A culpa não é de Medina

A boa notícia primeiro: cumprindo a expectativa que já tinha até levado a mais dura das agências de rating a elogiar as contas públicas nacionais, Portugal fechou o ano de 2022 com um crescimento de 6,7%. Sinal de que tiveram resultados os esforços de contenção orçamental em que Fernando Medina tem mantido foco total. E que também fizeram a dívida ter o maior recuo de que há registo no país, fixando-se agora nos 114,7%.

O ministro das Finanças mostrou o que vale. E desenganou, conforme mostrava o seu brilharete, quem julgava que a boa prestação financeira podia resultar em alívios e apoios para enfrentar a crise e trazer mais investimento para empurrar o país para o crescimento. A prioridade continuará a ser a dívida e o défice, concluiu com toda a frieza, enquanto apresentava os gordos resultados que numa empresa privada seriam merecedores de nova taxa extraordinária. E afiançou aos professores que se revoltam porque estão há anos agrilhoados ao mesmo patamar de carreira e rendimento que não há margem para aceder aos seus pedidos. Cada cêntimo é precioso para Portugal mostrar que é cada vez melhor aluno. Vítor Gaspar não faria melhor.

Está tudo certo nas contas e na missão de Medina. Mas o resto falha redondamente. É o Tio Patinhas sem sobrinhos que o amaciem.

Se é função do ministro das Finanças manter apertados os cordões à bolsa e bem oleada a máquina de recolha fiscal, cabe ao resto do governo temperar essa avareza, sensibilizando com maior ou menor veemência quem tem as chaves do cofre, fazendo-o entender que é preciso desembolsar para os hospitais funcionarem, que aos professores já roubaram a dignidade e há risco de se perder a escola pública para a mesma espiral de caos onde se afunda o SNS, que sem dinheiro não se constroem as soluções para a maior crise de habitação alguma vez vivida em Portugal, que garantir o funcionamento do país obriga a um esforço de investimento.

É esse o papel que os outros ministros, com a Economia à cabeça e o chefe do governo a conduzir a orquestra. É a eles que cabe lembrar as Finanças que remunerar com justiça é bem mais virtuoso e frutífero do que distribuir esmolas e investir não é sinónimo de gastar.

Voltando aos grandes números, uma análise mais fina revela que a realidade não é tão feliz quanto aparenta. O país cresceu expressivamente - mas a ação fica no passado. Olhando o ritmo e analisando a tendência, mês após mês é mais notória e preocupante a desaceleração rumo aos habituais crescimentos anémicos quando não temos a base instalada na subcave. Atentando aos números do emprego, torna-se óbvio um problema grave: temos quase pleno emprego (se ignorarmos todos os que já esgotaram subsídios e não contam para a estatística), mas as empresas não encontram mão-de-obra porque há um desfasamento flagrante entre as necessidades e as capacidades do mercado de trabalho, agravado pela globalização do emprego digital, que já nem obriga à emigração para aceder a melhores condições e salários. Escutando Lagarde, antecipa-se uma dramática crise social, com as famílias a travarem a fundo no consumo e ainda assim não serem capazes de cumprir os pagamentos dos seus créditos.

Tudo isto dá razão a Medina para querer manter os cofres seguros, antecipando dias piores que hão de vir. Mas talvez eles não precisassem de ser tão negros se uma parte do ouro chegasse já ao terreno, entre a reposição de alguma justiça social e a escolha de áreas onde possa reproduzir-se e dar retorno.

SOBE & DESCE

Sobe: Carlos Mota Santos, CEO da Mota-Engil

É a cara de uma sucessão bem conduzida numa empresa familiar que há muito quebra o preconceito de haver alguma informalidade e falta de rigor nas empresas com este tipo de ADN. Confirmado na última semana como novo presidente da Mota-Engil, aos 44 anos, Carlos Mota Santos, sobrinho do fundador António Mota, tem nas mãos um peso pesado nacional que desde o arranque de 2023 acumula ganhos de 54% em bolsa. Não há entre as 600 maiores empresas europeias outra que sequer fique perto da ascensão da construtora.

Desce: João Galamba, ministro das Infraestruturas

"O Estado é pessoa de bem" e vai cumprir o que foi acordado relativamente ao bónus de 3 milhões que a companhia prevê para a presidente da TAP em 2026, caso a reestruturação seja bem sucedida. Portanto, a CEO foi contratada para levantar a TAP do subsolo para onde a pandemia a atirou. Para que cumprisse a sua missão, o Estado - os contribuintes - injetou largos milhões de euros na transportadora que comprou ao gestor privado porque a TAP tinha de ser pública, para a seguir decidir que privatizá-la era imperativo. E mesmo sem esse prémio ter sido aprovado oficialmente, o governo entende que a CEO merece recompensa, além do salário que lhe paga, se cumprir o que foi contratada para fazer. Resta saber quanto vão dar aos gestores da CP, do Metro e outras 30 empresas do Estado que estavam em falência técnica em 2020 e foram ou serão recuperadas.

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