Em criança vinha a Lisboa e via os sinais nas janelas a anunciar vendas e arrendamentos. Diz que hoje isso acabou e aponta o dedo ao governo e ao Parlamento. A culpa, conta Luís Menezes Leitão, não é do alojamento local (AL), é da desconfiança dos proprietários em relação ao arrendamento.
Nunca se falou tanto de habitação, da falta de arrendamento, da turistificação das cidades. Acaba de ser criada uma nova Secretaria de Estado da Habitação. Quais são as expectativas?
Não temos grandes expectativas porque uma simples alteração da estrutura do governo não tem, por si só, significado se não houver uma alteração das políticas. Desde que este governo tomou posse que têm sido adotadas medidas contra os proprietários e o mercado de arrendamento e que conduziram ao disparar das rendas e à falta de oferta de casas. A Secretaria de Estado aparece como um exercício de má consciência para dizer “depois de tudo, agora vamos mostrar que estamos preocupados”.
Vem tarde?
Vem muito tarde e não vemos que possa reverter as situações que têm sido criadas. Porque tudo o que se tem passado tem sido da competência do Parlamento onde aparecem sucessivas iniciativas, algumas delas até desgarradas do próprio grupo parlamentar.
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A ALP acaba de dar o seu contributo com a entrega de propostas - e já falamos delas - para que “o mercado de arrendamento não morra”. Corremos esse risco?
Corremos porque quando não se conhece a história repetem-se os erros, e é o que se está a passar. Nós deixámos o mercado de arrendamento cair a pique por causa do congelamento das rendas. O mercado de arrendamento passou de 1 085 000 contratos em 1981 para cerca de 550 mil em 1991. Em dez anos perdeu mais de metade. Quando começou a atenuar-se o congelamento das rendas, a partir dos anos 1990, começou a subir. Lentamente, mas atingiu 700 mil contratos, depois 778 mil...
Quantas rendas existem atualmente?
Andamos à volta dos 700 mil contratos. A partir de 2012, a lei das rendas trouxe uma clara subida do arrendamento. Somos, aliás, da opinião que a lei fez mais pelo mercado de arrendamento em semanas do que todas as leis anteriores em décadas. Em 2014, quando foi feita a primeira a reversão para prorrogar o prazo dos arrendamentos comerciais, houve logo uma quebra de confiança. O mercado começou a cair novamente, e em 2016 houve nova quebra.
Há desconfiança dos proprietários em relação ao arrendamento?
Muita desconfiança.
O que temem?
Teme-se o risco político. As pessoas estão escaldadas e não perderam o trauma em relação a iniciativas que foram tomadas. Os prédios velhos pertencem a pessoas idosas e essas pessoas recordam-se do que eram as rendas congeladas, arrendamentos à força ordenados pelas câmaras municipais, logo em 1975.
Esse risco político está muito na memória das pessoas, que ainda hoje estão sem recuperar as casas que foram arrendadas à força nesse período. É natural que quando surge um governo que manifesta profunda hostilidade contra os proprietários, e que parece adotar como bandeira qualquer projeto por mais absurdo que seja, que as pessoas desconfiem e não arrendem.
Os custos fiscais também são enormes. Só em IRS mais de um terço do ano é perdido a favor do Estado, é preciso pagar o IMI, agora acrescentou-se o adicional ao IMI, um fator que sempre dissemos que iria fazer disparar as rendas...
Qual é a ordem dessas subidas?
Sobre essa matéria só temos os dados do Confidencial Imobiliário que nos dizem que a valorização residencial afeta todo o país e que a dinâmica de valorização chega a atingir em alguns casos valores na ordem dos 8%.
Em todo o país estará num valor mais baixo; em certas zonas de Lisboa tem vindo a subir, o que é um fator que o governo não deveria excluir. Se faz tributações exclusivamente destinadas a imóveis habitacionais, naturalmente que o que vai ser afetado é o setor habitacional. E que resultam de uma proposta ideológica, por iniciativa da deputada Mariana Mortágua. Muitas pessoas pensaram em livrar-se dos imóveis porque o custo do imposto é enorme.
Portugal sempre foi um país de proprietários. Ainda é?
Neste momento é um país de pequenos proprietários porque as pessoas preferem ter casa própria do que arrendar. Nem é uma cultura muito correta, pelo menos na fase da juventude. Deviam primeiro arrendar e não ficarem presos por 30 anos a uma casa que pode perder valor. Hoje há menos risco com o euro, mas há o risco da desvalorização dos imóveis, que já se verificou e que receio que volte a acontecer em breve.
Corremos o risco de vir a ter a crise no imobiliário que não tivemos em 2008?
Está a haver de facto uma bolha muito grande no setor imobiliário e, nestes casos, pessoas que comprem casa hoje podem ser confrontadas com uma descida de valor, é inevitável e é um risco que não existe no arrendamento.
O presidente da associação das casas antigas, um colega com muita experiência, disse expressamente que nunca existiu uma bolha como esta em Portugal. É a sua opinião e eu corroboro. E é uma bolha causada por diversos fatores, um deles a desconfiança no arrendamento e que leva a um aumento do investimento para posterior venda. Depois há os vistos gold em que o investidor tem de gastar 500 mil euros e que obriga a que o imóvel tenha de valer 500 mil euros.
Mas os vistos são para estrangeiros. No caso dos portugueses já se sente dificuldade em encontrar casa a preços comportáveis nos grandes centros urbanos, mesmo para compra...
