Martha Stewart sofreu, no entanto, um grande percalço há dez
anos. Um velho amigo da filha e seu corretor na bolsa
confidenciou-lhe por telefone que uma farmacêutica acabava de ver
rejeitada a patente do seu principal remédio. O anúncio seria feito
dois dias depois e a consequência óbvia era que as ações da
empresa iam perder valor. No dia seguinte, Martha deu ordens para
vender os 230 mil dólares de ações que tinha nesta empresa. Poupou
com isso 45 mil dólares, uma ninharia na sua fortuna. Mas a CMVM
americana investigou as vendas das ações da farmacêutica nessa
manhã, como faz sempre nestes casos de desvalorização súbita.
Apesar da sua fortuna e celebridade, Martha Stewart foi condenada por
inside trading. Passou cinco meses na cadeia e mais cinco em prisão
domiciliária.
A Bolsa portuguesa viveu um episódio marcante há nove dias. Na
quinta-feira de manhã um Conselho de Ministros aprovou a lei que
antecipava a solução para o BES. Nesse dia e no seguinte, milhares
de ações do banco foram vendidas. Quem o fez, poupou uma fortuna.
No sábado, os comentários de Marques Mendes levantam fortes
suspeitas de fuga de informação antes do anúncio de domingo à
noite.
Se fosse nos EUA, a CMVM e o Ministério Público (MP) estariam
neste momento a recolher o nome de todos os que estiveram nesse
Conselho de Ministros e de todos os que trabalharam no processo no
Banco de Portugal nesses dias. Estariam a obter autorização de um
juiz para receber uma listagem de todos os telefonemas que Marques
Mendes fez nos dois dias antes das declarações. E haviam de cruzar
esta lista com os nomes de quem vendeu ações do BES na quinta e
sexta-feira. Com certeza que estariam pessoas ricas, famosas e atuais
governantes nas listas, mas não eram precisas escutas, fugas de
informação e devassa da privacidade em que o nosso MP se
especializa. Bastava cruzar duas listas de nomes e pedir explicações
a quem surge em ambas. Talvez afinal haja algumas Martha Stewart
portuguesas.
Como estamos em Portugal, em vez disso li na imprensa que os
juristas questionavam se a solução para o caso BES era
inconstitucional. Neste extraordinário mundo novo inaugurado pelo
nosso Tribunal Constitucional, os juízes não precisam de perseguir
crimes ou ajuizar infrações. Podem ocupar-se a discutir e a
determinar o que deve ser a política financeira, o que, convenhamos,
é bem mais engraçado e dá muito menos trabalho.
Professor de Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque
Escreve ao sábado