A Igreja de dia 14 é maior que a de dia 13  

Respeito não é medo, educação não é subserviência, obediência não é escravidão, humildade não é humilhação.

Foram séculos de clericalismo, em que o senhor padre é que sabia e mandava, o senhor Bispo era autoridade suprema. Décadas de estatuto quase etéreo que projetaram o nosso clero - quer os seus membros quisessem ou não - a um pedestal em desequilíbrio sustentado em tradições cuja origem já ninguém sabe explicar. Um clericalismo que não passa de um pedestal de autoridade situado entre o Céu e a Terra só porque sim. Mas a substância desta autoridade precisa de ser reconquistada, assim como o respeito, a razão da obediência. O sim porque sim, hoje, não chega em nenhum domínio. A sua sabedoria, a cultura e a única coisa verdadeira essencial - a função da Igreja na vida espiritual - têm de voltar a ser reconhecidas. Ou isso ou nada.

O poder pode ser um refúgio perigoso, dos fracos, dos criminosos, dos déspotas, dos tiranos, dos dementes. O poder sem escrutínio, sem controlo, exercido por criminosos, tiranos, dementes, tarados, déspotas leva ao terror. E foi isso que aconteceu.

Não são padres, são criminosos, dizem. Sim, é verdade, claro que é verdade. Mas também é verdade que tudo isto só aconteceu porque toda uma sociedade - toda - virou as costas. E deixou acontecer à conta deste clericalismo entranhado nos nossos costumes e tradições e medos, que apesar de, na década de 60, o Vaticano II ter iniciado a mudança, as batinas são moda difícil de despir. Em cada aldeia, em cada vila, instituição, família ou escola, o clericalismo reinou sem que parte da Igreja se apercebesse que essa ilusão de poder era a sua maior armadilha.

Mas é o encobrimento que nos faz questionar onde estão assentes os alicerces da Igreja: a convicção de que a Igreja é uma espécie de Império do Meio e de que tudo se resolve dentro de casa; de que a justiça dos homens é para os leigos e que no clero a justiça são os retiros espirituais.

E assim o mal foi vencendo, em modo de pandemia, sem resistência, tentando destruir a instituição sagrada que os acolhia. Como se vence o mal? "Não tenhais medo!", dizia João Paulo II. E é assim: escancarando janelas, abrindo portas, deixando a luz entrar, encandeando os olhos destes criminosos com raios de sol, com a verdade. Sem medo da verdade.

O silêncio, a vergonha, o temor de que se confundisse (e confunda) a "parte pelo todo" são sintomas da doença, da insegurança. No fundo, da falta de Fé de que a nossa Igreja é muito, infinitamente maior, do que estes criminosos. Mas a Igreja é da dimensão da mais pequenina das vítimas, e hoje, depois de conhecido o relatório, temos uma Igreja mais grandiosa porque mais humilde e envergonhada.

No entanto, a verdadeira reparação, a paz social, a reconciliação entre as comunidades, as vítimas, os agressores e a Igreja, só acontecerá quando os acusados assumirem as suas responsabilidade através de mecanismos como as comissões de Verdade e Reconciliação ou outros parecidos. Até lá, estamos em modo de cuidados paliativos. Não chega reconhecer, é preciso reparar. E este caminho para o Calvário só agora começou.

Jurista

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