Gonçalo Rebelo de Almeida: "É difícil aceitar um novo aeroporto longe de Lisboa"

O administrador do grupo hoteleiro Vila Galé acredita que este ano turístico será melhor do que o de 2022, que registou um recorde de receitas. E defende que a Jornada Mundial da Juventude, além de encher hotéis, vai projetar a imagem do país.

Gonçalo Rebelo de Almeida está otimista para os próximos meses. O administrador do segundo maior grupo hoteleiro português, que conta com 37 unidades em Portugal e no Brasil, mostra-se confiante com a atividade turística deste ano, que admite poder vir a bater um novo recorde. A inflação já pesa menos nas contas da empresa que emprega mais de 1300 pessoas, e a aposta em mercados promissores, como os Estados Unidos ou o Brasil, é um dos caminhos que o turismo do país deve seguir, defende.

A Vila Galé encerrou 2022 com receitas de 135 milhões de euros, mais 17,5% do que em 2019. Este recorde foi, em muito, sustentado pelo mercado nacional, que representa quase metade das dormidas na vossa operação. Este ano, com a inflação à espreita, os turistas portugueses terão nível de poupança para as férias?
Cada vez mais nos habituamos a gerir em climas de incerteza; sejam fenómenos económico-financeiros, conflitos, ou questões climáticas. As nossas previsões para 2023, mesmo com algum grau de incerteza, são relativamente otimistas. Sentimos que os mercados europeus estão sólidos, o mercado português continua a responder, estranhamente, apesar destes problemas relacionados com a inflação e com a perda de poder de compra que se avizinha.

Partilha do otimismo demonstrado pelo Turismo de Portugal que, na semana passada, na Fitur, dizia que este ano será superior a 2022?
Sim. Em 2022, o primeiro trimestre ainda foi impactado pelo fim da pandemia, os primeiros três meses foram bastante fracos e este ano serão claramente melhores. Se isto acontecer e os restantes meses se mantiverem em linha com 2022, a probabilidade é que o ano de 2023 seja melhor.

Quais são as expetativas para a Jornada Mundial da Juventude? Já têm hotéis esgotados?
Já. Mas o evento é importante porque acaba por trazer benefícios acrescidos não só para a semana em que acontece, mas também na projeção da imagem do país. As pessoas estão muitas vezes focadas só nos dias do evento e não é tanto a receita ou o resultado dessa semana isoladamente. Tipicamente, o mês de agosto já é bastante forte no turismo, os hotéis já registam elevadas taxas de ocupação mesmo nas zonas de cidade. A grande vantagem deste evento, como de outros, são os efeitos indiretos que podem trazer para o futuro, em termos de projeção do país e do efeito mediático.

O país recebeu menos turistas em 2022 mas atingiu um recorde de receitas de 22 mil milhões de euros, conforme anunciou o ministro da Economia. A aposta do turismo deve continuar a passar pelo cliente com maior poder de compra?
Portugal tem já um número bastante significativo de turistas internacionais e nacionais face à dimensão do país. Terá ainda alguma capacidade de crescimento em número de visitantes, se tiver a habilidade de desconcentrar a presença destes turistas. Portugal, até determinada altura, foi promovido como o destino barato da Europa. Mas a qualidade das infraestruturas, da gastronomia, do património, da natureza e de todos os atributos que justificam o sucesso de Portugal - que não é sorte nem moda, como muitos referem - fez com que o país deixasse de ser procurado apenas por ser mais económico do que era o sul de França, de Itália ou a Grécia. Hoje em dia, Portugal tem tido um posicionamento de aproximação, ou seja, reconhecer que o nosso produto não é pior do que se encontra em França ou Itália e que temos condições para estar mais aproximados num contexto europeu. E isso justifica que as receitas tenham crescido e continuo a achar que esse é o caminho de Portugal: valorizar o produto, havendo espaço para todo o tipo de clientes.

Perspetiva-se um aumento das tarifas este ano, seja por essa cadeia de valor ou pela inflação?
Portugal vinha a fazer esse caminho desligado da inflação, de olho nos destinos concorrentes, e percebendo que tínhamos margem para melhorar o preço de venda. A novidade de 2022 é que, além desta estratégia de posicionamento, que era mais gradual, a pressão da inflação fez aumentar os preços. Fala-se numa inflação de 9% ou 10%, mas, por exemplo, nas nossas contas, a componente alimentar atingiu os 23%. É impossível, a determinada altura, não ter de fazer refletir algum aumento de preços, neste caso em particular, nas refeições ou nas bebidas.

