Os nossos ministérios deixaram de resolver desafios públicos e passaram a estar concentrados em ação social. O país capitulou, estamos a brincar à caridadezinha e celebramos com orgulho a nossa desgraça e a nossa virtude. Não se resolve nenhum problema, apenas se discute fundos e subsídios - não devia ser a altura de resolvermos os problemas?
O ministério da Agricultura não é apenas da agricultura (a mais nobre atividade produtiva). O nome oficial deste ministério é "Agricultura e da Alimentação". Nos últimos anos passámos a discutir alimentos e não a forma de a produzir.
O principal problema ambiental do nosso país creio que é unânime. Falta água. E já falta há muitos anos. Quando dizemos que há alterações climáticas, o que se está a dizer é que os fenómenos extremos serão mais frequentes - iremos sofrer secas profundas e chuvas intensas. Há igualmente um consenso alargado que dificilmente conseguiremos inverter esta situação sem causar problemas profundos na nossa forma de vida, isto é, sem aumentarmos a pobreza. É um problema grave. Porém, se este inverno chover, e se com alguma sorte se tivermos muita chuva, vamos deixar essa água toda correr para o mar, porque não executámos o plano de barragens, não fizemos as autoestradas da água que trarão a chuva do norte para o centro e sul, e nem apostámos no plano de barragens do médio Tejo que permitiria um Alqueva no centro do país.
Centrais de dessalinização? Nem a discussão começámos. Vamos dar dinheiro ou conceder empréstimos aos produtores mais aflitos pela seca. Note-se porém que não serão empréstimos quaisquer - terão juros "bonificados" porque temos uma preocupação social. Já os produtos que deixarmos de produzir serão importados a um custo ambiental e financeiro superior.
Quando discutimos alguma coisa, discutimos sempre o acessório. Exemplo: o preço da eletricidade é caro porque não produzimos energia em volume suficiente. O preço é o resultado. O preço é sempre um resultado. Não é uma decisão concertada. Aliás, este detalhe é comum nos nossos governantes: confundem-se métricas de resultados, com métricas de produção. Conhece algum programa credível de expandir a fronteira de produção de eletricidade? Mais: se houvesse vontade de resolver alguma coisa no preço, começaríamos por desmantelar o mecanismo de regulamentação de preço, os seus impostos e seus estranhos apoios. Só para se ter uma noção, em Portugal a eletricidade paga 23% do IVA. Se há escassez de um produto, porque taxá-lo de forma excessiva? E se há escassez, porque esta forma de subsidiação cruzada às renováveis e não aos processos que garantem economias de escala e preços mais baixos?
Na educação a situação é semelhante: o tema do momento é a "gratuitidade das creches". Reparem no desfoque: o problema é não haver creches em número suficiente para pôr os miúdos. Porém, para o governo o problema é no seu preço e no apoio social. Jamais pensaram em agilizar o processo de licenciamento das creches. O resultado final será que uns terão creches gratuitas e outros não terão qualquer solução.
Na saúde temos uma rede privada pronta a ajudar. E médicos, enfermeiros e pessoal clínico prontos a intervir. Mas o estado social não permite que se contratualize serviços com quem não quer trabalhar de graça. E assim ficamos sem solução, presos na nossa virtude, deixando morrer pessoas.
No topo disto tudo há o meme da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Diz esta Fundação, e creio que com algum orgulho escondido: "se não fossem os apoios do estado social, quase metade da população portuguesa seria pobre". Discurso semelhante é feito pelo Governo. Evidentemente que a pobreza não é uma escolha. Mas a forma de a combater é uma opção política. E nós não estamos a fazer nada para a combater. Pelo contrário. Estamos desgraçados e sorrimos com a nossa generosidade.
Cresci a ouvir as maravilhosas músicas para crianças revolucionárias do José Barata Moura. Sei que o alvo da música era outro, mas este comunista cantava mais ou menos assim: "Vamos brincar à caridadezinha", "rouba-se muito, mas dá-se prenda".
Numa vertente mais liberal, e mais ou menos pela mesma altura em que eu ouvia estas músicas, um presidente americano afirmava: "O Governo já não é a solução para os nossos problemas. É a causa."
Deixar de viver de apoios sociais devia ser um desígnio nacional, da esquerda à direita. Estou, e creio que o leitor também estará, cansado de brincar à caridadezinha.