E se lhe dissermos que a melhor forma de poupar na alimentação é adotar hábitos mais saudáveis? Parece um contrassenso, especialmente quando pensamos nos preços dos produtos integrais ou biológicos, tendencialmente mais caros. Mas na verdade, basta planeamento, disciplina e conhecimento para poupar na alimentação e, ao mesmo tempo, ganhar saúde.
A Administração Central do Sistema de Saúde, tutelada pelo Governo, revelou recentemente que uma em cada cinco famílias portuguesas está em situação de insegurança alimentar, ou seja, não tem acesso a uma alimentação saudável ou receia não ter o que comer – um dado preocupante. “A alimentação é central na economia doméstica, porque corresponde a uma grande parcela do orçamento familiar”, lembra Fernanda Santos, coordenadora do departamento de formação e educação da Deco.
De acordo com a responsável, os portugueses ainda “não têm os melhores critérios de compra para ajustar as necessidades ao orçamento”. E não é o único problema: há ainda muito desperdício alimentar. Dados recentes da União Europeia dizem que cada pessoa deita para o lixo 173 kg de comida por ano. Segundo a Deco apurou num estudo de 2014, um terço dos portugueses revelam não ter o cuidado de ajustar as quantidades que compram e que cozinham às suas necessidades reais.
Há várias formas de evitar o duplo desperdício – financeiro e alimentar –, mas Joana Roque, blogger há 11 anos e autora de vários livros de receitas, resume-as a duas ações: planeamento e organização. O ideal é começar por planear uma ementa semanal: “Não demora assim tanto tempo e pode fazê-lo, por exemplo, durante a viagem para o trabalho.” Para quem trabalha durante o dia e não almoça em casa, basta planear, para os dias da semana, cinco jantares. “Depois, é ir alternando a carne e o peixe, o arroz, a massa, a batata”, explica. E há um truque: perguntar aos restantes habitantes lá de casa o que querem jantar nessa semana. “Surgem logo uma série de ideias”, diz Joana Roque. Vá guardando as ementas. Quando o planeamento já se tiver tornado um hábito e já tiver várias, podem ir rodando.
Importa verificar o que há em casa e incluir esses ingredientes nesta ementa semanal. Só depois devemos fazer a lista das compras. É fundamental nunca ir ao supermercado sem uma lista e segui-la com disciplina. “Metade dos portugueses dizem comprar demasiada comida, apenas por estar em promoção”, explicou Fernanda Santos. Um truque simples para não ser seduzido pelos descontos é consultar os folhetos enquanto faz a lista. Assim, pode adaptá-la às promoções semanais. Há vários sites e apps que reúnem esta informação, como o Sapo Promos. Mas tenha em atenção dois fatores. Se se tratar de produtos de marca, compare com as marcas brancas, que podem ter um custo ainda mais reduzido. Além disso, verifique o prazo de validade.
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Muitas vezes entram em promoção os produtos em fim de vida. E não há problema se os comprar, só tem que ter em conta que têm que ser consumidos rapidamente. Ainda sobre a validade, importa saber distinguir entre duas designações: “consumir de preferência antes de” – para produtos que não se degradam rapidamente e que depois da data ainda podem ser consumidos com alguma segurança, como as leguminosas secas, o arroz, as massas, os enlatados e o azeite, por exemplo – ou “consumir até” – para os perecíveis, como queijo fresco, iogurtes, ovos ou carne de aves, cuja data tem de ser respeitada.
Para Joana Roque, é melhor ir às compras semanalmente: “É mais fácil gerir quantidades e gastos com precisão para um curto período.” E chegar ao final da semana com o frigorífico vazio é sinal de que o planeamento foi eficaz. Para saber qual o supermercado mais barato, recorra ao simulador da Deco.
Para Fernanda Santos, cada vez cozinhamos menos. E o hábito de aproveitar as sobras tem-se também perdido. Para Joana Roque, “é uma questão cultural” que deve ser incutida. É preciso criatividade e tentar rentabilizar ao máximo. Se o que sobrou é suficiente para uma refeição, guarde para a marmita do dia seguinte ou então congele. Se não chegar, transforme e acrescente novos ingredientes para fazer uma refeição nova. Empadões, massas ou quiches são boas soluções para aproveitar as sobras. Se lhe faltarem ideias, pode sempre inspirar-se nas do ebook “Receitas Sem Desperdiçar”, uma compilação de receitas criadas por alunos de escolas de todo o país no âmbito do projeto Deco Jovem.
Para Ana Bravo, especialista em economia doméstica e autora do livro ABC da Poupança, a necessidade de adotar hábitos de alimentação saudáveis é determinante. “A maioria da população portuguesa tem excesso de peso. É impossível dizer que estamos a tomar boas decisões alimentares”, explica. “Apostar em qualidade e eliminar o que é nocivo” vai representar uma poupança, porque os produtos menos saudáveis, como os refrigerantes e os alimentos processados, são caros. E há outros truques a considerar. Os frescos comprados nas grandes superfícies têm uma durabilidade reduzida. Os de agricultura sustentável duram mais tempo e, “ao contrário do que se pensa, o preço é o mesmo ou até mais barato”, explica a especialista. Se tiver dúvidas onde os pode encontrar, lembre-se dos mercados de bairro e da vasta oferta de empresas que entregam cabazes em casa. Depois, opte por reduzir as quantidades de hidratos de carbono, carne e peixe – as proteínas mais caras – e faça algumas refeições vegetarianas. Nestes dias, aposte nos ovos e nas leguminosas para não descurar a ingestão de proteína.
De acordo com a responsável da Deco, há falta de medidas políticas que incitem um melhor consumo e um menor desperdício. “Os movimentos estão a nascer na sociedade civil, mas era bom que tivessem continuidade ao nível político, para uma maior legitimidade no terreno”, frisou.