Não nos iludamos uma vez mais; a situação pós-covid veio fragilizar ainda mais a estrutura patrimonial das empresas. Uma das soluções é termos linhas de crédito que possam ser convertíveis em fundo perdido para que não estejamos a deitar mais dívida sobre um balanço frágil. É um apelo que fazemos: queremos um Banco de Fomento ao serviço das empresas e, por outro lado, a possibilidade de revisitar o Apoiar.
Há apoios para os quais o setor não é elegível. Por exemplo, a linha de crédito de 400 milhões de euros para enfrentar as subidas dos preços da energia. Esta linha deveria abranger a hotelaria?
Como é evidente, porque o setor da hotelaria depende muito desse fator e quer, de alguma maneira, ser beneficiário de um esforço nacional que está a ser feito no sentido de auxiliar as empresas.
A hotelaria é uma indústria intensiva de energia?
É, enquanto consumidora. Uma unidade hoteleira com duzentos quartos tem tudo a funcionar dependendo do fator energético. Havendo decisão em torno de um qualquer apoio, obviamente, deve contemplar o setor hoteleiro.
Vão argumentar junto do Ministério da Economia para que isso possa acontecer?
Estamos fortemente empenhados em fazer a identificação de todos os fatores que constituem constrangimentos no momento atual do pós-covid e da guerra na Ucrânia. Ouvimos o ministro das Finanças, Fernando Medina, na apresentação do Orçamento do estado para 2002 falar num crescimento de 4,9% [do PIB]. O governo conta com o turismo e com a hotelaria para serem parceiros ativos nessa recuperação. É fundamental encontrar no governo disponibilidade para olhar para estes fatores de constrangimento e traduzi-los em medidas que possam ser apoios importantes.
O governo decidiu uma nova organização da secretaria de Estado do Turismo, que partilha a pasta com o comércio e serviços. Foi retirado peso ao turismo?
O facto de a Rita Marques continuar como secretária de Estado é positivo. As organizações são também as pessoas e sei que ela está muito empenhada na concretização deste grande projeto para o país que é a afirmação turística enquanto fator de criação de riqueza. Mas não gostaria de situar esta questão apenas na tutela direta. O ministro das Finanças é alguém com sensibilidade para a questão das empresas e para olhar para os instrumentos que existem e, de alguma maneira, libertar as verbas necessárias para que esse dinheiro chegue às empresas. Desta conjugação pode resultar uma situação que seja aceitável. Se há uma perspetiva de recuperação económica ela passará muito pelo contributo do turismo. Obviamente que isso só acontece com empresas saudáveis e com medidas tendentes a apoiá-las.
O que espera a AHP deste novo governo de maioria absoluta, além destes apoios às empresas do setor?
É o tempo de reformar sem desculpas, de olhar para a Concertação Social como um fórum importante de diálogo entre empregadores e sindicatos. De podermos construir em conjunto medidas que valorizem o país, as suas empresas e os trabalhadores.
O setor perdeu 45 mil trabalhadores nos últimos anos. Há forma de os recuperar?
Tem de haver forma. Temos de fazer em, primeiro lugar, este debate e perceber porque é que o setor que mais empregou em Portugal até 2019 perdeu 45 mil pessoas, entre 2019 e 2021. Há um conjunto de medidas que devem ser utilizadas como a questão dos salários. Não há nenhum associado da AHP que não esteja já a atualizar os seus salários junto dos trabalhadores. Quando assinamos, recentemente, o acordo coletivo com o Sindicato dos Trabalhadores do Setor de Serviços (SITESE), quisemos, no fundo, salientar a nossa disponibilidade para rever salários e carreiras. Também, e como contrapartida desta assinatura deste acordo, trazemos mais flexibilidade com a consagração do banco de horas porque isso é algo reclamado pelas empresas e pelos próprios trabalhadores.
Há, por outro lado, outro conjunto de instrumentos, nomeadamente quando falamos de mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para podermos trazer concidadãos a trabalhar em Portugal. O processo deve ser o mais célere e ágil possível. Apelamos a que os próprios consulados sejam parte ativa neste processo.
Estavam em cima da mesa acordos com países como o Brasil, a Índia ou as Filipinas.
E devem ser reforçados porque já temos cidadãos oriundos desses países em Portugal. O meu apelo é, uma vez mais, estendermos os princípios orientadores do acordo de mobilidade CPLP a outros países e isso, obviamente, além do protocolo precisa de refletir uma atitude por parte dos serviços. A nossa expectativa é a de o resultado final possa ser bom para o país e bom para o setor.
Em que consiste a revisão dos salários em curso? Há abertura para se começar a pagar acima do Salário Mínimo Nacional (SMN)?
Historicamente a hotelaria sempre liderou o pagamento de salários no setor do turismo. Hoje, em resultado também desta necessidade, já estamos a fazê-lo diariamente no processo de recrutamento que é muito dinâmico. Há um conjunto de unidades hoteleiras que reabriram e temos hoje, com menos pessoas, uma necessidade adicional que é suprida com um pagamento do salário mais elevado.
Estamos a falar de que valores?