E será assim este ano também?
Já estamos a sentir algum abrandamento desta tendência. Houve ali um misto de aumento dos custos reais, com os transportes e energia que teve impacto em muitas indústrias e depois houve um susto, todos os meses parecia que os preços estavam a aumentar. Tivemos artigos que durante 2022 sofreram quatro aumentos de preços e isso acalmou no final do ano passado. Os dados provisórios já indicam um abrandamento da inflação em janeiro que também já sentimos. Não considero que os preços vão voltar a descer, mas pode haver um abrandamento na subida e, consequentemente, refrear um pouco a taxa de inflação.

O mercado norte-americano tem crescido no país e apresenta-se como promissor. A captação destes turistas está a ser bem feita?
Apesar da dimensão, durante algum tempo, a percentagem de norte-americanos a viajar para o exterior era reduzida e Portugal estava fora do radar destes turistas quando vinham para a Europa. Existiu depois um investimento em comunicação e em promoção do destino de Portugal nos Estados Unidos e, por outro lado, houve também uma melhoria das ligações aéreas que potenciou o crescimento desse mercado - e aqui não há dúvida nenhuma de que existe um trabalho da TAP e de outras companhias aéreas. É um mercado grande e que facilmente descobre o interior do país. Temos dois hotéis no Douro que têm um fluxo grande de norte-americanos, superior a alguns mercados europeus que estão mais próximos. Para eles, as distâncias em Portugal são muito curtas e fazer duas ou três horas de carro é simples. É um dos atrativos de Portugal, num curto espaço de território existe uma grande diversidade de produtos.

É essencial que a TAP continue a apostar nesses mercados?
O desenvolvimento quer dos Estados Unidos quer do Brasil enquanto mercados emissores deve-se muito ao número de ligações da TAP a estes destinos. A estratégia da TAP de crescer para os Estados Unidos parece-me acertada e ajudou a potenciar o crescimento destes turistas. Não conhecemos em detalhe os planos estratégicos e de futuro da TAP, mas espero bem que passe pelo desenvolvimento nos Estados Unidos e no Brasil

Como viu a possibilidade defendida pelo ministro da Economia da venda da TAP à dona da Ibéria?
Tem de ser encontrada uma solução para a TAP por um conjunto de razões. Portugal, para se continuar a desenvolver enquanto destino turístico e para manter o número atual de turistas, precisa de uma estratégia de transporte aéreo sólida e consistente que tem de passar por ter um conjunto de ligações aéreas a vários destinos. É importante pensar na estratégia do que se quer para a TAP: queremos uma companhia mais pequena, para fazer só a Europa, redimensionar a companhia, como já se falou, ou queremos apostar numa companhia para continuar a crescer? Perante estes cenários é importante Portugal manter um bom leque de ligações aéreas. Não tenho nenhuma convicção profunda [relativamente ao futuro dono], a minha preocupação é que existam boas infraestruturas aeroportuárias, boas companhias aéreas a operar para Portugal, fiáveis, credíveis, sólidas, e um número de ligações alargado. Se for com a TAP é com a TAP, se for com a Lufthansa ou com a Ibéria, que seja.

Só no final do ano é que será conhecida a proposta para a nova localização do novo aeroporto de Lisboa. Que impacto tem esta demora no turismo?
Os constrangimentos no aeroporto de Lisboa já são conhecidos há algum tempo. A decisão já demorou muito mais do que seria desejável, a infraestrutura de um aeroporto não é algo que se desenvolva num curto espaço de tempo, é complexo desenvolver esse investimento. A decisão tem de ser tomada e assumida além de qualquer ciclo político ou eleitoral que venha a existir, não tenho dúvidas nenhumas. Já vem atrasada, já deveria ter sido tomada há muito tempo e estes avanços e recuos só atrasam o processo. Vai haver um momento em que teremos mais procura do que capacidade de receber. É preciso tomar a decisão o mais rapidamente possível.

