A agricultura tem de dar dinheiro

O maior ataque à economia de mercado em Portugal não são os impostos, não é o ataque ao alojamento local, nem é o ataque aos empresários. É o ataque à agricultura. E pior do que o ataque é que não é nada claro que a agricultura esteja a ganhar. Enquanto país, abdicámos de todo um setor produtivo.

De acordo com os dados oficiais, a preços constantes - isto é, sem inflação - estamos a produzir quase o mesmo nos últimos 40 anos. Para ser rigoroso, entre 1980 e 2021, o crescimento real médio anual deste setor foi de 1,2% ao ano, abaixo do crescimento da produção total nacional. Se olharmos com detalhe para as contas, a conclusão é simples: nos últimos anos, e em média, um agricultor só ganhou algum dinheiro porque a Europa pagou.

Há, claro, honrosas exceções. A vinha tem vindo a transformar-se completamente desde os anos 80. O olival continua em expansão com o Alqueva. Somos o quarto maior produtor de abóboras da UE. Os frutos secos estão com um dinamismo pujante. E há mais nichos cultura-região que valeria a pena salientar. Mas apesar destes sucessos pontuais, a mensagem é clara: a agricultura é uma atividade económica e nós estamos a produzir apoios comunitários.

Quem quer subir na vida com base na agricultura, excluindo honrosas exceções, não será bem-sucedido. Estamos a falhar como país. Se pusermos as coisas na linha do horizonte, ofuscando os detalhes e olhando sempre em termos médios, produzimos o que não é valorizado nos mercados internacionais, subsidiamos a subsistência para fixar a população e não dinamizamos a economia.

A derrota deste modelo de agricultura europeu, levado ao extremo em Portugal, é ainda visível nos seguintes indicadores: a idade média dos produtores é de 64 anos. O conceito de jovens agricultores vai até aos 40.

Para mudar de paradigma é preciso várias coisas: água, criação de mercados agrícolas (eventualmente ligados a Espanha) e regulação de mercado de distribuição. Soluções simples de entender. É também necessária uma revisão da política de apoios europeus, mas esta é demasiado complexa para empreendermos sozinhos.

E se dúvidas houvesse, bastava olhar para Espanha. Os nossos vizinhos têm transvase de água entre rios há décadas; nós ainda nem começamos a falar a sério na barragem do Médio Tejo, ou nas autoestradas da água que permitiam diversificar a água da chuva em todo o país, ligando, com algum otimismo, o Douro aos rios algarvios. Seja qual for a visão técnico-ambiental concreta, creio que há um consenso na sociedade portuguesa que temos de reter a água da chuva. O PRR e a intervenção do Estado devia ser aqui - as barragens e as obras de transvase (ou autoestradas da água) são típicos bens públicos.

O novo Orçamento do Estado prevê, afirmou a ministra ao Parlamento, 74 milhões do PRR para a Agricultura, longe de qualquer mudança de paradigma. E na discussão a este documento ninguém ofereceu uma visão aspiracional ou uma solução concreta para este problema. A discussão focou-se apenas em taxas de execução dos projetos em curso.

Também em Espanha estão a ser construídos mercados grossistas competitivos impondo mais transparência no preço e dando mais peso aos produtores e menos à grande distribuição (POOLred no azeite, diferentes lonjas nas amêndoas, Lérida na carne de porco, etc.), permitindo uma maior igualdade de oportunidades no mercado. A ligação dos produtores portugueses e da distribuição a estes mercados seria uma boa opção para Portugal, que não teria grandes dificuldades em integrar as suas principais fileiras.

Em qualquer caso, e independentemente das soluções que apresentei, o diagnóstico mantém-se: a agricultura existe para dar dinheiro. E não dá. Temos de apostar num modelo económico que privilegie a eficiência e a economia, não a maximização dos fundos, não a fixação da população e uma visão idílica da agricultura.

* Texto baseado na última conferência da Cultivar, promovida pelo GPP do Min. da Agricultura. Apesar da péssima tomada de som, talvez reconheçam um dos autores e algumas das ideias apresentadas aqui.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG

Patrocinado

Apoio de