Os consumidores éticos não nos inspiram. Incomodam-nos

As pessoas usarão a informação ética se esta estiver mesmo diante do seu nariz, mas não vão à procura dela.

A PESQUISA: Numa série de estudos, Rebecca Walker Reczek e Daniel Zane do Fisher College of Business e Julie Irwin da McCombs School of Business perguntaram aos sujeitos analisados que informação pretendiam ao comprar jeans.

Explicaram-lhes que, por limitações de tempo, apenas podiam obter detalhes sobre duas das seguintes categorias: preço, estilo, lavagem e recurso a trabalho infantil. Em seguida, perguntaram aos sujeitos que não escolheram a informação relativa às práticas de trabalho infantil qual era a sua opinião acerca dos que queriam saber essa informação.

Os primeiros atribuíram aos segundos classificações baixas em relação a traços positivos (como capacidade de atração e estilo) e altas nos traços negativos (esquisitos e chatos).

O DESAFIO: Porque é que as pessoas menosprezam os consumidores éticos? Estes são exemplos para todos nós? Professora Reczek, defenda a sua investigação.

Já sabíamos, devido a pesquisas anteriores, que a maioria dos consumidores prefere não analisar as práticas éticas das empresas ao selecionar produtos. O nosso objetivo era estudar as consequências posteriores. Quando uma pessoa decide não procurar informação acerca da ética de uma empresa e vê outro a fazê-lo, como é que se sente? Quais são as consequências sociais de ver alguém fazer o que é ético depois de nos termos mantido voluntariamente ignorantes? O que descobrimos foi que as pessoas menosprezam esses “outros éticos”, avaliando-os como mais chatos e esquisitos e menos atraentes.

O ser humano é mesmo tão terrível que considera esquisitas as pessoas que fazem o bem?

Duas coisas podem acontecer quando vemos os outros a fazer algo moral: podemos sentir-nos inspirados pela pessoa ou denegri-la. Esta última situação pode acontecer devido a algo que os psicólogos chamam teoria da comparação social. Esta defende que todos nós temos uma forte propensão para nos comparar com os outros. Se vemos alguém que é melhor que nós em algum aspeto, como a ética, sentimo-nos ameaçados. Sentimo-nos mal connosco mesmos. Uma forma de ultrapassar esse mal-estar é rebaixar o outro. Antes do nosso estudo, isto não tinha sido analisado no contexto do consumo ético. Contudo, prevíamos que este efeito negativo ocorreria porque a ética que cada um sente possuir é uma parte realmente importante da sua identidade.

Porque tinham tanta certeza de que os sujeitos reagiriam negativamente? Porque não pensaram que se sentiriam inspirados pelos consumidores éticos?

A maioria dos estudos acerca da denominada elevação moral — quando vemos alguém comportar-se eticamente e queremos imitar esse comportamento — analisaram ações excecionais, como a fundação de uma cantina para os sem-abrigo. Sentimo-nos inspirados por pessoas como a Madre Teresa, aquelas que fazem coisas verdadeiramente espantosas para transformar as suas comunidades. Isto, muitas vezes, conduz à elevação moral. Mas a maioria de nós nunca se confrontou com uma situação em que, deliberadamente, escolheu não realizar esse ato inspirador. Visto que nunca escolhemos ativamente não fundar uma cantina social, não temos uma sensação de ameaça como quando observamos alguém a comprar calças de ganga de uma maneira mais ética que nós.

Mas talvez não me interesse mesmo a ética com que foram fabricadas.

Os nossos pré testes mostram que as pessoas atribuem importância às características éticas. Não se pode dizer que não se interessam. Se souberem que algo foi feito em condições de trabalho horríveis, provavelmente não comprarão. O que se passa, é que preferem não chegar a saber. Julie Irwin fez um trabalho inovador a partir desta ideia. Descobriu que as pessoas usarão a informação ética se esta estiver mesmo diante do seu nariz, mas não vão à procura dela. É um mecanismo de defesa, para não ter de lidar com os maus sentimentos que adviriam de descobrirmos práticas horríveis.

Como é que sabe que, simplesmente, não gostamos das pessoas éticas porque elas parecem querer chamar a atenção e fazer-se de santinhas?