Isso não sei. Tem havido investimento português no setor imobiliário. Tem havido por investidores que, com grande coragem, fazem investimento mesmo quando pode não haver rentabilidade suficiente. O que estamos a assistir é a uma subida muito grande do preço das casas. E isso relaciona-se com o congelamento das rendas, que leva a que as casas fiquem vazias, porque as pessoas evitam arrendar, que era o que se passava nos anos 1980, quando as rendas estavam congeladas.
Quantas casas vazias há em Lisboa?
Não tenho esses dados, mas sei que há muitas casas vazias. Embora deva dizer-se que deixar uma casa vazia é um grande fator de penalização para o proprietário.
Num cenário em que se prefere ter casas vazias a arrendá-las, o que é que se diz aos jovens que querem habitação no centro da cidade e não conseguem?
Temos de distinguir várias situações. Há situações em que estão a ser usadas para os turistas, mas eram sítios onde a população não queria residir, porque não havia elevadores, acessos, não havia nada. Em Lisboa ainda há sítios com rendas razoáveis, por exemplo, Lumiar, Marvila, Benfica, que não estão tão afetadas pelo alojamento local.
A maneira de conseguir baixar as rendas é ganhar confiança relativamente ao mercado. Foi o que se passou com a lei das rendas. Eu lembro-me de ser criança e de vir a Lisboa e haver escritos nas janelas, imensas casas para arrendar, era só escolher. Voltei a ver esses escritos nas janelas quando surgiu a lei de 2012.
Mas construção nova não há...
Sim, parou, mas também não podemos continuar a construir como se não houvesse amanhã. Principalmente a construir nos subúrbios criando uma população completamente afetada. Temos é de reabilitar os setores das nossas cidades para permitir que as pessoas cá vivam, em vez de manter as cidades com rendas congeladas até que um prédio caia.
... e a pouca reabilitação que há neste momento está a ser dirigida para o turismo.
Mas isso tem uma explicação e eu até acho que é uma oportunidade que não se devia perder. A Câmara de Lisboa fez um estudo e concluiu que só para reabilitar os imóveis de Lisboa, e grande parte pertence à CML, precisaríamos de oito mil milhões de euros. Isso corresponde a 10% do que Portugal pediu emprestado à troika. Só para Lisboa. A verdade é que esse dinheiro ninguém tinha: não tinham os proprietários, o Estado, não tinha a câmara.
O alojamento local permitiu, enquanto o governo não aumentou a tributação, um retorno de investimento que era razoável. Muita gente investiu, mas também estou convencido de que isso é algo que passou. Nem é preciso aquele projeto absurdo que foi apresentado no Parlamento quanto à situação dos condóminos.
Tem uma visão muito otimista em relação ao AL.
Vejo as coisas na sua dimensão. O AL tem 45 mil registos e grande parte no Algarve. Nada tem comparação com os mais de 700 mil arrendamentos que existem. E como disse, o AL é uma bolha: existe mas já teve mais rendimento do que agora. Neste momento perdeu grande parte da atratividade.
Não estão a sair proprietários do arrendamento tradicional para o AL?
Em alguns casos estarão, essencialmente, nas zonas entre o Marquês de Pombal e o rio. Nos outros casos estão a sair do alojamento tradicional sem entrar em mais nada. É um erro a ideia que tem corrido de que acabar com o alojamento local vai trazer mais arrendamento tradicional.
Se não houver confiança, os proprietários não voltam, por muito que lhes seja proibido o alojamento local. Mas, a meu ver, o proprietário tradicional nem tem grande interesse no alojamento local: mudar lençóis, ter uma pessoa disponível a qualquer hora para recolher e entregar chaves... Acredito que o alojamento local não é a razão nem tem a mínima influência no arrendamento.
Como é que assiste a casos de despejos e convites à saída em prédios inteiros, nomeadamente na Mouraria e em Alfama?
Conheço o caso de que se falou de famílias na Mouraria e Alfama porque quis saber o que se passava. Verifiquei que todos esses casos diziam respeito a arrendamentos temporários, não havia rendas antigas.
Estes contratos novos têm um prazo e o inquilino tem de estar preparado para sair. Neste caso, o senhorio vendeu o prédio e o novo proprietário decidiu não renovar contratos quando os prazos terminaram.
No fundo, não estou a ver que haja aqui propriamente a expulsão de inquilinos nem nada que se pareça. Há não-renovação de contratos. Quem quiser ficar eternamente num imóvel tem de o comprar. Se tem um arrendamento temporário, tem de estar preparado para sair.
As autarquias deveriam ter um papel mais fulcral nas questões da habitação?
Na situação da habitação controlada pelas autarquias, muito pouco tem sido feito. O que estamos a ver em Lisboa é algo que me choca. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) é o maior senhorio da capital e tem cerca de cem mil pessoas como suas inquilinas. Neste quadro já temos uma situação que deve ser única na Europa, em que cerca de 20% da população da cidade é inquilina da Câmara Municipal.
Quando a câmara diz que vai ter casas a rendas acessíveis, eu pergunto: mais? Ela já tem tantas casas e é apesar disso um péssimo senhorio. Grande parte dos imóveis estão devolutos. Aí, a intervenção da câmara e da Santa Casa, que são os dois maiores senhorios de Lisboa, seria absolutamente decisiva.