Com o verão à porta e o turismo a suportar a solo o crescimento do país, Portugal continua dependente da pura sorte. Os turistas continuam a procurar-nos e alguns gostam tanto de aqui passar umas temporadas que chegam a comprar casa para poderem regressar amiúde. Mas a sorte não dura para sempre e o governo que nada constrói mas que se empenha em destruir tudo em que desconfie haver valor - por ideologia ou inabilidade ou incapacidade - está a dar passos sólidos para depenar a única galinha que vai resistindo às suas investidas.
Mesmo que ainda sejam discutidas e ajustadas as medidas desenhadas por uma secretária de Estado promovida a ministra porque havia demasiado no prato de Pedro Nuno Santos para passar para a mesa de João Galamba - que, como se vê, nem com a TAP pode, quanto mais com os transportes, as infraestruturas e as restantes pastas com que Costa conseguiu carregar até esgotar o seu suposto delfim e mais bem posicionado sucessor -, a mera aprovação do Mais Habitação na generalidade é um golpe que já faz sangrar e desvia investimentos de milhares de milhões.
E o pior é que a ofensiva lançada ao Alojamento Local não amansa o monstro que os sucessivos governos de Costa foram alimentando, deixando milhares de famílias sem alternativa de habitação. Durante mais de uma década de promessas repetidas e nunca materializadas, na câmara de Lisboa e no governo, o PS foi falando em casas que nunca apareceram. Ao contrário do que aconteceu com os privados, mesmo nos anos em que se adivinhava vida no mercado e os preços eram mais do que comportáveis, não mexeu uma palha para reabilitar património próprio, mal aproveitado, desocupado ou degradado, não perdeu um segundo a planear as cidades e criar opções à medida das necessidades das famílias que nelas iam resistindo, aproveitando para melhor gerir o património público.
O levantamento de quantos imóveis existem no Estado, e que poderiam ser postos no mercado para resolver uma boa parte dos problemas de habitação dos portugueses, continua por fazer - ou pelo menos por conhecer. Transparência e planeamento não são, definitivamente, o forte do atual socialismo português.
Seguindo a imagem de marca de tudo o que Costa toca, quando a situação se tornou insustentável, havia que encontrar um culpado que distraísse dos verdadeiros responsáveis. E como sempre, o governo atirou-se à garganta dos privados.
Às costas dos proprietários - que não têm como fazer obras, reclamar heranças ou famílias que se lembraram de tirar algum rendimento de casas de férias e para isso nelas investiram, por exemplo -, montou uma operação de esbulho, confisco fiscal e absoluta incerteza quanto ao futuro, obrigando esses a resolver os problemas que o Estado não só não solucionou como agravou nos últimos anos, por inação e pura incompetência.
Que se lixe quem contava complementar os mil euros mensais ou a miserável pensão com uns dinheirinhos - declarados e a pagar impostos - ganhos com aquilo que é seu. Vão essas casas servir as famílias que não têm onde morar? Claro que não, mas muitas delas voltarão provavelmente à informalidade que marcava os alugueres de verão nas regiões turísticas, agora alargado a destinos de cidade e campo e outros. Com rendas congeladas e despidos de direitos, quantos proprietários arriscarão arrendar? Provavelmente nenhum (e era bem interessante contabilizar este efeito daqui por um par de anos...). Mas o governo desviou as culpas do próprio capote. Mais uma vez.
Pelo caminho, destrói-se, sem contemplações, mais de 40% da atual oferta de camas a turistas - sobretudo em áreas do país onde não é rentável construir os hotéis que vão invadindo as maiores cidades, ocupando prédios de quarteirões inteiros com alojados temporários. Nos últimos 17 anos, foram quase 1800 que se ergueram pelo país e o ritmo tem-se intensificado desde a pandemia, ao ritmo de um novo hotel a abrir cada cinco dias, com 75 inaugurações marcadas só para este ano (mais 6 mil quartos para turistas, segundo a Cushman&Wakefield).
Quantos deles serão em pequenas aldeias, cada vez mais procuradas pelos que nos visitam? No interior profundo? Como irão responder a eventos ocasionais, como a Jornada Mundial da Juventude ou o concerto de Coldplay, que justificam a disponibilização de milhares de camas mas apenas por três ou quatro dias? Como poderão transformar-se em apartamentos para famílias se os clientes não chegarem para todos?
O que é que isso importa ao governo? Nada. Pelo menos até os turistas começarem a procurar novos destinos para irem passear, porque aqui não encontram já o charme que os seduziu e os fez esquecer as horas de seca passadas num aeroporto esgotado e impraticável e com serviços de fronteiras disfuncionais, levando para outras paragens os dólares, reais ou euros que costumavam deixar nos nossos restaurantes, centros comerciais, museus, festivais e lojas de bairro. Quando os ovos do turismo secarem e o crescimento do país congelar, a alguém hão de assentar as culpas..