Nunca o mundo esteve tão refém de filhos como hoje. Tenho filhos dos 22 aos 9 anos e acreditem que é latente o crescimento do poder dos filhos. Tipo polvo. Orwell e Huxley pensaram em tudo, imaginaram os cenários mais tenebrosos a respeito do aprisionamento da mente, da liberdade, da ausência de discernimento dos humanos. Mas nunca pensaram que nós perdêssemos a cabeça com os filhos, ao ponto de nos escravizarmos desta forma. Que fossem as crianças, os adolescentes, que nem os sapatos sabem apertar, a mandar nisto tudo.
Os filhos são a nova máfia. Sei de pais que não domem juntos há meses, anos até, porque têm um filho a dormir na cama deles. E quando salta um, vem outro, tipo descendência no crime. E quando são expulsos, choram, ameaçam, fazem greve de sono, levam pais sãos à loucura e a pedir clemência, a suplicar uma cama só para eles. Sei de pais que não saem juntos porque o filho não quer, que só compram a roupa que o filho de 5 anos escolhe e que não viajam sem levar a criança agarrada às pernas. Pais que deixaram de ser casal, pessoas autónomas, que deixaram de planear ter mais filhos porque um só escravizou-os, e têm medo que com dois passem a escravidão com maus tratos.
Pais, professores, polícias, médicos, todos os adultos de todas as profissões, são hoje escravos de filhos, deles e doutros. Os filhos é que sabem, é que escolhem, é que querem. E nós, em pânico, vivemos para lhes realizarmos os desejos, impedir qualquer sofrimento, obedecer. "Ele não quer".
Na escola, os professores têm medo dos alunos. E eu também teria. Os pais deste século moderno e digital acreditam com mais facilidade numa criança de 4 anos do que na educadora, ou num adolescente de 14 do que no professor de 50. A professora gritou, o professor diz que eu não consigo, a professora ameaçou-me, o professor disse que nunca mais vou ter intervalo, eu estudei mas a professora não gosta de mim, ela não sabe ensinar, o professor é maluco. E assim se arruínam vidas de professores nos dias de hoje. A opressão é tal que os professores nem se atrevem a fazer greve contra os alunos e as respetivas famílias. Seriam crucificados, é o que vos digo.
Também médicos e enfermeiros são classes em risco. Os filhos não toleram a dor, a febre, a tosse, a garganta arranhada, os "três dias e depois volte a ligar". Antes disso, partem o hospital todo, insultam os pais ameaçando: "nunca mais gosto de ti". Pediatria e S. O. pediátrico são hoje profissões e serviços de guerra, de alto risco.
Os filhos têm o poder de alterar o currículo das escolas, de acabar com os exames - como já se viu; eles dominam a economia através das prateleiras dos supermercados e das birras nos mesmos. Eles querem, têm; eles mandam, conseguem; eles choram, nós vamos ao médico.
Andámos a ler as distopias erradas, é que vos digo.
Jurista