Há um segredo de 188 milhões de euros no Porto. É o efeito multiplicador na economia da ligação entre a universidade e as startups, cada vez mais relevantes para uma região que nas últimas décadas cresceu baseada na indústria.
“O empresário do Norte transformou-se no empreendedor do Norte”, garante Fátima São Simão. Para a diretora de desenvolvimento do UPTEC - Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto “a tradição empresarial no Norte” e a “motivação permanente para não ficar quieto perante a adversidade” justificam o crescimento das startups na cidade Invicta nos últimos anos.
O fator acolhimento também explica boa parte do sucesso. Quando é “aplicado ao novo contexto laboral, é fácil desenvolver um ecossistema de entreajuda”, explica Ricardo Fernandes, cofundador da empresa de desenvolvimento de software Bitmaker, um dos primeiros membros da nova geração de fazedores que nasceu no início da década nesta cidade.
“Esta nova dinâmica começou em 2010/2011. Abri a Bitmaker depois de ter estado seis anos numa consultora”, recorda. Foi um dos primeiros a correr o risco de sair de um emprego estável para fundar uma startup. “Hoje em dia é muito mais fácil dar o salto e fazer o caminho de sair da universidade e criar o próprio negócio”, reconhece este fazedor.
No Porto, o caminho é rápido e fácil. O UPTEC é o epicentro das startups e das empresas na região. Fundado em 2007, conta com 181 empresas instaladas, que dão trabalho a 1900 pessoas.
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“O lançamento do UPTEC correu bem porque estávamos na iminência da crise económica. Com a menor integração no mercado dos alunos formados, houve muita aceitação desta nova geração. Houve muita motivação, quase natural, para as pessoas criarem o seu próprio emprego e meios de sobrevivência”, recorda Fátima São Simão.
As empresas instaladas nesta incubadora têm um volume de negócios de 82 milhões de euros; seis em cada 10 euros são gerados no estrangeiro, segundo os dados da faculdade de Economia da Universidade do Porto.

É a partir do UPTEC que começam quase todas as startups no Porto. ( Lisa Soares / Global Imagens )
Embora tenha uma concentração de startups “muito acima do habitual” é um espaço “onde dá para debater ideias com outras pessoas. Mesmo que os negócios não sejam semelhantes, estamos na mesma missão: criar um negócio, com os seus riscos, mas a fazer uma coisa nossa e que falta no mercado. Isso é saudável para um empreendedor”, destaca André Jordão, fundador da Barkyn, startup que propõe pacotes de subscrição para cães.
O próprio município também se associou a este crescimento, sobretudo desde que Rui Moreira tomou posse, no final de 2013. É a partir do manifesto ScaleUp Porto que a cidade tem promovido a ligação entre as empresas novas e as mais tradicionais, com eventos como a semana Start & Scale, que permite às startups criarem várias oportunidades de negócio com companhias mais tradicionais.
“Constituímos uma verdadeira estratégia para a inovação e empreendedorismo na cidade, assente no conhecimento e no potencial de ideias que se transformam em sucesso. Percebemos que essas empresas tornavam-se grandes e seriam indutoras de emprego, criação de riqueza e muitas destas pessoas que passavam por essa alavancagem depois acabavam por criar as suas empresas”, recorda o vice-presidente, Filipe Araújo.
Com o triângulo startups-universidade-câmara em velocidade de cruzeiro, as coisas começaram a acelerar, na perspetiva de Bruno Azevedo, fundador da empresa AddVolt, que ajuda as transportadoras a poluir menos. “Desde 2014 temos sentido uma visibilidade internacional cada vez importante, graças à atração de empresas estrangeiras. Também há cada vez mais empreendedores; e mesmo os que não têm tido sucesso têm partilhado isso, o que nos ensina a responder cada vez mais depressa aos problemas.”
Paulo Cunha, fundador da plataforma de gestão de dados ShiftForward, diz que o UPTEC “serviu como escola” para muitas startups. Só que “nos últimos três anos tem havido uma grande aceleração dos pioneiros”.

É a partir do UPTEC que começam quase todas as startups no Porto. ( Lisa Soares / Global Imagens )
Esta escalada traduz-se em números: das 337 empresas criadas no UPTEC desde 2007, 64 já foram para outras paragens e dão emprego a 500 pessoas. Algumas destas startups decidiram juntar-se e criar a sua própria associação. É o caso da Founders Founders, fundada em 2015.
“Temos na casa 150 pessoas e 16 empresas. Somos uma comunidade em que há muita partilha de experiências, entre empreendedores. Tentamos, em conjunto, alavancar os nossos negócios”, apresenta Tiago Carvalho, um dos fundadores deste espaço, no centro da cidade.
A área da Saúde também tem ganho protagonismo, graças ao i3S, o maior instituto de investigação português e que conta com mais de 1200 pessoas. Mas o investimento é o principal problema na cidade, como no resto do país.

É a partir do UPTEC que começam quase todas as startups no Porto. ( Lisa Soares / Global Imagens )
“Não temos financiamento e massa crítica suficientes. É necessária, por isso, mais planificação e passar a investir em menos projetos mas com maior financiamento. Há muitos projetos que acabam por se repetir”, lamenta João Cortez, um dos coordenadores do i3S.
O acesso ao investimento “ainda é precário” mesmo para projetos mais tecnológicos, como a Virtus.ai, que ajuda, por exemplo, a medir o consumo de cervejas em bares e restaurantes. Ricardo Teixeira, cofundador, diz que “ainda é muito complicado converter o contacto em financiamento”.
Trazer mais capital de risco estrangeiro é apontada como a solução imediata para resolver o maior problema das startups do Porto. Mas também é necessária uma maior divulgação e comunicação dos resultados que estão a ser desenvolvidos na Invicta.
Tal como 2007 e 2012, o Porto está a caminhar para uma nova mudança, depois de duas vendas em meio ano: a ShiftForward passou para os norte-americanos da Velocidi e a Musicverb foi comprada pelos dinamarqueses da VIP-Booking.
Para Paulo Cunha, “2019 vai ser o momento de viragem no ecossistema: vamos ter empreendedores com experiência que mais ninguém tem e as instituições à volta vão educar-se a si próprias e começar a ajudar outros. Estamos no ponto em que Berlim estava há três anos: com os investidores estrangeiros a olharem para nós como uma aposta séria e com retorno. Até agora não conseguiam ver isso.”