Antes Apple do que Tesla

Em Agosto, a entidade que regula a segurança nas auto-estradas dos Estados Unidos, National Highway Traffic Safety Administration, abriu uma investigação ao sistema de condução automática da Tesla, Autopilot, depois de este estar ligado a mais de duas dezenas de acidentes com várias mortes - incluindo acidentes com veículos de emergência.

A fabricante liderada por Elon Musk tem melhorado continuamente as capacidades de condução autónoma dos seus carros e defende que os tornam mais seguros que os veículos tradicionais. Mas aquilo que o sistema Autopilot consegue fazer e aquilo que os condutores acreditam que consegue fazer são duas coisas diferentes. E promover este sistema como condução autónoma é mais perigoso do que parece, porque dá ao condutor uma ilusão de autonomia que a tecnologia simplesmente ainda não consegue proporcionar.

A investigação da NHTSA está, possivelmente, atrasada vários anos, mas chega em bom momento. Elon Musk tem demonstrado menor consideração por questões de segurança e maior apreço pela desregulamentação que o que seria de esperar. Em 2016, quando ocorreu a primeira morte ligada ao sistema Autopilot, soube-se que vários funcionários da empresa tinham avisado Elon Musk sobre os riscos da tecnologia, que não estava pronta para assumir a responsabilidade da condução.

A atitude de Musk, na altura, foi de "não deixar que os receios abrandem o progresso." Vários acidentes e mortes depois, a atitude não parece ter mudado muito - e não apenas nesta questão. Foi o que ficou patente na forma como Musk encarou as medidas tomadas na Califórnia para evitar focos de infecção de covid-19 no auge da pandemia, reabrindo fábricas sem autorização das autoridades locais.

O resultado? 450 trabalhadores infectados no condado de Alameda. Além disso, a empresa despediu os trabalhadores que não regressaram ao trabalho no chão de fábrica por medo de serem infectados, apesar de lhes ter inicialmente prometido que poderiam manter-se em casa durante o pico da pandemia.

Farto da regulação da Califórnia, Musk mudou a sede da Tesla para o Texas, o estado onde no Inverno passado o sistema estupidamente capitalista do fornecimento de electricidade pôs consumidores a pagar milhares de dólares por dia para manterem os aquecimentos ligados. Pouco coerente para uma empresa que se vende como a panaceia verde para a dependência dos combustíveis fósseis na estrada.

Divagações à parte, é muito pouco prudente pôr na estrada veículos com capacidades de autonomia que não são totais, dando a sensação de que são, e depois desvalorizar os acidentes fatais ligados à tecnologia.

É óbvio que andar na estrada é perigoso e urge encontrar formas de mitigar a sinistralidade rodoviária, alavancando a tecnologia que permite auxiliar a falibilidade humana.

É óbvio também que projectar um futuro em que os carros são autónomos não será equivalente a zero acidentes, porque nenhum sistema é perfeito.

Mas nesta fase em que a tecnologia está a emergir e será necessário avançar pelo desconhecido, serão preferíveis as empresas que levam os avisos e receios a sério, porque uma morte que seja já é muito. À primeira fatalidade, é preciso repensar. Mesmo que isso signifique demorar o triplo e chegar mais tarde ao mercado. Que é o que a Apple está a fazer há bastante tempo. Há pelo menos dez anos que correm rumores de que a fabricante do iPhone estará a trabalhar num projecto automóvel, um desejo antigo do co-fundador e ex-CEO Steve Jobs, que queria construir um carro Apple antes de morrer.

Não conseguiu fazê-lo mas os rumores nunca cessaram, lentos e constantes. Há agora uma nova onda de rumores, concretizada numa notícia recente da Bloomberg que dá conta de planos para lançar o Apple Car em 2025, totalmente autónomo. A notícia avança que o carro não terá pedais nem volante e será alimentado por processadores neurais e inteligência artificial, havendo já testes a serem conduzidos na Califórnia.

Este "Project Titan" parece ter uma ambição temporal desmedida, porque 2025 é já ao virar da esquina e penso que não estamos prontos para carros totalmente autónomos nas estradas - nem em termos de infra-estrutura nem de regulamentação. O início da próxima década é uma previsão mais avisada, mas seja como for, a Apple está a trabalhar em algo radicalmente diferente do que temos agora. Será melhor ter neófitos da construção automóvel a fazer os carros inteligentes do futuro, ou veteranos da estrada a meter-se pelo silício que alimentará os carros autónomos? Haveremos de ver. Mas olhando para o que está em cima da mesa neste momento, antes Apple do que Tesla.

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