Os meus filhos nasceram e cresceram numa era e num país socialista. Sempre em crise. Em crise de tudo. Lembro-me de projetar o futuro dos mais velhos e pensar num país diferente daquele da tanga, do pântano, dos escândalos, da dívida, da crise de natalidade, do cacique partidário, das bancarrotas, da ditadura das minorias mais histéricas, dos limites de liberdade.
Sim, porque eu sou do tempo da tanga de Barroso e lembro-me bem quando Guterres, em 2001, fugiu a sete pés do pântano, da corrupção deste país, que lhe parecia sem emenda. A lata... Tinha o meu mais velho um aninho e a vida pela frente. E já tinha outro acabado de nascer, quando Barroso também fugiu porque o país estava de tanga.
Pensava eu que, quando eles crescessem, o pior já teria passado, que aquilo que estava mal seria corrigido - por força das circunstâncias ou porque era impossível manter o rumo da tanga e do pântano. Depois veio Sócrates e o resto todos sabem.
E aqui a Inês continuava alegremente na cruzada dos filhos. Parecia pateta: "Porque é que tens tantos filhos", perguntaram-me um dia. Nem percebi a pergunta; não tinha medo nenhum. Porque não? O pior estamos agora a viver, achava eu, feita parva.
Chegamos a 2023 e o país está em inversão acelerada. A natalidade continua o caos (às vezes tenho a sensação de que o pessoal no INE já sabe o meu nome e o dos meus filhos e o de todas as famílias com seis ou mais crianças), a dívida sobe, os impostos idem, as desigualdades agravam-se, os países mais improváveis ultrapassam-nos em quase todos os rankings sobre quase todos os temas, os impostos e as prestações sufocam famílias em todos os escalões, a corrupção já nem é notícia e a esperança, que dizem ser a última a morrer, já morreu no olhar dos portugueses. E eu cheia de filhos que parecem passarinhos no ninho de bico aberto sempre a pedir e a piar.
O futuro deles está mesmo a chegar: os primeiros empregos, os ordenados que não lhes vão chegar para trabalharem e viverem independentes, nem para pouparem, nem para continuarem a investir na formação. "Inês, os miúdos hoje saem de casa dos pais aos 30", avisam-me os meus amigos. Não conseguem desamparar o ninho. 30 anos... morro antes.
Lembram-se quando Passos Coelho sugeriu que os professores sem ocupação procurassem novos mercados de língua portuguesa? Pois. E foi achincalhado, insultado, rasgaram-se vestes e o governo só não desabou porque não havia outro? O caso dos dias de hoje não são os professores, são os nossos filhos. E o destino não é apenas os mercados de língua portuguesa: é o mundo. E porquê? Porque quando o governo tem como medida para resolver o problema do mercado de arrendamento um pacote de intenções inviável, irrealista e que viajou até aos nossos dias vindo diretamente do PREC, quer dizer que tudo ainda pode acontecer. Ou seja, que já não existem limites, nem de bom senso nem ideológicos, neste pântano que nunca deixou de o ser. E que não será certamente neste país ou nos próximos tempos que os nossos filhos conseguirão evoluir ou crescer profissionalmente, arrendar ou comprar casa com o fruto do seu trabalho, constituir família ou fazer poupanças.
Este pacote de medidas estalinistas é sinal de que o melhor conselho que se pode dar a um filho é que ele se vá embora. Que não perca o seu tempo, o seu talento num país que não o quer ver crescer ou crescer com ele. Dizer-lhe que lá fora, em muitos países, há lugar para eles, há um mar de oportunidades à sua espera. E que não tenha medo de ir, mas medo de ficar.
Jurista