Das localizações já debatidas, como Montijo e Alcochete, além da Portela, somam-se também Santarém, Beja e Alverca. Qual entende que seria a mais vantajosa?
Há uma série de condicionantes, relativas à circulação no espaço aéreo como questões ambientais e logísticas. O estudo do aeroporto é um assunto complexo. Faz-me confusão que a decisão sobre o aeroporto de Lisboa vá parar a distâncias significativas. Isto tem de ser visto do ponto de vista dos turistas que chegam, o tempo de deslocação que vão enfrentar para um aeroporto que fique longe - e tenho dificuldade em aceitar uma decisão que seja muito longe. Qualquer uma delas tem de assegurar transportes rápidos ao centro da cidade, ou comboio ou metro. Não há outra solução possível para que o nosso aeroporto fique competitivo com outros aeroportos na Europa. Do ponto de vista do curto prazo, acredito que as soluções que estavam mais desenvolvidas e mais estudadas talvez fossem mais fáceis para ganhar algum tempo. Meter mais opções na equação, num processo que se arrasta há mais de 60 anos, não sei se será o melhor.


Outra questão que continua a pressionar o turismo é a falta de mão-de-obra especializada. Este ano, a Vila Galé vai aumentar em 11% os vencimentos e fixar um salário mínimo de 900 euros. É suficiente para resolver o problema?
Não sei se será suficiente, mas é o que consideramos que é justo e possível, atendendo à conjuntura. O país e as empresas têm de fazer um esforço para tentar melhorar as condições de trabalho das pessoas e, em particular, a remuneração. Toda a gente tem uma vida e contas para pagar e não vale a pena escamotear, os vencimentos em Portugal, genericamente, são baixos, não é um problema específico do turismo ou da hotelaria, é transversal a muitas indústrias e há um gap nos vencimentos face à média europeia. Estamos a tentar recuperar e dar avanços maiores do que o ritmo nacional. Fazemos isto porque achamos que é justo, que as nossas pessoas o merecem, achamos que vão ter melhor performance com base nisto e que nos tornamos mais competitivos enquanto empregadores.

Com 50 mil trabalhadores em falta no turismo em Portugal, acredita que a solução tem, inevitavelmente, de passar pela imigração?
Matematicamente não há outra solução, por muito que isto custe dizer às pessoas. Em Portugal, não se tem dado a devida importância à perda consecutiva da população ativa. O país, felizmente para nós, tem mais oportunidades de emprego face ao número da população portuguesa. Se queremos continuar a crescer e se há oportunidades de negócio são precisas pessoas. Não temos pessoas e aqui acredito que se deveria olhar para isto numa visão de mais longo prazo e retomar algumas políticas de incentivo à natalidade. Mas, no imediato, não há outra hipótese, têm de ser criadas condições. Foram dados passos para facilitar algum tipo de vistos para procura de trabalho, mas precisamos de criar condições de alojamento e de transporte para estas pessoas. Portugal tem boas ligações ao Brasil e aos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa] e pode ser um mercado interessante para trabalhar.

Estes programas de mobilidade estão a funcionar?
Ainda estão a arrancar. Será necessário alguns programas a nível autárquico na criação de pólos de habitação para que estas pessoas tenham condições de vida. Deve ser parte de uma estratégia nacional que tem de envolver o Estado, as empresas e as autarquias locais.

Com quatro novos hotéis e o verão a aproximar-se, quantos trabalhadores estimam contratar este ano?
Este reforço sazonal representa cerca de 400 pessoas. Temos vindo a reforçar também o número de pessoas que mantemos durante as épocas baixas e estamos a fazer um esforço adicional neste sentido. Este inverno mantivemos mais pessoas do que as necessárias para o trabalho que existe.

Como vê a generalização das taxas turísticas municipais? Agora é a cidade de Coimbra que se prepara para aprovar, ao contrário dos Açores que abandonou a medida.
Isto é mais próximo de uma taxa de cidade do que de uma taxa turística. Muitos concelhos estão a esquecer-se dos pressupostos que estiveram na iniciativa de Lisboa quando fez isto. A pressão de Lisboa com o turismo é completamente diferente do que acontece noutras zonas do país. Em Lisboa, nalguns casos, tem sido desvirtuada porque tem sido utilizada para fazer face a despesas correntes da câmara e não tanto por causa da pressão turística. Mas também tem sido alocada ao desenvolvimento de novos equipamentos e de novas ofertas quer para o turista quer para os residentes. Foi o caso do elevador da ponte 25 de abril, do Pavilhão Carlos Lopes, do Lisbon Story Center. Quando é utilizada para fazer face a despesas correntes da câmara já não concordo.

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