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Os desenvolvimentos na tecnologia da informação e comunicação - com especial destaque para a expansão das plataformas digitais, o desenvolvimento da inteligência artificial, da robótica e da automação - não levaram apenas à verificação de mudanças nas relações de trabalho tradicionais, mas também ao surgimento de novas formas de emprego, situadas numa "zona cinzenta" entre a relação laboral subordinada e o trabalho independente.
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Assume especial relevância, neste contexto, o já conhecido crowdworking, que, em termos muito simples, se traduz no seguinte: o trabalho (que pode variar desde serviços de transporte e limpeza a tarefas de transcrição digital ou de programação) é oferecido a um grande número de pessoas por meio de uma plataforma digital.
Se, por um lado, se reconhecem as vantagens inerentes a esta nova forma de prestação de trabalho (nomeadamente, a emergência de novas oportunidades de trabalho e de integração), por outro, são inegáveis os múltiplos riscos que se lhe associam. Falamos, entre outros, de uma maior precariedade das relações, de desigualdades no acesso a proteção social ou outros direitos, como a formação profissional, condições de higiene, segurança e saúde, e de uma instabilidade de rendimentos e do próprio emprego.
Tornou-se, por isso, evidente a necessidade de regulamentação sobre o tema, sendo neste contexto que se ergue a (tão debatida) questão da qualificação do vínculo contratual dos prestadores de atividade em plataformas digitais. Serão trabalhadores subordinados? Serão prestadores de serviços? Ou estaremos perante uma figura intermédia?
A discussão sobre a matéria, à escala mundial, deu já origem a várias e distintas decisões judiciais. Sendo que, no plano europeu, no que especialmente respeita às plataformas de entrega e de transporte, a grande parte das decisões dos tribunais superiores foram no sentido da efetiva existência de contratos de trabalho.
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Na linha da Proposta de Diretiva Europeia, intitulada Improving working conditions in platform work, e das preocupações já refletidas no Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho, com as recentes alterações à legislação laboral portuguesa (no âmbito da Agenda do Trabalho Digno), vem prever-se a criação de uma presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, reconhecendo-se que a presunção de laboralidade (já prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho) se refere a um modelo clássico, tradicional - pré-(r)evolução tecnológica - de organização e prestação do trabalho.
De acordo com o texto final da proposta de alteração ao Código do Trabalho, vem, concretamente, presumir-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital, se verifiquem algumas das características expressamente previstas no n.º 1 do (a aditar ao Código do Trabalho) artigo 12º-A - entre outras, relacionadas com a fixação da retribuição, poder de direção, controlo e supervisão, organização do trabalho e poder disciplinar da plataforma digital.
Sublinhe-se que a presunção (conforme prevista no n.º 1 do artigo 12.º-A) é estabelecida entre a plataforma digital e o prestador de atividade que nela opera (diferentemente do que constava da versão inicial da proposta de alteração ao Código do Trabalho). A plataforma poderá, no entanto, procurar afastar a presunção, invocando que a atividade é prestada perante o intermediário - caso em que caberá ao Tribunal definir quem é o empregador.
Ficou também definido (na sequência da discussão sobre o tema) que esta nova presunção de laboralidade se aplicará às atividades relativas de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE), cujo regime se encontra previsto na Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto (que carecerá, certamente, de ser revista).
Qual o efeito prático do regime agora previsto?
A presunção de laboralidade, assente no preenchimento de alguns dos indícios identificados, permite, no fundo, evitar a dificuldade/risco da insuficiência na demonstração da existência de um contrato de trabalho. Pode, no entanto, ser a presunção ilidida pela plataforma digital, mediante prova em contrário.
Nos casos em que se considere existir contrato de trabalho, aplicar-se-ão as normas previstas no Código do Trabalho que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada pelos prestadores de atividade em plataformas digitais, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.
Eduardo Castro Marques, advogado Dower Law Firm