A moeda única da Europa está quase a completar 23 anos, tendo apresentado um comportamento exemplar no cumprimento do objetivo primordial: a estabilidade de preços. De facto, nos primeiros 22 anos a taxa de inflação média foi de 1,6% [1], estando abaixo do valor máximo, estabelecido em 2% - número que nunca foi ultrapassado. Outras economias com moedas de referência, também apresentaram comportamentos exemplares, como a Suíça (0,4%), os Estados Unidos (1,9%), e o Reino Unido (2,1%).
Então, porque é que no ano 23, começaram os receios de uma inflação, cujas projeções apontam que dispare para perto dos 5%? Só percebendo por que os preços sobem, é que conseguimos responder a esta questão.
O próprio Banco Central Europeu dá-nos a resposta num vídeo de desenhos animados de oito minutos [2]. Quando um jovem casal pretende comprar dois bolos no mercado, surge a seguinte questão ao padeiro, com a consequente resposta:
- Subiu o preço? Porquê?
- Ora, as pessoas têm mais dinheiro para gastar e querem comprar mais bolos do que aqueles que eu tenho para vender."
Então será que, de repente, apareceu mais dinheiro na Europa? Vamos fazer as contas.
Nos primeiros 21 anos, a quantidade de dinheiro relativamente ao PIB cresceu 1,9% ao ano. Portanto, só esteve 0,3 pontos percentuais acima da inflação. Mas, de repente, em 2020, a diferença foi de 15,6 pontos percentuais. Parece estar aqui aberta a porta para uma inflação superior a 15% [3].
Sim, há razões para alarme! Não, no próximo ano a inflação não vai ser 15%! Até porque neste ano podemos atingir os 5% [4]. Mas vamos ter inflação em níveis que não estávamos habituados e, pior que isso, nem sequer estávamos à espera.
O que se passou, foi que Banco Central Europeu (BCE) respondeu aos efeitos da pandemia com uma grande injeção de dinheiro na economia, mas a economia entrou em recessão. Portanto, há mais dinheiro e menos "bolos para vender". Os preços têm de subir. Como combater a subida de preços? Com a mesma receita: diminuir a quantidade de dinheiro e esperar que haja mais "bolos para vender". Mas o BCE não pode obrigar‑nos a entregar-lhe uma parte do nosso dinheiro. A única forma de o fazer, é aliciar-nos com taxas de juro mais altas, seja para aplicarmos as poupanças, seja para pedirmos menos crédito.
Em 2021, a quantidade de dinheiro continuou a aumentar; mas o PIB também, o que vem aliviar as pressões da inflação. No entanto, não poderemos escapar a uma subida das taxas de juro se não quisermos uma inflação descontrolada nos próximos tempos. Dinheiro a mais, não nos traz felicidade.
"A inflação é sempre e em qualquer lugar, um fenómeno monetário no sentido de que é e pode ser originada apenas por um aumento mais rápido na quantidade de dinheiro do que na produção." Milton Friedman
Mário Joel Queirós, docente do Ensino Superior nas áreas de Economia e Finanças
[1] Variação do índice de preços do PIB.
[2] https://www.youtube.com/watch?v=v4Zmx5OsKM8
[3] O aumento dos preços é do ano seguinte relativamente a dinheiro/bolos
[4] E existem mais fatores que, embora ligeiramente, podem influenciar a inflação