"Lucros de 50% não podem ser permitidos. Governo não exclui fixação de margens." Estas foram declarações de um deputado do PS na Assembleia da República. E esta não é a única voz a comentar este "assunto":
- Subida de preços deve-se ao aumento das margens de lucro de grandes empresas.
- Devemos limitar a 15% a margem de lucro nos bens alimentares essenciais.
Nos últimos dias, o ruído tem sido ensurdecedor, mas os autores das afirmações escusam-se a explicar o que pretendem: o que é a tão falada "margem de lucro"? Vamos tentar adivinhar. Comecemos com o exemplo da venda do cacete ao público.
O Café da D. Bárbara vende o cacete com manteiga a 1,30 €. Quem lhe fornece os cacetes é a D. Dália ao preço de 30 cêntimos cada. Como o custo da manteiga é só 10 cêntimos, cada cacete é vendido por 1,20 €. Está a ganhar 90 cêntimos em cada, ou seja, 75% no preço de venda.
O Sr. Camilo tem uma loja que vende vários produtos alimentares e outros de primeira necessidade. Todos os dias a D. Dália entrega-lhe duas dúzias de cacetes ao preço de 30 cêntimos a unidade. Ao vendê-los a 60 cêntimos, está a ganhar uma margem de 50% no preço de venda.
A D. Dália, que é a padeira que vende os cacetes ao café da D. Bárbara e à loja do Sr. Camilo, fabrica-os com farinha, sal, fermento e outros ingredientes. Estas matérias-primas todas custam-lhe 15 cêntimos por cacete. Ao vendê-los à D. Bárbara a 30 cêntimos está a ganhar uma margem de 50% no preço de venda. Mas a D. Dália também vende ao público - a 60 cêntimos, claro, porque é o preço dos cacetes quando são vendidos ao público. Está a ganhar uma margem de 75% no preço de venda. Acontece que a D. Dália tem uma visão de mercado fantástica e nas suas instalações também tem umas mesas onde serve pequenos almoços e lanches, vendendo o cacete com manteiga a 1,30 €. Sendo 10 cêntimos o custo da manteiga, o cacete é vendido da 1,20 e a margem deste cacete é de 87,5% sobre o preço de venda.
Resumindo, as margens que cada um pratica na venda dos cacetes são as seguintes:
E todos vendem os seus produtos ao mesmo preço. Vamos limitar estas margens? Se o Sr. Camilo consegue praticar uma margem de 50%, vamos experimentar impô-la aos restantes?
A D. Bárbara passaria a vender o cacete com manteiga a 70 cêntimos e não a 1,30 €. A D. Dália teria de vender esse mesmo cacete com manteiga a 40 cêntimos.
Já o Sr. Camilo continuaria a vender o cacete a 60 cêntimos, mas a D. Dália teria de vender esse mesmo cacete a 30 cêntimos.
Qual o resultado?
É fácil perceber. Ou a D. Dália deixa de vender ao público, porque não consegue pagar os custos acrescidos dessa atividade, ou a D. Bárbara e o Sr. Camilo fecham as portas porque não conseguem sobreviver com os preços baixíssimos praticados pela D. Dália.
Mas o que é afinal a tão falada "margem de lucro"? O mais certo é que os autores das afirmações vistas no início não façam a mínima ideia do que estão a falar. Ou se sabem, pretendem enganar os seus ouvintes.
O "lucro" é a diferença entre todos os rendimentos e todos os custos. Se tivermos as vendas como único rendimento, podemos ter vários custos com matérias-primas, eletricidade, água, rendas, seguros, telefones, manutenção de equipamentos, salários, perda de valor dos equipamentos... Depois de retirados todos estes custos, chegamos a um resultado, o "resultado operacional". Subtraindo os juros, obtemos o "resultado antes de impostos". E subtraindo o IRC, finalmente chegamos ao "resultado líquido": o lucro. Mas pelo meio ainda podemos calcular o Resultado Bruto e o EBITDA.[1] Resumindo, e pela ordem utilizada na gestão financeira, os resultados que podemos calcular são:
Resultado Bruto, EBITDA, Resultado Operacional, Resultado antes de Impostos, Resultado Líquido.
Em qual deles é que vamos impor uma margem máxima? Para além das matérias-primas, deveremos considerar a eletricidade? E a água? E os seguros? E os salários? E os juros? Deve ficar de fora algum custo? E se um empresário não pagar renda a ninguém porque está a usar instalações próprias, vai ter de vender mais barato do que o vizinho do lado que paga renda? E se não pagar juros, venderá ainda mais barato relativamente a outro que paga?
Já sabemos quais as consequências de impormos uma margem máxima igual para todos: alguém vai fechar portas!
A propósito, nas últimas contas publicadas, a Jerónimo Martins desceu a sua margem no EBITDA de 7,5% para 7,3% e aumentou no resultado líquido de 2,1% para 2,3%.; a Modelo-Continente baixou em ambos, e mais de 1 p.p.
Mário Joel Queirós, Docente do Ensino Superior nas áreas de Economia e Finanças
[1] Resultado antes de juros, impostos, depreciações e amortizações.