Há alguns temas que têm ocupado esta coluna de forma regular. Um deles é o da "virtude" como bandeira política. Trata-se de um processo genial para gerir o país, desenhar medidas fiscais e ocupar o espaço público. Não resolve nada, mas parece sempre bem. Afinal, quem não é virtuoso? Quem é que, de facto, não quer fazer o "Bem"? Se estas perguntas parecem ser um pouco tontas, pela sua ingenuidade ou malvadez implícita, a resposta é surpreendente: Os liberais, esses são "os" egoístas.
Gostaria de rebater aqui algumas das afirmações tantas vezes repetidas no espaço público e recentrar certos temas, recorrendo a alguns casos concretos. Custa-me ver um país apático e em que os poucos que apresentam soluções, sejam aqueles que mais levam pancada. É indiferente se concordo ou não com todas as soluções, mas é preciso debater sem classificar os adversários.
A flat tax é considerada uma medida egoísta. Só com impostos progressivos, dizem-nos, o Estado pode cumprir as suas funções sociais: tirar aos mais favorecidos e dar aos que menos têm. Porém, e creio que estamos todos de acordo neste ponto, a despesa pública mais redistributiva que temos na nossa sociedade, aquela que paga diretamente benefícios para quem mais deles precisa, é a despesa da Segurança Social. E saberá o leitor como é financiado este organismo? Essencialmente, é financiado com uma taxa proporcional sobre os salários, sem qualquer tipo de dedução que considere a invalidez, a dimensão do agregado familiar ou qualquer outro aspeto ligado à harmonia familiar ou individual.
Na Segurança Social, consideramos que a progressividade se faz na despesa e não na receita. De uma forma simples: já temos uma flat tax! E, em quase 50 anos de democracia, sempre considerámos esse modelo correto para apoiar quem menos precisa. Vamos agora dizer que a Segurança Social é egoísta?
O mundo enfrenta um enorme problema com as emissões de CO2 para a atmosfera. E Portugal tem de fazer a sua parte para combatê-lo. Não há dúvidas. O nosso país representa menos de 0,15% das emissões globais de CO2. Vou repetir: menos de 0,15%. Mesmo que se acabasse com a totalidade das emissões no nosso país, o planeta nem notaria. Pior, se nada produzíssemos as importações necessárias ao nosso bem-estar aumentariam em muito a nossa pegada de carbono. A consciência destes factos deveria levar-nos a definir alguns objetivos: cumprir as metas internacionais (que não haja dúvida alguma em relação a este compromisso), contribuir para que os restantes países façam as suas reduções, assumir parte da produção que agora é importada, e prepararmo-nos para viver com as alterações climáticas que são inevitáveis. Em resumo, o foco deveria ser nas pessoas, em mais produção, na energia e na água. Chamam a isto egoísmo.
O Partido Livre tem no seu programa eleitoral a seguinte proposta: "Criação de um Fundo de Apoio ao Estudante do Ensino Superior". E como pretende o Livre financiar esse Fundo? "Em parte", dizem-nos, "com impostos de beneficiários, desse mesmo Fundo, com altos rendimentos". Ou seja, todos os que beneficiarem deste apoio, terão de pagar mais impostos ao longo da vida. Em 2019, a Iniciativa Liberal apresentou no seu Programa a seguinte proposta: Conceder um empréstimo a todos os alunos que precisassem de apoio para pagamento das propinas e demais despesas inerentes à frequência do Ensino Superior (como acontece no Reino Unido). E como seria pago esse empréstimo? Através de uma prestação sobre os rendimentos acima do salário médio.
Honestamente, consegue ver alguma diferença relativamente à proposta anterior? Troque os termos, fundo por empréstimo e prestação por imposto e veja por si próprio. Porém, no programa do Livre esta proposta é vendida como uma medida para que todos possam estudar. Na Iniciativa Liberal a proposta é classificada como esbulho e uma exploração inaceitável dos mais jovens. Não concordo com nenhuma das formulações apresentadas, nem a do Livre nem a da IL, mas a hipocrisia extrema e a cegueira ideológica enervam-me de sobremaneira.
E podia continuar: O Orçamento do Estado de 2022 diz que a Segurança Social está falida, sendo necessário equilibrar as contas rapidamente. O único partido que propõe um equilíbrio é o egoísta na sala?
Quando o salário mínimo aumentar para 900 euros, como propõe o PS, cerca de 91 concelhos (em 308) terão o valor mínimo superior ao médio de 2019. Vamos egoisticamente abdicar de um terço do país ou achar que todos os empresários envolvidos nesses concelhos são egoístas também?
Está na altura de centrar o debate no crescimento e menos na suposta falta de virtude dos adversários. O egoísmo não está nas medidas liberais, está nos olhos de quem não quer ver que há soluções que discordam para tornar o país mais próspero e solidário.
Filipe Charters de Azevedo é CEO da Data XL e da Safe-Crop