Acho que não é importante. A AHP tem mais de 800 associados, de Trás-os-Montes ao Algarve, e obviamente que estamos a falar de realidades que são, apesar de tudo, diferentes. Não é relevante referir o valor mas sim sinalizar esta disponibilidade de queremos dar condições para que venham a trabalhar no setor da hotelaria.
Há disponibilidade da associação para negociar com outros sindicatos um novo estatuto de carreiras para o setor?
Já o fizemos com o SITESE e estamos disponíveis para continuar este diálogo com outros sindicatos. O nosso ponto de partida são os ganhos de causa que tivemos no acordo coletivo de trabalho com o SITESE.
O setor mostrou-se disponível para empregar refugiados ucranianos, como está a correr este processo?
Através do programa HOSPES já tivemos oportunidade de doar cerca de 3700 bens e empregar junto dos nossos associados 29 pessoas oriundas da Ucrânia.
A via aérea é o principal acesso de turistas ao país. Qual é a importância das companhias low-cost nesta fase de recuperação?
As companhias low-cost são um instrumento fundamental no tráfego de médio curso. A sua presença tem sido reforçada ao longo de anos. Quando isto começou, desempenhava outras funções [secretário de Estado do Turismo] e tive oportunidade de advogar essa presença forte em função de uma realidade nova que era a de um turista mais informado e decisor do seu processo de viagem. As low-cost resultam desse tempo e têm vindo a ganhar espaço na generalidade das infraestruturas aeroportuárias do país.
Qual deverá ser o futuro dos 18 slots da TAP que estão agora em disputa entre a easyJet e a Ryanair?
É importante que desta disponibilização de slots em função da própria aprovação do plano de reestruturação da TAP possam surgir oportunidades importantes em Lisboa, nomeadamente em sede de diversificação de mercados, porque isso é interessante para a própria viabilidade da região.
A TAP está a cumprir o seu papel na coesão territorial?
É importante situar a questão da TAP num conceito mais amplo, que não só a questão das geografias. A TAP é um instrumento de soberania muito importante no serviço que presta às regiões autónomas, aos PALOP, à nossa diáspora, e tem, obviamente, responsabilidades ao nível do país. Entendo que em resultado do processo de reestruturação e da libertação de slots em Lisboa essa capacidade aérea pode ser ocupada noutros aeroportos portugueses. A TAP voar mais para o Porto ou para o Algarve, tem de ser um trabalho muito participado com as regiões, com a companhia, no sentido de uma avaliação muito criteriosa. Fazer contas por cada uma das rotas e tirar conclusões. O país está a recuperar, está cada vez a ser mais visitado e interessado e a TAP é um instrumento fundamental na mobilidade de turistas para o nosso país, nomeadamente no longo curso. Nos mercados americano e brasileiro a TAP ocupa uma posição de liderança.
A TAP cortou sete rotas e 705 mil lugares no Porto, este verão, e serve o Algarve com três ligações Lisboa-Algarve. É uma oferta suficiente?
Com a perda de slots em Lisboa resulta uma capacidade aérea adicional da TAP para voar para outros aeroportos nomeadamente para o Porto e para Faro. Esta opção deve ser muito estudada, deve ser objeto de uma participação das próprias regiões. Os aeroportos de Faro e do Porto, as entidades regionais de turismo do Algarve e do Porto e Norte devem participar neste processo de alargar as opções que existem neste momento.
O novo Aeroporto de Lisboa terá mais dois anos para uma Avaliação de Impacte Ambiental . É tempo a mais?
Sobretudo se pensarmos que estamos há mais de 50 anos nesta discussão. Portugal pode dar-se ao luxo de estar a dispensar clientes e turistas por causa de uma não existência de slots? Temos assim tantas atividades económicas e de interesse? Já fizemos muitas avaliações mas é também o tempo de decidir. Espero, sinceramente, que um governo com maioria absoluta possa decidir sobre um dossier desta importância. Nas respostas que o país procura encontrar, no sentido de voltar a ser economicamente rentável, um aeroporto na nossa principal cidade é um instrumento fundamental.
Perante os níveis de projeção da evolução do turismo é possível que Portugal se confronte, novamente, com um aeroporto esgotado?
É um risco que corremos. Há pouco falávamos no Porto e no Algarve e pode resultar também numa oportunidade para estas infraestruturas aeroportuárias de serem uma alternativa relativamente a Lisboa. Em Lisboa é um tema que temos de tratar. Já era um tema em 2019, a recuperação está a fazer-se muito rapidamente, e, muito em breve, seremos confrontados com esta realidade.
As filas no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), no aeroporto de Lisboa, têm sido apontadas como um mau cartão-de-visita para os turistas que chegam ao país.
Estamos a falar de tráfego não Schengen, vindo dos Estados Unidos, África, por exemplo, e que se confronta, no início da manhã, com filas de espera intermináveis, que chegam a ter três horas. O que o setor da hotelaria reclama é que as as 16 boxes que existem no aeroporto de Lisboa estejam em capacidade máxima nesses períodos, entre as 06h e as 10h e novamente à noite. Quem visita Portugal vem cheio de expectativas. Não podemos defraudá-las num momento como este. O aeroporto de Lisboa não pode ser um mau cartão-de-visita para quem num primeiro momento tem uma enorme expectativa com Portugal.