Não pode passar despercebido o livro de João Camargo e Paulo Pimenta de Castro, Portugal em Chamas: Como Resgatar as Florestas, sobre os “arquitetos” do projeto político económico que nas últimas décadas transformou Portugal num imenso eucaliptal, incluindo a cumplicidade entre o poder político e o lóbi da celulose.
De facto, desde que um antigo ministro, nos anos 80 do século passado, entronizou o eucalipto como o nosso “petróleo verde”, como matéria-prima da bem-sucedida indústria da celulose, estabeleceu-se uma manifesta captura da política florestal e industrial do país pelos interesses da fileira agroindustrial da celulose, não tendo cessado de rodar a “porta giratória” entre os dois campos, que mais recentemente se estende à investigação e à academia.
Não foi somente a permissividade na plantação de eucaliptais – que culminou na lamentável “lei da liberalização” de 2013 – e o laxismo e a impunidade dos abusos, tornando Portugal o campeão mundial do eucalipto, a que se juntou a complacência oficial em matéria ambiental, em relação aos efluentes líquidos e às emissões gasosas das fábricas de celulose e de papel, poluindo as águas e a atmosfera.
Como se não bastassem os seus custos sociais – danos ambientais na diversidade biológica, na predação de recursos hídricos, na erosão dos solos, danos paisagísticos na monótona fealdade da floresta nacional, danos económicos e humanos dos fogos florestais -, a fileira agroindustrial da celulose foi recebendo, ao longo destas décadas, centenas de milhões de euros de subsídios públicos, de que têm beneficiado tanto a produção florestal como o investimento industrial.
É tempo de pôr termo a esta escandalosa aliança entre os novos “donos disto tudo” e os governos e à subsidiação direta e indireta da hiperlucrativa fileira agroindustrial da celulose.
Além do fim dos subsídios públicos, urge internalizar as “externalidades negativas” que estão a ser suportadas pela coletividade. Basta pensar nos enormes custos anuais da proteção civil na prevenção e combate aos incêndios florestais, que impendem indevidamente sobre os contribuintes em geral.
Tal como se justifica, ao abrigo do princípio beneficiário-pagador, uma contribuição municipal de proteção civil urbana, a cargo do imobiliário urbano – que só precisa de ser autorizada por lei -, também se justifica, por igualdade ou maioria de razão, uma contribuição nacional de proteção civil contra fogos florestais, a cargo dos seus beneficiários, os produtores florestais e sobretudo das empresas de celulose.
Resta saber se existe vontade política para afrontar os poderosos interesses em causa…
Professor da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusíada Norte