É tramado: não existem discussões mais sangrentas entre pais do que as discussões sobre os filhos. Os filhos dividem os casais. Sabem aqueles avisos das repartições públicas sobre os perigos do álcool e do tabaco, as medidas de prevenção do cancro ou sensibilização dos utentes para a violência doméstica? Pois bem, devia existir um cartaz contemplando a problemática dos filhos, uma mensagem dirigida aos noivos em cada cartório, alertando para o perigo. "Atenção: um filho pode ser uma ameaça mais letal ao casamento do que a vizinha loira e com as medidas de modelo da Vogue que vive no 3.º esquerdo do seu prédio. Esteja atento aos sinais e viva feliz para sempre".
E que sinais são esses? Os filhos são motivo de ciúme. Um bebé é um usurpador do amor que nos pertence. É muito querido, indefeso e apaixonante, mas assume o lugar cimeiro em cada família, mal põe os pés neste mundo. E aos gritos, sem pedir licença, a exigir atenção e cuidados especiais 24 horas por dia, sete dias por semana. De repente, de um dia para o outro, a cama de casal é usurpada, a atenção é repartida em partes desiguais e as prioridades são drasticamente alteradas. É cada um para o seu lado e o bebé no meio. Esparralhado e desenvergonhado. No fundo, é um "ocupa" que ofende quem fica na beira da cama, quase a cair.
Depois, as conversas. O tema preferido dos casais com filhos são os filhos. Fala-se demasiado de filhos e sobre os filhos em casal. Em vez de se manter o foco nas coisas fundamentais da vida - como o destino de férias, os desafios das democracias liberais, a vida dos outros, o futuro do planeta, o tecido novo para os sofás, o ChatGPT e o seu impacto nas universidades ou na próxima viagem a dois -, as conversas passam a ser sobre temas meramente infantis: fraldas; a dicotomia pegar/não pegar ao colo; o "quem é que vai lá, porque ontem fui eu"; qual a melhor creche ou escola; se a escola está a correr bem e como são os "amiguinhos"; que corte de cabelo e que roupa vestir ao menino; como aniquilar piolhos; as características do médico; os horários; que legumes para a sopa do bebé; com que idade se deve começar as atividades desportivas; Ben-U-Ron ou Brufen, qual escolher; ecrãs, telemóveis, consolas com quantos anos, quanto tempo e que conteúdos. Os temas vão mudando, mas o assunto e sempre o mesmo: filhos.
E assim, com o tempo, deixa de se ter assunto para falar em casal, deixa de se saber falar em casal, e o silêncio ocupa todo o espaço que os filhos vão deixando vazio.
Os filhos são um tema sério, de vida e de morte, e por isso, como acontece em todos os temas delicados de vida e morte, não há cedências: há perdedores e vencedores, há argumentos. No momento em que nasce um filho erguem-se duas barricadas, duas opiniões objetivas e irredutíveis sobre cada assunto, duas certezas, duas sogras e duas histórias de vida - "Eu cresci assim e é assim que eu quero educar o meu filho." É a declaração de guerra.
Dá-se, então, o início das hostilidades, nem que seja porque cada pai tem uma sensibilidade diferente ao frio e à relevância dos casacos. Tudo passa a ser motivo para se iniciar um tiroteio feroz e sangrento onde se atiram culpas e responsabilidades à cara um do outro como se fossem tartes. Porque não há ninguém saiba o que é melhor para os meus filhos senão eu (e a minha mãe, vá).
E eles, os filhos, no meio de tudo isto? Eles vão chorando por um e por outro, aprendem a pedir dinheiro à mãe porque "o pai não dá", a estarem sempre do lado de quem defende aquilo que lhes dá jeito e muitas vezes a fazer novas batalhas para repartirem o espólio com o vencedor. Eles não são parvos, os parvos somos nós. No meio desta guerra, em seu nome mas que não deles, aprendem a tirar benefício de cada batalha e conseguem mais uma horita de Playstation enquanto os pais discutem os malefícios da mesma.
O que é que está aqui errado? É que filhos não são a meias - como dizem os sábios, "meias só nos pés" - nem uma sociedade por quotas em que cada pai detém 50% de cada filho. Os filhos são do casal como casal: são eles de um lado e os pais do outro como uma entidade única, coesa. Como escreveu Miguel Esteves Cardoso, "O filho mais velho (dos casais) é o casamento deles." Por isso, é nessa relação - casamento, união, o que seja - que se deve primeiro investir. Os filhos, filhos felizes, vêm daí: de relações saudáveis.
Jurista