Não me lembro da opinião ser tão condicionada como hoje em dia. Em todas as áreas sobre todos os temas. E não é um acidente de percurso, nem tem como causa os nichos criados com as redes sociais: é muito mais grave do que isso. O que aconteceu com os livros dos Cinco é só a ponta do iceberg. Escrever o que se quer, utilizar as expressões que se entende, defender princípios, credos, carismas ou políticas que fogem do mainstream, é cada vez mais arriscado. Ninguém quer andar pela rua com autocolantes na testa que os definem pelo que pensam e serem por isso hostilizados - não pela opinião que têm, mas por ser uma opinião diferente.
Ter opinião, escrever, pensar e falar em plena liberdade, devia ser tão natural como a sede. Mas não é. Podemos querer conversar, ler os livros ou discutir com alguém que tem opiniões que detestamos, que desprezamos, que até nos repugnam. Ou não. E é neste "ou não" que está a liberdade de todos. É essa escolha que fazemos todos os dias de pensar para escolher, para formarmos opinião, para nos movermos e agirmos como membros de uma comunidade, é esse pensar, dizia, que nos define como pessoas. Sem isso somos coisa nenhuma, seres amorais, amorfos, frangos de aviário que engolem sem mastigar, indiferentes e treinados para estranharem e serem intolerantes ao que se passa fora do nosso aviário.
O que aconteceu em Inglaterra com a censura às versões originais dos livros do Cinco por conterem "linguagem ofensiva" - como moreno em vez de bronzeado - e por não se respeitar a igualdade de género da divisão das tarefas domésticas, diz tudo sobre os tempos perigosos em que vivemos.
Quem é que define o conceito de linguagem ofensiva? Para mim, linguagem ofensiva é chamarem "padrecos" aos padres; é a linguagem sexualizada dos desenhos animados infantis que me entram pela casa dentro; é a utilizada para definir conceitos e movimentos que se perfilam contra a família; é a das vozes que proclamam a defesa de políticas de morte e desprezam a vida. Para outros é a mãe e o pai da Zé dos Cinco não partilharem as tarefas na cozinha. Eu não pretendo fazer nada para silenciar essas vozes ofensivas. Antes combato-as, que é como se faz nos países livres. E assim, onde ficamos?
É o Estado, sempre o Estado protetor e cobarde, quem define essa linguagem em nome de quem faz mais barulho. Mas o Estado, ao contrário do que os frangos de aviários imaginam, não pensa nem acha nada. Quem pensa são as pessoas que o ocupam e que todos os dias tomam decisões em seu nome e no nosso. São pessoas concretas que definem como pensamento único - o seu - o de um Estado do qual se acham detentoras. São eleitos pela maioria, dirão os mais cínicos. Sim, mas as regras em Democracia que garantem a liberdade de expressão não estão sujeitas a maiorias. A História está repleta de tiranos eleitos e aclamados por maiorias esmagadoras.
Essas pessoas que vagueiam nos corredores sinistros do aparelho de Estado são de carne e osso e são elas que têm medo que os Cinco na sua versão original, parada no tempo daqueles tempos que nada se assemelham aos nossos, conquistem alguma criança. São elas que vivem aterrorizadas que as nossas crianças viajem no tempo e consigam retirar de lá lições, que imaginem e aprendam a perceber contextos, que ambicionem viver assim, como os Cinco viviam. São esses usurpadores do nosso poder que não lhes querem mostrar outra realidade, seja ela temporal ou geográfica, que não seja aquela que projetaram como o seu ideal de sociedade.
Começa sempre assim: primeiro a indiferença, depois a ignorância e por fim a tirania. Já estivemos mais longe. Por enquanto estamos na fase do engorda.