Quão popular é Putin dentro da Rússia?

"O povo ucraniano tem de ser libertado", dizia um russo à estação canadiana CBC, depois de participar numa manifestação de apoio à guerra na Ucrânia, em Vladimir. A cidade fica a 200 quilómetros de Moscovo, onde, no mesmo dia, Vladimir Putin ensaiava um dos maiores eventos de propaganda dos últimos anos na Rússia. O presidente organizou um comício megalómano no estádio Luzhniki, que estava a abarrotar de gente por dentro e por fora - cerca de 200 mil pessoas, segundo a polícia local.

Foi uma mostra assombrosa de "patriotismo coreografado", como lhe chamou a repórter canadiana, e uma prestação convincente de Putin em defesa da "desnazificação" da Ucrânia. "Uma decisão certa do nosso presidente", argumentava uma russa à CBC.

"Sou uma patriota. Se o nosso governo está a lutar na Ucrânia, é porque deve ser necessário", dizia outra russa, Tatiana, perante a câmara da BBC..

Aquilo que o mundo ocidental está a ver ao minuto na Ucrânia não é o que os 146 milhões de habitantes da Rússia vêem nas suas televisões, lêem nos seus jornais e ouvem nas suas rádios. Na versão oficial do Kremlin, simbolizada pela letra "Z" que é pintada nos tanques e grafada em carros e t-shirts, Vladimir Putin é o presidente corajoso que está a libertar a Ucrânia dos nazis. Os herdeiros do império soviético lutam contra tudo e contra todos, tomando o seu legítimo lugar de potência mundial. O Ocidente é maligno e está a tentar impedir a defesa dos russos na Ucrânia, que eram alvo de genocídio.

Sabemos que isto é uma total inversão dos factos e que isso contribui para a visão distorcida que grande parte dos russos têm sobre o que está a acontecer. No entanto, há que olhar para as evidências: Vladmir Putin é extremamente popular na Rússia. Em Fevereiro, uma sondagem do Levada Center dava a Putin <a href="https://www.levada.ru/en/ratings/" target="_blank">uma taxa de aprovação de 71% e de desaprovação de apenas 27%.

Os resultados reportados pelo Levada Center, cujo trabalho é independente e bem reputado fora da Rússia, espelham de forma geral o que as sondagens domésticas mostram. Que o presidente é popular e o povo russo está com ele. Podemos questionar até que ponto a popularidade de Putin junto dos russos é genuína ou manipulada, uma vez que os cidadãos não têm acesso a informação que lhes permitiria fazer uma análise diferente.

Mas sabendo que a desinformação tem aqui um papel crucial, também não podemos ignorar que a percepção do direito à soberania e autonomia democrática de outros estados é diferente neste país.

Reflexo disso é o facto de a anexação da Crimeia em 2014 ter sido uma agressão extremamente popular na opinião pública russa. A anexação de parte do território de um país soberano foi considerada positiva e bem-sucedida. Uma sondagem do Levada Center e do Chicago Council on Global Affairs, realizada em Março de 2015, mostrou que 70% dos russos inquiridos consideraram a anexação positiva. A percepção oscilou, primeiro para baixo e depois para cima, ao longo dos anos. Ainda assim, a aprovação manteve-se sempre na maioria.

A resposta à questão de quão popular Putin é na Rússia é: muito. É preciso ter isso em conta quando se olha para a reacção do povo russo a esta guerra e se procuram sinais de que o regime pode esboroar-se por dentro. Os momentos de dissensão que temos visto são, ao que tudo indica, uma excepção.

A história é polida pelos invasores e a verdade é enviesada pela sua lente. Fui lembrada disso recentemente, quando uma amiga espanhola lamentava a violência da Rússia na vizinha Ucrânia e comentava como Espanha e Portugal sempre foram amigos. Retorqui que não foi sempre assim, que Espanha invadiu Portugal mais que uma vez e inclusive ocupou o vizinho durante 60 anos.

A reacção da espanhola foi de estupefacção. Nunca tinha ouvido falar disso e não imaginava que Portugal teria um feriado a 1 de Dezembro para celebrar a independência. Raramente os países invasores incluem na sua história a perspectiva dos invadidos.

Na Rússia, Vladimir Putin é o restaurador da glória soviética e não há espaço para questionar narrativas. Mas há espaço para as reescrever.

Isso explica que não só o presente esteja sujeito à formidável máquina de desinformação e censura do Kremlin, mas também a sua história. José Milhazes, possivelmente o jornalista e historiador português que mais sabe sobre a Rússia, citava há uns tempos um ditado segundo o qual a Rússia tem um passado imprevisível. Como é que podemos tentar adivinhar-lhe o futuro?

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