Testámos essa hipótese num segundo estudo, semelhante ao primeiro. Porém, antes de falarmos aos participantes acerca daquelas outras pessoas éticas e lhes pedirmos que as avaliassem, demos-lhes a oportunidade de fazer uma doação a uma instituição de solidariedade, clicando num website. Quem o fez, não menosprezou o outro, porque tivera a possibilidade de reforçar a sua identidade ética e, assim, evitara a sensação de ameaça. Esse pequeno gesto foi suficiente para que se sentissem éticos.

A maneira como as pessoas se sentiam em relação ao trabalho infantil também mudou?

Sim. Medimos a indignação dos sujeitos em relação ao uso de trabalho infantil na produção. As pessoas que menosprezaram os consumidores éticos sentiam-se menos indignadas. Viam-se a si mesmas a dizer, “Caramba, as pessoas que se preocupam são mesmo chatas e esquisitas” e inferiam acerca de si próprias que não se preocupavam muito com o assunto. Isto é descrito por outra bem conhecida teoria psicológica, a da perceção de si mesmo. Esta teoria afirma que uma das formas de aprendermos acerca de nós mesmos é observando as nossas ações. Por outras palavras, se sou uma pessoa que está sempre a fazer exercício, aprendo que sou uma pessoa saudável.

Alguma das pessoas que não agiu eticamente decidiu agir melhor posteriormente?

Num estudo similar — usando mochilas em vez de calças de ganga e substituindo o trabalho infantil pela produção insustentável — perguntámos aos participantes se estariam interessados em assinar uma petição para que esta se tornasse mais sustentável. Descobrimos que os indivíduos que menosprezavam as pessoas éticas tinham menos probabilidade de querer assinar essa petição. O ato de menosprezo minou o seu envolvimento e os seus valores éticos. Porque se viam a si mesmos a chamar “esquisitos”, “chatos” e “sem estilo” àqueles que se davam ao trabalho de pesquisar acerca da sustentabilidade, diziam-se, “Acho que não me ralo muito com a sustentabilidade”, e não tinham grande interesse na petição.

No estudo, os sujeitos faziam essa escolha logo a seguir a terem desdenhado de alguém. Será um efeito a curto prazo que se esbate após alguns minutos ou um dia?

Essa é uma questão em aberto. Uma das coisas que não ficámos a saber nesta investigação é a duração do efeito no mundo real. Isso ainda precisa de ser estudado.

Fotografia: REUTERS/Bobby Yip Fotografia: REUTERS/Bobby Yip

Que mais precisa de ser estudado?

Temos de examinar a maneira como as pessoas descobrem que outros se comportaram mais eticamente do que eles. Os nossos estudos não refletem isso. Mas pode fazer diferença se a pessoa de comportamento mais ético andou a fazer grande alarde disso ou se limitou a publicar algo acerca da ética de um produto numa crítica online. Isso seria interessante — especialmente porque as compras que os outros fazem são muito mais transparentes para nós em 2016 do que eram há 10 anos. Vemos pessoas falarem nas redes sociais acerca de terem comprado uma marca de jeans em particular porque sabiam que o fabricante pagava salários justos ou por usar algodão de uma fonte sustentável.

Que ensinamentos devem as empresas retirar daqui?

As empresas que estão a produzir de maneira ética têm de anunciar as suas práticas de maneira visível na loja — que é onde as pessoas tomam as decisões. Não devem forçar o consumidor a ir à procura da informação. Este usá-la-á se esta estiver disponível, mas não quer procurá-la.

Será que posso usar isto na minha vida pessoal, por exemplo, se quiser convencer os meus amigos que comem carne a tornarem-se vegetarianos?

Terá melhores resultados se lhes apresentar grandes receitas e disser, “Isto é bom para ti e bom para o planeta” do que se lhes disser que estão a causar um sofrimento horrível aos animais. Ninguém quer pensar em fazer mal a animais. As pessoas vão, apenas, retrair-se e pensar, “Estes vegetarianos são tão estranhos”. Claro que pode falar acerca de valores, mas sem apresentar os seus como moralmente superiores.

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